Comércio de couro de elefante está aumentando de forma alarmante

Uso ilegal de pele de elefantes-asiáticos para a produção de joias e remédios tradicionais vem se expandindo drasticamente pelo Sudeste Asiático.

Por Dina Fine Maron
Publicado 20 de ago. de 2019, 12:19 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O comércio ilegal de peles de elefantes transformadas em contas decorativas e pós medicinais espalhou-se rapidamente ...
O comércio ilegal de peles de elefantes transformadas em contas decorativas e pós medicinais espalhou-se rapidamente desde a primeira denúncia do comércio feita por pesquisadores no ano passado.
Foto de Steve Winter, Nat Geo Image Collection

Era o cheiro que desencorajava os homens e mulheres encarregados de transformar a gordura subcutânea dos elefantes recém-abatidos em contas para joias na cor vermelho-rubi. Era um cheiro nocivo. Irritante. As fumaças eram de revirar o estômago, inaladas por trabalhadores na China que passavam horas fazendo a cura e, em seguida, o polimento de esferas translúcidas de gordura, que com frequência não mantinham a forma.

Um comerciante contou aos investigadores da Elephant Family, grupo conservacionista sediado em Londres, Inglaterra, que ele levava um dia inteiro para produzir uma única conta.

Havia também outro problema: as contas feitas de gordura não duravam muito. Quanto em contato com a pele humana, em volta do pescoço ou do pulso, as contas suavam.

Ainda assim, um relatório apresentado pela Elephant Family aponta que o comércio de pele de elefante — para a produção de pós e pílulas medicinais, além de joias — teve um aumento expressivo de 2018 para cá.

Naquela época, a Elephant Family e o Instituto Smithsoniano de Biologia e Conservação descreveram pela primeira vez o comércio de pele de elefante em dois relatórios separados. Eles observaram que os elefantes estavam sendo abatidos e despelados no Mianmar e que as peles eram vendidas em mercados abertos e em redes sociais na China.

Mas, agora, de acordo com o novo relatório, essa crescente indústria parece ter se estendido do Mianmar para um pedaço maior do Sudeste Asiático, abrangendo não só a China como também o Laos, o Vietnã e o Camboja. As contas são vendidas no Mianmar e na China, e os produtos da pele do animal utilizados na medicina tradicional são comercializados em todos os cinco países.

O relatório anterior da Elephant Family, publicado em abril de 2018, revelou que uma pessoa parecia estar por trás do comércio de joias, pelo menos, inicialmente. Esse comerciante, a quem chamavam "Jaz", fez uma publicação sobre joias num fórum de discussão online em 2014; ela "gerou 23 respostas que indicavam que o comércio de joias de pele de elefante era uma novidade e pouco conhecido", de acordo com o relatório. As joias de elefante são fabricadas no estilo dos tradicionais artigos colecionáveis chineses, conhecidos como wenwan. Mas exatamente quem as procura continua sendo um mistério.

As contas vermelho-rubi desse bracelete são feitas a partir da gordura subcutânea de elefantes recém-abatidos.
Foto de Elephant Family

O novo relatório observa que alguns comerciantes disseram que as peles de elefantes vinham de populações em cativeiro na região, e não das densas selvas de Mianmar. Os gerentes de uma loja de família dedicada à medicina tradicional afirmaram que as peles vinham de "zoológicos". Outro comerciante disse que as peles vinham de populações em cativeiro na China.

“Esse comércio, além de ser contínuo e crescente, está se espalhando geograficamente. É algo consistente”, diz Dave Augeri, biólogo e diretor de conservação na Elephant Family.

Para o relatório sobre o comércio de peles de elefante, a Elephant Family realizou entrevistas em cada país, coletou informações online e enviou investigadores à paisana, que tentavam adquirir produtos. Os investigadores conversaram com vendedores, fabricantes, caçadores e agentes de segurança pública. Eles utilizavam dialetos locais e coloquialismos para disfarçar as identidades, explica Augeri.

“Enalteço a Elephant Family por jogar os holofotes internacionais sobre a questão nesse relatório”, escreveu por e-mail Christy Williams, diretor nacional do World Wildlife Fund for Nature-Mianmar, que não participou do relatório. “O mais impressionante é exatamente o que prevíamos — que o comércio está se espalhando para outros países, o que é muito preocupante”.

Comércio mortal

No último mês de março, a equipe do Instituto Smithsoniano descreveu a taxa de mortalidade desse setor no periódico PLOS One: sete dos 19 elefantes com rastreadores que vinham sendo monitorados numa área montanhosa do Mianmar foram caçados após um ano da instalação dos colares com GPS. Quando foram investigar, os pesquisadores descobriram que pelo menos 19 elefantes — inclusive os sete com os colares de rastreamento por satélite — haviam morrido ou desaparecido numa área aproximada de 50 km2. Todas as mortes ocorreram em menos de dois anos, afirmaram. Além disso, outros 40 elefantes de áreas vizinhas em toda a região sul-central do Mianmar logo aumentariam esse registro.

Para obterem os produtos de pele de elefante, o alvo dos caçadores são os adultos e filhotes, sem distinção — um golpe na população de elefantes-asiáticos. Por não terem presas, esses animais têm mais chance de sobrevivência que os elefantes-africanos, caçados em números alarmantes para o mercado global de marfim (entre os elefantes-asiáticos, somente os machos podem ter presas, sendo que pouquíssimos deles efetivamente as desenvolvem).

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    Restam cerca de 50 mil elefantes-asiáticos na natureza, menos de um décimo do número estimado de elefantes-africanos. O número de elefantes não cativos no Mianmar é baixo — sobraram menos de 2 mil nas densas florestas do país. Ultimamente, as autoridades locais vêm reforçando as patrulhas para proteger esses últimos resistentes dos caçadores. De fato, a Elephant Family cita dados do governo de Mianmar de que um número menor de elefantes — 18 deles — foi abatido em 2018, uma redução de oito indivíduos em relação ao ano anterior.

    Contudo, afirma Augeri, “um declínio de um ano pode não indicar uma redução contínua”. Pode ser apenas temporário, e não sabemos se haverá um novo aumento, especialmente com o crescimento nas vendas online desses produtos.

    A exploração comercial de pele de elefante não é exatamente algo novo. O Traffic, grupo de monitoramento do comércio da vida selvagem, relatou que já em 2006 pequenas quantidades de pó de elefante, utilizado na pele humana para ajudar no tratamento de urticárias e outros problemas, eram vendidas abertamente em mercados de Mong La, município de Mianmar na fronteira com a China. Mas o comércio se intensificou de 2014 para cá, quando as joias feitas a partir da pele do elefante chegaram ao mercado.

    A Elephant Family explica que os elefantes procurados pelo comércio de peles costumam ser abatidos com flechas envenenadas, sofrendo uma morte lenta e dolorosa, conforme a substância fatal — provavelmente feita de pesticidas ou plantas — se espalha pelo organismo e leva o animal moribundo a procurar água de forma desesperada. As carcaças costumam ser encontradas nas proximidades ou dentro d'água (o que pode contaminar o abastecimento dos vilarejos).

    Os comerciantes de pele de elefante atuantes no comércio de pós ou joias parecem ter transferido quase todas as mercadorias para plataformas online, em parte talvez pelo endurecimento das autoridades chinesas e pelo maior cuidado da parte dos vendedores, diz a Elephant Family. Os investigadores do grupo foram informados que houve batidas policiais na China em seis meses da publicação do primeiro relatório e que os lojistas não tinham produtos de pele de elefante em estoque ou então não queriam mostrá-los a compradores desconhecidos.

    A investigação da Elephant Family encontrou pelo menos cem comerciantes de pele de elefante online — entre fornecedores, fabricantes de contas e produtores de pó de pele de elefante —, que fazem propaganda em 27 fóruns por meio de mais de 200 contas.

    Os pesquisadores descobriram ainda que os vendedores deixaram de concentrar seus esforços promocionais somente nas plataformas online populares na China, como o WeChat e o Baidu, e os expandiram para grupos do Facebook conectados ao Laos, a Taiwan, à Malásia e a Mianmar, diz Augeri.

    Pó de elefante com pangolim

    O comércio de pó parece ser muito maior que o de joias, em parte pelo fato de ser mais fácil evitar que seja encontrado que as contas, diz Augeri. "Sempre há a possibilidade de alegar que o pó é feito de uma espécie legalizada", como de determinadas plantas.

    O trabalho à paisana da Elephant Family também descobriu que os vendedores de medicina tradicional começaram recentemente a comercializar pó de pele de elefante que dizem ser misturado com pó feito de escamas de pangolim — uma tendência preocupante, se confirmada, uma vez que já se acredita que os pangolins sejam o mamífero não humano mais traficado do mundo. É possível que milhões de pangolins sejam abatidos todos os anos.

    O relatório menciona que uma das lojas vendia pílulas compostas principalmente de pele de elefante, mas também de escamas de pangolim, com o rótulo de "receita antiga indicada para indisposições estomacais". Um investigador viu um cliente entrar e comprar um pouco (a Elephant Family não testou as substâncias para verificar que animais teriam sido usados na mistura).

    Williams diz que, até agora, o World Wildlife Fund for Nature-Mianmar não observou a mesma tendência. “Vimos evidências de pó de pangolim, mas ainda não vimos mistura de pangolim com pele de elefante”.

    As descobertas da Elephant Family antecipam-se à Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e da Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), conferência que terá início em 17 de agosto, em Genebra, Suíça. Lá, o status atual do elefante-africano será um grande ponto de discussão entre as 183 partes signatárias do tratado, no qual os países consideram diversas propostas que podem afetar o nível de permissividade sobre as vendas de marfim. Ainda não foram enviadas propostas relacionadas especificamente ao comércio de pele; contudo está na pauta uma discussão mais ampla sobre a ameaça do comércio ilegal de partes de elefantes-asiáticos — inclusive a pele. Mesmo assim, diz William, "esse relatório atrairá a atenção internacional para a questão. A partir de agora, precisamos garantir que haja uma proposta específica para a ameaça do comércio de pele".

    Ele teme que até lá o comércio de contas feitas de gordura de elefante — mesmo com uma rápida queda —, além das peças feitas de pele e dos pós medicinais tradicionais, continue a crescer.

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