Interagir com a vida selvagem está na moda, mas os animais pagam um preço alto
Encontros com animais em cativeiro são muito populares graças, em parte, às mídias sociais. Mas nossa investigação revela que muitos bichos levam uma vida horrível.
Confira a reportagem completa na edição de junho da revista National Geographic Brasil.
Pouco depois de anoitecer, estou em um carro, que se arrasta debaixo de chuva pela estrada lamacenta, e passo por fileiras de elefantes agrilhoados balançando as trombas. Estive aqui cinco horas antes, com sol alto e escaldante e turistas nas costas dos animais.
Agora a pé, quase não enxergo o caminho iluminado pela lanterna do celular. Quando um cercado me detém, aponto a lanterna para baixo e sigo o piso de concreto até topar com três grandes pés cinzentos. Um quarto pé paira acima da superfície, algemado a uma corrente curta e sufocado por uma argola com cravos de metal. Quando a elefanta se cansa e baixa o pé, os cravos espetam mais fundo seu tornozelo.
Meena tem 4 anos e 2 meses, uma criancinha elefante. Khammon Kongkhaw, seu mahout, ou tratador, já me contou que Meena está na corrente com cravos porque costuma dar coices. Kongkhaw tem sido o responsável por Meena aqui no campo Maetaman Elephant Adventure, próximo a Chiang Mai, norte da Tailândia, desde que ela estava com 11 meses. Diz que a mantém presa à corrente com cravos só durante o dia e remove o instrumento à noite. Mas já é noite.
Pergunto a Jin Laoshen, o funcionário que me acompanha nessa visita noturna, por que ela continua acorrentada. Ele diz que não sabe.
O Maetaman é uma das muitas atrações animais em Chiang Mai e imediações, uma área lotada de turistas. As pessoas enxameiam para fora dos ônibus de excursão e sobem na tromba dos elefantes, e eles, espetados pelos mahouts com varas dotadas de um gancho de metal afiado na ponta, içam os turistas no ar enquanto as câmeras clicam. Visitantes empurram bananas na direção das trombas enquanto os tratadores aguilhoam os elefantes – uma das espécies mais inteligentes do planeta – para que lancem dar-dos ou chutem enormes bolas de futebol ao som da música bombando nos alto-falantes.
Meena é um dos dez elefantes do Maetaman. Para ser exata, ela é pintora. Duas vezes por dia, diante de multidões de visitantes tagarelas, Kongkhaw põe um pincel na ponta da tromba de Meena e pressiona sua face com um prego de aço para direcionar as pinceladas enquanto ela arrasta cores primárias pelo papel. Ele costuma guiá-la para que pinte um elefante selvagem na savana. As pinturas são vendidas a turistas.
A vida de Meena deve seguir a mesma trajetória dos cerca de 3 800 elefantes cativos na Tailândia e outros milhares em todo o Sudeste Asiático. Ela se apresentará em shows até mais ou menos os 10 anos de idade. Depois irá transportar turistas sentados em um banco preso às suas costas. Quando Meena estiver velha ou doente demais para carregar pessoas – talvez aos 55 anos, talvez aos 75 –, ela morrerá. Se tiver sorte, conseguirá alguns anos de aposentadoria.
Atrações de fauna como as do Maetaman são um segmento lucrativo da próspera indústria do turismo global. O número de viagens ao exterior dobrou em relação há 15 anos, e esse salto ocorreu, em parte, graças aos turistas chineses.
O turismo animal, ou de vida selvagem, não é novidade, mas agora as redes sociais alavancam esse ramo e põem os encontros com animais exóticos no topo daquelas listas do tipo “100 coisas a fazer antes de morrer”. Com um toque no celular, multidões de viajantes e influenciadores digitais compartilham suas selfies em atividades antes divulgadas apenas em guias de viagem. Suas selfies – nadando com golfinhos, ao lado de tigres, sobre elefantes – são propagandas virais.
Mas toda a visibilidade das redes sociais não mostra o que acontece fora do alcance das lentes das câmeras. As pessoas que se empolgam por estar próximas de animais selvagens geralmente não sabem que muitos deles têm uma vida bem parecida com a de Meena – ou ainda pior.
Saindo de Martaman, em cinco minutos de carro eu e a fotógrafa Kirsten Luce chegamos a uma propriedade anunciada em uma placa de madeira como “Ecovale dos Elefantes: onde os elefantes estão em boas mãos”. Aqui, ninguém passeia no lombo deles. Não há apresentações de pintura nem de outros tipos de “arte”. Os visitantes exploram um museu a céu aberto e aprendem sobre o animal nacional da Tailândia. Preparam quitutes de ervas para dar aos elefantes e fazem papel com o esterco deles.
O livro de visitantes do Ecovale transborda em elogios de turistas que podem ver os animais livres e partir confortados por ter apoiado um estabelecimento que consideram ético. O que muitos não sabem é que os elefantes “felizes” do Ecovale são trazidos do vizinho Maetaman para passar o dia aqui – e que as duas atrações são da mesma empresa.
Meena Kalamapijit, a dona do Maetaman e do Ecovale, diz que seus 56 elefantes são bem cuidados e que transportar pessoas e se exibir permitem a eles satisfazer sua necessidade de exercício. E afirma que o comportamento de Meena melhorou desde que seu mahout lhe pôs a corrente com cravos.
Na Tailândia, Kirsten e eu também vemos homens americanos abraçarem tigres em Chiang Mai e chinesas em vestido de noiva montarem em jovens elefantes em Phuket. Vemos ursos-polares amordaçados com arame dançando no gelo na Rússia, e adolescentes tirando selfies com bebês preguiças no Rio Amazonas.
A maioria dos turistas que se deleitam com tais encontros não sabe que os tigres adultos talvez tenham as garras arrancadas e estejam dopados. Ou que sempre há filhotes para afagarem porque os felinos têm sua reprodução acelerada artificialmente e as crias são tiradas da mãe dias depois de nascer. Ou que os elefantes transportam pessoas e fazem proezas sem ferir ninguém porque foram “domados” quando bebês e ensinados a temer a aguilhada. Ou que muitas das preguiças tiradas da Floresta Amazônica morrem semanas depois de ser postas em cativeiro.
Conforme viajamos por três continentes, fazendo perguntas sobre como os animais são tratados e recebendo respostas que nem sempre fazem sentido, fica claro que o sofrimento dos animais é ocultado metodicamente. A economia desse ramo depende de as pessoas acreditarem que os animais que elas estão pagando para ver ou transportá-las também estão se divertindo.
Dá certo, em parte, porque os turistas geralmente não pensam na possibilidade de estarem ajudando a prejudicar os animais. As redes sociais ampliam o equívoco: aplausos ingênuos de amigos e formadores de opinião legitimam atrações antes mesmo que um viajante chegue perto de um animal. O papel das redes sociais nesse problema vem sendo reconhecido. Em dezembro de 2017, depois de uma reportagem no site da National Geographic sobre o danoso turismo de vida selvagem na Amazônia peruana e brasileira, o Instagram introduziu uma funcionalidade: usuários que clicam ou buscam em dezenas de hashtags, por exemplo, #slothselfie e #tigercubselfie, agora veem na tela um pop-up avisando que o que está sendo mostrado pode ser prejudicial aos animais.
Confira a reportagem completa na edição de junho da revista National Geographic Brasil.