Interagir com a vida selvagem está na moda, mas os animais pagam um preço alto

Encontros com animais em cativeiro são muito populares graças, em parte, às mídias sociais. Mas nossa investigação revela que muitos bichos levam uma vida horrível.

Por Natasha Daly
fotos de Kirsten Luce
Publicado 28 de mai. de 2019, 16:38 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Pelo equivalente a 10 dólares, turistas podem posar com este tigre no zoo de Phuket, na ...
Pelo equivalente a 10 dólares, turistas podem posar com este tigre no zoo de Phuket, na Tailândia. O tigre fica preso por uma corrente curta e não consegue se levantar. Os tigres podem ter suas garras removidas ou até ser dopados para proteger as pessoas que se aproximam.
Foto de Kirsten Luce

Confira a reportagem completa na edição de junho da revista National Geographic Brasil.

Pouco depois de anoitecer, estou em um carro, que se arrasta debaixo de chuva pela estrada lamacenta, e passo por fileiras de elefantes agrilhoados balançando as trombas. Estive aqui cinco horas antes, com sol alto e escaldante  e turistas nas costas dos animais.

Agora a pé, quase não enxergo o caminho iluminado pela lanterna do celular. Quando um cercado me detém, aponto a lanterna para baixo e sigo o piso de concreto até topar com três grandes pés cinzentos. Um quarto pé paira acima da superfície, algemado a uma corrente curta e sufocado por uma argola com cravos de metal. Quando a elefanta se cansa e baixa o pé, os cravos espetam mais fundo seu tornozelo.

Meena tem 4 anos e 2 meses, uma criancinha elefante. Khammon Kongkhaw, seu mahout, ou tratador, já me contou que Meena está na corrente com cravos porque costuma dar coices. Kongkhaw tem sido o responsável por Meena aqui no campo Maetaman Elephant Adventure, próximo a Chiang Mai, norte da Tailândia, desde que ela estava com 11 meses. Diz que a mantém presa à corrente com cravos só durante o dia  e remove o instrumento à noite. Mas já é noite.

Pergunto a Jin Laoshen, o funcionário que me acompanha nessa visita noturna, por que ela continua acorrentada. Ele diz que não sabe.

O Maetaman é uma das muitas atrações animais em Chiang Mai e imediações, uma área lotada de turistas. As pessoas enxameiam para fora dos ônibus de excursão e sobem na tromba dos elefantes, e eles, espetados pelos mahouts com varas dotadas de um gancho de metal afiado na ponta, içam os turistas no ar enquanto as câmeras clicam. Visitantes empurram bananas na direção das trombas enquanto os tratadores  aguilhoam os elefantes – uma das espécies mais inteligentes do planeta – para que lancem dar-dos ou chutem enormes bolas de futebol ao som da música bombando nos alto-falantes.

Meena é um dos dez elefantes do Maetaman. Para ser exata, ela é pintora. Duas vezes por dia, diante de multidões de visitantes tagarelas, Kongkhaw põe um pincel na ponta da tromba de Meena e pressiona sua face com um prego de aço para direcionar as pinceladas enquanto ela arrasta cores primárias pelo papel. Ele costuma guiá-la para que pinte um elefante selvagem na savana. As pinturas são vendidas a turistas.

A vida de Meena deve seguir a mesma trajetória dos cerca de 3 800 elefantes cativos na  Tailândia e outros milhares em todo o Sudeste Asiático. Ela se apresentará em shows até mais ou menos os 10 anos de idade. Depois irá transportar turistas sentados em um banco preso às suas costas. Quando Meena estiver velha ou doente demais para carregar pessoas – talvez aos 55 anos, talvez aos 75 –, ela morrerá. Se tiver sorte, conseguirá alguns anos de aposentadoria.

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    Acorrentados, três ursos defrontam seu treinador, Grant Ibragimov, depois de um ensaio no Circo Estatal Bolshoi de São Petersburgo, na Rússia. Para fortalecer os filhotes o suficiente para que andem só com duas pernas, os treinadores podem mantê-los em pé, com correntes no pescoço.
    Foto de Kirsten Luce
    Gluay Hom, um elefante de quatro anos treinado para se apresentar aos turistas, está acorrentado a uma viga na Fazenda e Zoológico de Crocodilos de Samut Prakan, perto de Bangkok, Tailândia. Sua inchada pata dianteira direita o deixa manco. Na sua têmpora, há uma ferida ensanguentada por ficar deitado no chão.
    Foto de Kirsten Luce
    Turistas rodeiam um boto-cor-de-rosa, que salta para apanhar peixe oferecido pelo guia turístico no Rio Negro, no Amazonas. Muitos dos numerosos arranhões na pele do boto são de escaramuças com outros botos na competição por iscas.
    Foto de Kirsten Luce

    Atrações de fauna como as do Maetaman são um segmento lucrativo da próspera indústria do turismo global. O número de viagens ao exterior dobrou em relação há 15 anos, e esse salto ocorreu, em parte, graças aos turistas chineses.

    O turismo animal, ou de vida selvagem, não é novidade, mas agora as redes sociais alavancam esse ramo e põem os encontros com animais exóticos no topo daquelas listas do tipo “100 coisas a fazer antes de morrer”. Com um toque no celular, multidões de viajantes e influenciadores digitais compartilham suas selfies em atividades antes divulgadas apenas em guias de viagem. Suas selfies – nadando com golfinhos, ao lado de tigres, sobre elefantes – são propagandas virais.

    Mas toda a visibilidade das redes sociais não mostra o que acontece fora do alcance das lentes das câmeras. As pessoas que se empolgam por estar próximas de animais selvagens geralmente não sabem que muitos deles têm uma vida bem parecida com a de Meena – ou ainda pior.

    Um Macaca leonina faz uma pausa de um show na Escola de Macacos, um zoológico mambembe perto de Chiang Mai. Eles são treinados para andar de triciclo, lançar uma bola de basquete, girar uma sombrinha. Depois, eles são postos em gaiolas de metal de 1 metro quadrado.
    Foto de Kirsten Luce

    Saindo de Martaman, em cinco minutos de carro eu e a fotógrafa Kirsten Luce chegamos a uma propriedade anunciada em uma placa de madeira como “Ecovale dos Elefantes: onde os elefantes estão em boas mãos”. Aqui, ninguém passeia no lombo deles. Não há apresentações de pintura nem de outros tipos de “arte”. Os visitantes exploram um museu a céu aberto e aprendem sobre o animal nacional da Tailândia. Preparam quitutes de ervas para dar aos elefantes e fazem papel com o esterco deles.

    O livro de visitantes do Ecovale transborda em elogios de turistas que podem ver os animais livres e partir confortados por ter apoiado um estabelecimento que consideram ético. O que muitos não sabem é que os elefantes “felizes” do Ecovale são trazidos do vizinho Maetaman para passar o dia aqui – e que as duas atrações são da mesma empresa. 

    Uma família se diverte em sessão de fotos com elefantes juvenis em Lucky Beach, em Phuket. Muitos viajantes desconhecem o treinamento dos elefantes e consideram essas experiências pitorescas uma oportunidade especial. A Tailândia tem cerca de 3.800 elefantes cativos. Mais da metade é usada no turismo.
    Foto de Kirsten Luce

    Meena Kalamapijit, a dona do Maetaman e do Ecovale, diz que seus 56 elefantes são bem cuidados e que transportar pessoas e se exibir permitem a eles satisfazer sua necessidade de exercício. E afirma que o comportamento de Meena melhorou desde que seu mahout lhe pôs a corrente com cravos.

    Na Tailândia, Kirsten e eu também vemos homens americanos abraçarem tigres em Chiang Mai e chinesas em vestido de noiva montarem em jovens elefantes em Phuket. Vemos ursos-polares amordaçados com arame dançando no gelo na Rússia, e adolescentes tirando selfies com bebês preguiças no Rio Amazonas.

    A maioria dos turistas que se deleitam com tais encontros não sabe que os tigres adultos talvez tenham as garras arrancadas e estejam dopados. Ou que sempre há filhotes para afagarem porque os felinos têm sua reprodução acelerada artificialmente e as crias são tiradas da mãe dias depois de nascer. Ou que os elefantes transportam pessoas e fazem proezas sem ferir ninguém porque foram “domados” quando bebês e ensinados a temer a aguilhada. Ou que muitas das preguiças tiradas da Floresta Amazônica morrem semanas depois de ser postas em cativeiro.

    Turistas se divertem em um estabelecimento que oferece interação com animais selvagens em Puerto Alegría, pequena cidade peruana às margens do Rio Amazonas. Este tamanduá, alimentado, entre outras coisas, com iogurte aromatizado, é um dentre dezenas de bichos capturados na selva. Em dezembro, autoridades resgataram 22 animais na cidade. Não encontraram
    Foto de Kirsten Luce

    Conforme viajamos por três continentes, fazendo perguntas sobre como os animais são tratados e recebendo respostas que nem sempre fazem sentido, fica claro que o sofrimento dos animais é ocultado metodicamente. A economia desse ramo depende de as pessoas acreditarem que os animais que elas estão pagando para ver ou transportá-las também estão se divertindo.

    Dá certo, em parte, porque os turistas geralmente não pensam na possibilidade de estarem ajudando a prejudicar os animais. As redes sociais ampliam o equívoco: aplausos ingênuos de amigos e formadores de opinião legitimam atrações antes mesmo que um viajante chegue perto de um animal. O papel das redes sociais nesse problema vem sendo reconhecido. Em dezembro de 2017, depois de uma reportagem no site da National Geographic sobre o danoso turismo de vida selvagem na Amazônia peruana e brasileira, o Instagram introduziu uma funcionalidade: usuários que clicam ou buscam em dezenas de hashtags, por exemplo, #slothselfie e #tigercubselfie, agora veem na tela um pop-up avisando que o que está sendo mostrado pode ser prejudicial aos animais.

    Confira a reportagem completa na edição de junho da revista National Geographic Brasil.

     

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