Porcos são vistos usando ferramentas pela primeira vez

Observações podem sinalizar habilidade cognitiva nunca antes detectada em suínos, conhecidos pela sua inteligência.

Por Christine Dell'Amore
Publicado 8 de out. de 2019, 17:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Existem apenas cerca de 300 porcos da espécie Sus cebifrons em cativeiro (na foto, um animal ...
Existem apenas cerca de 300 porcos da espécie Sus cebifrons em cativeiro (na foto, um animal no zoológico de Minnesota). Sua população selvagem é desconhecida.
Foto de Joël Sartore, National Geographic Photo Ark

Em um dia de outubro de 2015, a ecologista Meredith Root-Bernstein estava observando uma família de porcos raros em um zoológico parisiense quando algo chamou sua atenção.

Um dos porcos da espécie Sus cebifrons, gravemente ameaçada de extinção e nativa das Filipinas, abocanhou um pedaço de casca de árvore e a utilizou para cavar, revirando o solo. “Isso é demais", diz Root-Bernstein, pesquisadora que estava visitando o Museu do Homem, em Paris, e Exploradora da National Geographic. “Quando pesquisei sobre o uso de ferramentas em porcos, não havia nenhuma informação”.

Intrigada, a cientista voltou ao zoológico no Jardin des Plantes com frequência nos meses seguintes na tentativa de observar o comportamento novamente, sem sucesso. Ela supôs que a sua observação estivesse relacionada à construção de ninhos, atividade que os porcos da espécie Sus cebifrons geralmente realizam a cada seis meses em preparação à chegada dos leitões. Como era de se esperar, na primavera seguinte, um colega voltou ao recinto daqueles porcos e registrou três dos quatro animais usando ferramentas para construir seus ninhos, um buraco na terra repleto de folhas.

Embora diversas espécies selvagens usem ferramentas, como chimpanzés, corvos e golfinhos, não existe nenhum relato desse fenômeno em porcos, incluindo as 17 espécies de porcos selvagens e domésticos. Isso surpreendeu Root-Bernstein, especialmente considerando a inteligência já conhecida da família Suidae.

Mas devido ao fato de os porcos selvagens serem pouco estudados e por estarem, na maioria dos casos, ameaçados ou gravemente ameaçados de extinção, é possível que os olhos humanos tenham deixado de notar essa inovação, diz Root-Bernstein, cujo estudo foi publicado em setembro na revista científica Mammalian Biology.

Ela diz que o uso de ferramentas é especialmente fascinante de estudar por ser uma característica compartilhada com os seres humanos e porque pode indicar uma história evolutiva comum. “Isso nos aproxima dos animais”, diz ela, “e nos ajuda a perceber que tudo está conectado.”

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    Sequência de eventos

    Para a pesquisa, Root-Bernstein e alguns colegas filmaram os pais e seus dois filhotes usando ferramentas quatro vezes em 2016 e outras sete em 2017. Acreditando que os porcos poderiam preferir ferramentas mais fáceis de usar, a equipe também adicionou quatro espátulas de cozinha ao recinto, embora isso tenha resultado na utilização de apenas uma espátula em duas ocasiões.

    A equipe percebeu que os animais — principalmente a mamãe Priscilla — sempre utilizam ferramentas durante o processo de construção dos ninhos. Segundo Root-Bernstein, essa consistência na sequência, combinada com o fato de as ferramentas utilizadas pelos porcos conseguirem fisicamente mover o solo, atende à definição científica de uso de ferramenta: “Exercer controle sobre um objeto externo livremente manipulável (a ferramenta) com o objetivo de (1) alterar as propriedades físicas de outro objeto, substância, superfície ou meio ... por meio de uma interação mecânica dinâmica, ou (2) mediar o fluxo de informação.”

    Os cientistas suspeitam que Priscilla possa ter aprendido a usar a ferramenta por conta própria e tenha transmitido esse conhecimento ao seu parceiro e filhotes.

    Root-Bernstein reconhece que seu conjunto de dados é pequeno e que o comportamento ocorreu em cativeiro, o que pode fazer com que os animais ajam de maneira diferente em comparação ao habitat natural. Ela observa, no entanto, que a maioria dos comportamentos induzidos por cativeiro são marcados por repetições frequentes, como andar de um lado para o outro, mas que o uso de ferramenta era infrequente e ocorria apenas dentro do contexto específico de construção de ninhos.

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    'A coisa certa a ser feita'

    É muito provável que os porcos selvagens da espécie Sus cebifrons também usem ferramentas, acrescenta ela. Fernando “Dino” Gutierrez, presidente da Talarak Foundation, Inc., organização de conservação sem fins lucrativos das Filipinas, que trabalha na proteção de porcos dessa espécie, concorda.

    Alguns anos atrás, Gutierrez testemunhou um grupo de porcos selvagens da espécie Sus cebifrons empurrar pedras em direção a uma cerca elétrica para testá-la. “Assim que eles empurravam as pedras e elas encostavam na cerca, eles aguardavam o som do clique ou a ausência dele”, disse ele por e-mail. “O som significava que os fios estavam energizados, então eles se afastavam e não cruzavam a cerca. A ausência de som significava que era seguro investigar o que havia além dos fios”.

    Eles são uns “pestinhas inteligentes”, afirma ele.

    Rafael Reyna-Hurtado, Explorador da National Geographic e ecologista da vida selvagem que estuda o porco-africano-gigante-da-floresta, observa o reduzido tamanho da amostra e o ambiente cativo do estudo, mas disse que os resultados devem motivar cientistas que estudam porcos selvagens, inclusive ele próprio, a buscarem pelo uso de ferramentas.

    Em Uganda, por exemplo, Reyna observou porcos-da-floresta — o maior porco do mundo — usarem o focinho para remover detritos do solo antes de se deitarem para dormir ou descansar, embora não tenha observado os animais usarem ferramentas.

    Para Root-Bernstein, muitas perguntas ainda necessitam de resposta: por que se preocupar em usar uma ferramenta se o focinho é igualmente eficiente? A resposta mais provável é que não há uma explicação funcional clara, assim como o fato de os chimpanzés darem as mãos durante atividades de catação, deixando o catador com apenas uma mão livre.

    “As coisas que aprendemos e as coisas culturais funcionam dessa maneira”, diz Root-Bernstein. “Talvez, isso pareça a coisa certa a ser feita”, acrescenta ela.

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