Raríssimo cervo-rato avistado após desaparecer por uma geração
Grupo de chevrotains-de-dorso-prateado, pequenas criaturas semelhantes a cervos, foi fotografado em floresta vietnamita.
Desaparecida por uma geração — e tida como extinta — uma espécie que se assemelha a um cervo com pequenas presas foi fotografada andando na ponta dos pés em uma floresta de planície seca no sul do Vietnã. O último registro científico conhecido do animal, o chevrotain-de-dorso-prateado (Tragulus versicolor), data de 1990, quando um caçador matou um e doou o espécime aos cientistas.
“É uma espécie muito bacana e faz tempo que procurávamos provas de sua existência”, afirma Andrew Tilker, biólogo especializado em animais silvestres do sudeste asiático, que trabalha na Global Wildlife Conservation, grupo ambientalista, e aluno de doutorado do Instituto Leibniz de Pesquisa sobre Animais em Zoológico e Animais Silvestres, na Alemanha.
O chevrotain-de-dorso-prateado, também conhecido como cervo-rato-do-vietnã, é do tamanho de um coelho grande e possui um brilho prateado na parte posterior do corpo. O animal possui incisivos semelhantes a presas, visíveis nas fotografias recentes. Como os chevrotains não possuem chifres ou galhadas e as presas são especialmente longas nos machos, os cientistas acreditam que os machos as utilizam para competir por território e parceiras.
Os pesquisadores responsáveis pela descoberta, descrita em um estudo publicado em novembro na revista científica Nature Ecology & Evolution, afirmam que têm esperança de que a descoberta ajude a proteger a espécie, ameaçada principalmente pelo uso de armadilhas de caça. O método empregado pelos pesquisadores para encontrar o animal também pode ajudar a encontrar outras espécies “perdidas”, afirmam eles.
Pergunte aos moradores
Tilker e seus colegas foram às florestas costeiras secas nas proximidades da cidade praiana de Nha Trang, localizada ao sul, onde, em 1910, foram coletados os únicos outros espécimes científicos encontrados. As armadilhas fotográficas nas florestas tropicais úmidas do Vietnã nunca registraram um avistamento; portanto, esses animais devem preferir habitats com vegetação espinhosa e clima seco.
“Embora esse tipo de mata não seja comum, há regiões do Vietnã que se assemelham ao Texas, meu estado natal”, afirma Tilker.
Os pontos exatos dos avistamentos de 1910 não foram registrados com precisão e, por isso, os pesquisadores visitaram comunidades da região para conversar com caçadores locais e especialistas em florestas para descobrir se haviam visto chevrotains-de-dorso-prateado (existe outro chevrotain da espécie Tragulus kanchil que é bastante comum, mas não possui a porção posterior prateada).
A caça ilegal com armadilhas é abundante em todo o Vietnã, portanto, não foram fáceis essas conversas. Os cientistas tiveram que dedicar algum tempo para conhecer os moradores e ganhar sua confiança, conta An Nguyen, também da Global Wildlife Conservation, que liderou a expedição.
“No entanto as pessoas ficaram muito preocupadas com a quantidade de animais silvestres desaparecidos nos últimos cinco a dez anos”, prossegue Nguyen. “Elas sabem que é por causa da caça excessiva e do uso de armadilhas.”
Os moradores acabaram levando Nguyen e outros membros da expedição para lugares na floresta onde recentemente tinham avistado o que lhes parecia ser o chevrotain “perdido”. Após a instalação de armadilhas fotográficas entre novembro de 2017 e julho de 2018, foram obtidas fotos de 280 diferentes indivíduos de chevrotains-de-dorso-prateado, embora algumas possam ter sido avistamentos repetidos, gerando incerteza sobre o tamanho da população que vive na região.
“Fiquei muito satisfeito quando verificamos as armadilhas fotográficas e encontramos as fotos de um chevrotain com flancos prateados”, disse ele.
Além do chevrotain-de-dorso-prateado, a caça ilegal com armadilhas levou outras espécies endêmicas semelhantes a cervos à beira da extinção, como o saola (Pseudoryx nghetinhensis) e o muntico-gigante (Muntiacus vuquangensis).
Essa caça ilegal ou clandestina é alimentada pela demanda pela carne de animais exóticos no leste da Ásia — e levou ao desaparecimento de animais em habitats intactos no Vietnã. Esse dilema é conhecido como “síndrome da floresta vazia” porque as armadilhas podem capturar e matar indiscriminadamente quase tudo que pisa no chão da floresta.
Não desista
Sabe-se muito pouco sobre o chevrotain-de-dorso-prateado, apesar do novo estudo. Com base nas fotografias e vídeos, parecem ter hábitos solitários, alimentando-se de frutas e vegetais durante o dia.
“Caminham na ponta dos cascos, com aquelas perninhas magras, e de modo bastante apreensivo”, afirma Tilker.
Existem nove espécies de chevrotain no sul e no sudeste da Ásia e uma espécie na África central. Chevrotains são os menores ungulados do mundo.
A seguir, os cientistas planejam colocar armadilhas fotográficas em outra região de floresta seca do Vietnã. Eles esperam realizar, em algum momento, o primeiro levantamento abrangente da espécie para avaliar o tamanho e a distribuição da população.
Os pesquisadores ainda não sabem ao certo quantos chevrotains-de-dorso-prateado restam ou onde exatamente vivem; seu status de conservação permanece “com dados insuficientes” devido à falta de estudos. Se forem identificados um ou dois locais com populações estáveis e consideráveis, será possível implementar medidas de proteção, como educação da população local e patrulhas contra a caça ilegal, afirma Tilker.
A sobrevivência da espécie em longo prazo depende de uma redução nas armadilhas e na caça ilegal. Embora o Vietnã leve isso muito a sério, é um problema difícil de resolver, lamenta Tilker.
“A redescoberta do chevrotain-de-dorso-prateado oferece grande esperança, no Vietnã, para a conservação da biodiversidade, sobretudo de espécies ameaçadas”, disse Hoang Minh Duc, chefe do Departamento de Zoologia do Instituto de Ecologia do Sul. A redescoberta incentivará o Vietnã, juntamente com parceiros internacionais, a procurar outras espécies e a dedicar esforços adicionais à conservação da biodiversidade do país, conta ele.
O chevrotain-de-dorso-prateado é o primeiro mamífero redescoberto no âmbito do programa Busca por Espécies Desaparecidas da Global Wildlife Conservation. Essa iniciativa busca encontrar cerca de 1,2 mil espécies da flora e da fauna desaparecidas para a ciência — e tomar medidas para protegê-las. Muitas dessas espécies não são chamativas ou carismáticas, afirma Tilker, e precisam da atenção de alguém.
“Não devemos desistir delas só porque não as vemos há muito tempo”, afirma ele.