Comércio ilegal de pangolins aumenta com a expansão de redes criminosas

Antes concentradas no marfim, as atividades de contrabandistas estão se voltando cada vez mais para esses cobiçados animais.

Por Rachel Nuwer
Publicado 28 de fev. de 2020, 07:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Esses sacos representam uma pequena parcela das remessas ilegais de nove toneladas de escamas de pangolim ...
Esses sacos representam uma pequena parcela das remessas ilegais de nove toneladas de escamas de pangolim despachadas da Nigéria e apreendidas pela alfândega de Hong Kong em janeiro de 2019. Entre 2016 e 2019, mais da metade das escamas de pangolins apreendidas eram provenientes da Nigéria.
Foto de Anthony Wallace, AFP, Getty

Os pangolins servem, há muito tempo, como alimento e remédio da medicina tradicional chinesa para populações na África e na Ásia. Recentemente, no entanto, a demanda por escamas de pangolim — utilizadas principalmente na China e no Vietnã para tratar uma variedade de males — cresceu a tal ponto de confundir os limites geográficos. Vastas quantidades deles agora são contrabandeadas da África para a Ásia, apesar da proibição do comércio internacional de todas as oito espécies de pangolins que entrou em vigor em 2017.

Novo relatório confirma que esse comércio ilegal não para de crescer — e que redes criminosas internacionais organizadas, que antes vendiam predominantemente marfim de elefante africano, estão se voltando cada vez mais para os pangolins.

“O tráfico dos pangolins é gigantesco se comparado ao passado”, afirma Sarah Stoner, diretora de inteligência da Comissão de Justiça de Animais Silvestres, fundação internacional que busca refrear e desmantelar o comércio ilegal de animais silvestres, e principal autora do relatório. “Está em um grau completamente diferente.”

Os pangolins viraram manchete nos últimos dias depois que pesquisadores da Universidade Agrícola do Sul da China afirmaram que o pangolim poderia ser hospedeiro intermediário do novo coronavírus. Eles não publicaram suas conclusões e o pangolim não foi confirmado como vetor de transmissão do vírus para os seres humanos. É, entretanto, uma teoria plausível e que coloca em xeque cada vez mais o consumo de pangolins na China e no Vietnã e o intenso comércio ilegal da espécie.

Mulher vietnamita consulta um praticante da medicina tradicional chinesa sobre o uso de escamas de pangolim.
Foto de Brent Stirton, Nat Geo Image Collection

Entre 2016 e 2019, Stoner e seus colegas analisaram informações públicas, como reportagens, em busca de relatos de apreensões de escamas de pangolim em portos e aeroportos. Eles limitaram sua análise a apreensões com peso mínimo de 500 quilogramas porque é mais provável que remessas desse porte estejam ligadas ao crime organizado. Ao longo desses quatro anos, eles documentaram 52 desses casos que atendiam a esses critérios, representando mais de 228 toneladas de escamas de pangolim.

As espécies de pangolins apresentam variações de peso e tamanho e a maioria das remessas de escamas não estava identificada por espécie, por isso, os pesquisadores não conseguiram estimar quantos animais correspondem às 228 toneladas. Contudo, acreditam estar ao menos na ordem de dezenas de milhares. Quase dois terços das apreensões ocorreram nos últimos dois anos e seu peso médio apresentou um crescimento de 2,4 toneladas em 2016 para 6,8 toneladas em 2019.

Stoner ressalta que esses dados provavelmente refletem uma mera fração do comércio total. “A forma de coleta dessas informações é muito aleatória”, afirma ela. “Dependemos da ocorrência de uma apreensão, da revelação e divulgação pública da apreensão por um país, e da ausência de barreiras linguísticas”.

A equipe de Stoner também descobriu que as remessas que contêm marfim e escamas de pangolim dobraram em número e triplicaram em volume entre 2017 e 2018. Depois que a China proibiu o comércio nacional de marfim em 2018, o preço do marfim despencou e Stoner suspeita que os criminosos de animais silvestres, antes concentrados principalmente no marfim, agora atuam na exploração de escamas de pangolim para manter as margens de lucro. “Havia uma proporção maior de marfim e uma pequena quantidade de escamas de pangolim, mas isso mudou drasticamente”, afirma Stoner. “Agora há uma pequena quantidade de marfim e grandes quantidades de escamas de pangolim”.

A Comissão de Justiça de Animais Silvestres identificou 27 países e territórios como fontes, escalas de passagem ou destinos das remessas de escamas de pangolim. Seis países em particular respondem por 94% do contrabando total: China, Hong Kong, Vietnã, Singapura, Nigéria e República Democrática do Congo. Isto confirma constatações anteriores que indicam que, com a redução nas populações de pangolins asiáticos em razão da caça ilegal, os fornecimentos passaram a vir basicamente da África.

A equipe constatou que a Nigéria, em particular, se tornou um centro global de exportação de escamas de pangolim, respondendo por 55% das apreensões entre 2016 e 2019. A China era a principal compradora até 2018, quando o Vietnã assumiu a liderança. Os elos entre as redes criminosas na Nigéria e no Vietnã também parecem estar se estreitando com o surgimento de uma rota direta de tráfico entre os dois países pela primeira vez em maio de 2018, rota que persiste desde então.

“O comércio de animais silvestres é bastante global e dinâmico”, afirma Vincent Nijman, pesquisador de comércio de animais silvestres da Universidade Oxford Brookes, no Reino Unido, que não participou da elaboração do novo relatório. “A globalização implica que os parceiros comerciais podem estar no outro lado do mundo.”

Ele acrescenta que, até a redução da demanda por pangolins e suas partes (e enquanto houver lucro), os traficantes continuarão a encontrar maneiras de atender a essa demanda.

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    Uso medicinal?

    As partes e escamas de pangolim são ingredientes em quase 500 receitas da medicina tradicional chinesa, muitas das quais remontam a séculos. As escamas têm usos bastante variados, como tratamentos para anorexia, feridas, infecções de pele, infertilidade em mulheres e estimulação da lactação. As escamas de pangolim são compostas basicamente por queratina, a mesma substância que compõe nossos cabelos e unhas, e não existem evidências científicas confiáveis que comprovem sua eficácia. Contudo muitos continuam acreditando no seu uso e podem se beneficiar do efeito placebo.

    Segundo as conclusões da Comissão de Justiça de Animais Silvestres, o Vietnã é atualmente o maior receptador de escamas de pangolim. No Vietnã, é proibido matar, traficar, transportar, comercializar, armazenar ou vender pangolins, inclusive para uso medicinal. As penas variam, mas os infratores podem ficar sujeitos a até 15 anos de prisão ou multa de até US$ 645 mil.

    Na China, onde os pangolins também são estritamente protegidos, o governo permite que certas clínicas e hospitais vendam escamas de pangolins para fins medicinais. A partir de 2016, cerca de 200 empresas farmacêuticas chinesas também receberam autorização para produzir mais de 60 produtos contendo escamas de pangolim, segundo o banco de dados online do órgão de Administração de Alimentos e Medicamentos da China. As autoridades afirmam que as escamas para uso medicinal são distribuídas a partir de um estoque do governo, porém a China nunca esclareceu o tamanho do estoque do país ou sua proveniência.

    De acordo com relatórios da Comissão de Justiça de Animais Silvestres, é provável que o sistema medicinal esteja sendo utilizado para lavagem de escamas de pangolins africanas obtidas ilegalmente no mercado doméstico legalizado da China.

    101 pangolins são resgatados na Indonésia
    Uma estimativa de 2017 coloca o valor das escamas de um pangolim em aproximadamente 10 mil reais.

    Uma decisão anunciada em agosto passado pelo governo chinês pode reduzir a demanda por escamas de pangolim. Desde janeiro, o programa nacional de planos de saúde da China não cobre mais medicamentos que contenham produtos de pangolim. A China também adotou recentemente medidas para coibir o comércio ilegal de pangolins. Em dezembro passado, concluindo uma investigação com duração de um ano, as autoridades chinesas apreenderam uma remessa em Wenzhou, na província de Zhejiang, com mais de 25 toneladas de escamas de pangolim provenientes da Nigéria. Dezoito suspeitos foram detidos.

    “Essa investigação com recursos abundantes e conduzida em longo prazo pelas autoridades foi um exemplo perfeito de como resolver esse problema”, afirma Stoner. “A China acertou nessas medidas, mas é preciso mais, sobretudo em locais como Nigéria, Vietnã, Hong Kong e Singapura.”

    Agora, a ideia de que os pangolins possam ser vetores do atual surto de coronavírus talvez reduza ainda mais a demanda. “Seria uma reviravolta muito interessante, mas são necessários mais dados”, afirma Nijman. “E, se for verdade, vou torcer para que alivie a situação dos pangolins, em vez de piorá-la.”

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