Elefantes estão caindo em trincheiras em plantações de chá na Índia

Contudo, estão sendo cultivadas também plantações de chá que respeitam esses animais.

Por Rachel Fobar
Publicado 1 de fev. de 2020, 09:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Para elefantes adultos, as valas de drenagem nas fazendas de chá geralmente não representam um risco ...
Para elefantes adultos, as valas de drenagem nas fazendas de chá geralmente não representam um risco de morte, mas, se as trincheiras forem muito profundas, os filhotes podem tropeçar nelas e cair, ferindo-se e, às vezes, morrendo.
Foto de Niraj Mani Chourasia

É muito provável que você não pense no chá que toma pela manhã como um risco à segurança dos animais, mas suas folhas aromáticas podem machucar — e até mesmo causar a morte de — elefantes asiáticos que percorrem fazendas e plantações de chá indianas no estado de Assam, no nordeste do país.

O chá é a segunda bebida mais popular do mundo (após a água), e a produção na Índia — segundo maior produtor mundial, logo após a China — atingiu um recorde de 1,27 milhão de toneladas em 2016, segundo um relatório de 2018 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura.

Grande parte da área de cultivo do chá em Assam é plana, e como a água estagnada é prejudicial para os arbustos, os agricultores cavam trincheiras de drenagem para impedir que ela se acumule. As trincheiras são um problema para elefantes jovens, que podem cair nelas, quebrar as pernas ou se machucar e acabar separando-se de suas manadas.

Ou pior que isso. Kushal Konwar Sarma, veterinário e membro do Project Elephant, programa de preservação da vida selvagem subsidiado pelo governo, relata que, das cem mortes por causas não naturais dos animais todos os anos em Assam — de envenenamentos a eletrocussões —, entre oito e 10 resultam de quedas nas trincheiras das fazendas de chá.

Nas últimas duas décadas, veterinários do Wildlife Trust da Índia, organização de preservação da natureza, trataram 181 filhotes de elefantes por diversos problemas, incluindo 42 por ferimentos relacionados a trincheiras, no centro de reabilitação da organização na vila de Borjuri. De acordo com Ashraf Kunhunu, principal veterinário do centro, foi possível reintegrar apenas 18 elefantes às suas manadas. Aqueles que não retornam às suas famílias são criados em cativeiro e, em algum momento, se reabilitados, são devolvidos à natureza.

Os elefantes usam as fazendas de chá como pontos de referência enquanto se locomovem pelas florestas, e as fêmeas prenhas os utilizam como refúgios seguros para darem à luz.
Foto de Anku Boro

Acredita-se que as populações de elefantes-asiáticos, que estão ameaçadas de extinção e correm um risco maior que seus parentes africanos, tenham reduzido quase que pela metade nos últimos 75 anos, de acordo com a União Internacional para Conservação da Natureza, autoridade global dedicada ao status de conservação das espécies. A estimativa mais recente, de 2003, calcula a população de elefantes-asiáticos selvagens em cerca de 30 mil. Sarma acredita que Assam tenha aproximadamente 5,7 mil elefantes.

Para Lisa Mills, cofundadora do Elephant Friendly Tea, uma iniciativa que busca identificar consumidores e incentivá-los a optar por marcas que protegem os elefantes, as fazendas de chá são comuns em partes do estado onde vivem os animais. Os elefantes quase obrigatoriamente passam pelas trincheiras, diz Mills. “Pensei — parece que elas foram feitas para causar acidentes.”

Os elefantes usam as plantações de chá como pontos de referência enquanto se locomovem pelas florestas, explica Kunhunu. E, justamente por haver menos pessoas nas áreas de cultivo de chás, as fêmeas prenhas com frequência utilizam esses locais como refúgios seguros para darem à luz. Agora, seus filhotes podem correr risco de vida devido às trincheiras.

Kunhunu prevê que o problema das trincheiras só tende a piorar. Os agricultores cultivam cada vez mais chá, por ser menos trabalhoso do que cultivar arroz ou milho, e os animais selvagens, incluindo elefantes, não comem as plantas, não havendo a necessidade de instalar cercas caras. Ele diz que as fazendas de chá agora cercam o centro de reabilitação da vida selvagem por três lados. “Os números estão aumentando. A porcentagem de filhotes de elefante que estão sendo deslocados será ainda maior nos próximos anos”.

Elefantes são como tartarugas

Assim como uma tartaruga, um elefante que cai de costas não consegue se levantar. Os filhotes de elefantes que não estão acostumados com terrenos irregulares são particularmente vulneráveis às trincheiras, que têm cerca de meio metro de largura e um metro de profundidade, diz Kunhunu. Ele se lembra de um caso em que uma mãe acabou ficando presa enquanto tentava resgatar seu bebê, que lutava para sair de uma vala. O filhote sobreviveu, mas a sua mãe não.

As lesões sofridas podem impedir os filhotes de saírem das trincheiras. Quando as mães tentam resgatar seus bebês, especialmente durante a estação das monções, a lama espessa pode sufocar os animais encurralados, explica Mills. Sabe-se que os elefantes — criaturas sociais altamente inteligentes — lutam para não deixar seus companheiros doentes ou moribundos para trás, e uma manada pode permanecer na trincheira com um bebê ferido por horas, relutante em seguir em frente até que toda a esperança acabe, diz Matt Collis, diretor de política internacional do Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal, que ajuda a financiar o Wildlife Trust do centro de reabilitação da Índia.

É aí que Kunhunu e sua equipe entram em cena. Com pás e escavadeiras para limpar o solo, transportam elefantes feridos em macas para outros lugares. Ele conta que às vezes uma mãe ansiosa em vigília precisa ser tranquilizada. Se o bebê não estiver machucado e sua manada estiver próxima, os socorristas tentarão reuni-los, completa Kunhunu. Infelizmente são bem-sucedidos em apenas um em cada 11 casos.

Ele diz que, embora os elefantes retirados das trincheiras tenham mais chances de sobreviver do que aqueles abandonados por outras razões, a taxa de mortalidade dos filhotes resgatados supera os 50%. Alguns sucumbem a lesões ou doenças. Outros rejeitam a fórmula alimentar que recebem ou definham devido ao trauma de serem separados de sua manada.

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    Um novo programa de certificação para produtores de chá em Assam exige que as trincheiras de drenagem sejam seguras para filhotes de elefantes, além de outras medidas a serem adotadas para ajudar a proteger os elefantes que ainda restam no estado.
    Foto de Anku Boro

    O poder de compra em favor dos elefantes

    “A comunidade local tem o futuro da vida selvagem nas mãos”, diz Julie Stein, cofundadora do Elephant Friendly Tea com Lisa Mills. “As mesmas comunidades com as quais trabalhamos são aquelas que, caso contrário, poderiam recorrer à caça ilegal... A longo prazo, o que buscamos é valorizar a vida selvagem enquanto ela ainda está viva, e não depois de morta para ser vendida. “O objetivo do programa de certificação da organização é recompensar os produtores de chá que estão atuando da maneira correta, acrescenta Mills.

    Os padrões da Elephant Friendly exigem que as trincheiras de drenagem “sejam anguladas, escalonadas ou graduais para permitir que elefantes, incluindo os filhotes, cruzem ou acessem a água com segurança” ou “transpostas por grades, bueiros, tubos de drenagem” que não prendam ou machuquem os animais. Os padrões também abordam outros perigos, como o envenenamento por pesticidas e herbicidas, cercas elétricas, arame farpado e encontros entre elefantes e humanos. Os cabos de energia, por exemplo, devem ser subterrâneos ou altos o suficiente para que os elefantes possam passar por baixo deles, e os pesticidas não podem ser usados a menos de cinco metros de uma fonte de água permanente.

    O Elephant Friendly Tea também exige um plano por escrito para gerenciar os conflitos com elefantes, incluindo um mapa do local, instalações para a passagem segura de elefantes e diretrizes para os funcionários. As possíveis medidas de segurança incluem o uso de lanternas e sinais sonoros para conter os elefantes, além de alertas telefônicos que notifiquem a vizinhança acerca da presença de um elefante. Segundo Mills, essas estratégias são especialmente importantes na região produtora de chá na fronteira entre Assam e Butão, onde uma maior concentração de elefantes leva a confrontos perigosos com as pessoas.

    Até o momento, apenas pequenas marcas de chá especiais foram certificadas, diz Mills. A certificação que respeita os elefantes “certamente ainda não é um senso comum”, acrescenta Stein, mas a conscientização está crescendo e os produtores maiores estão demonstrando interesse. A certificação pode reforçar as estratégias de marketing direcionadas aos consumidores com um forte interesse no bem-estar e na preservação dos animais.

    Se as pessoas conhecessem mais sobre os riscos que o chá pode representar para os elefantes, ela diz que “usariam seu poder de compra” para apoiar as marcas que os protegem. “Se o mercado que vende produtos orgânicos no bairro tiver essas opções à venda, ou até mesmo as lojas de atacado local, a maioria das pessoas se sentiria motivada a comprar marcas que apoiam a vida selvagem, caso os outros produtos oferecidos sejam os mesmos”.

    Tenzing Bodosa, um plantador de chá do distrito de Udalguri, em Assam, foi o primeiro a receber a certificação da Elephant Friendly Tea, há uns quatro anos. Ele nunca usa herbicidas ou pesticidas, muito menos trincheiras (seu chá cresce nas montanhas, onde a drenagem ocorre naturalmente). Bodosa cultiva uma variedade de plantas para que os elefantes e outros animais possam delas desfrutar, incluindo mangas, jacas, goiabas e bambu. “De que vale ser egoísta?” questiona. Construiu uma barragem que coleta água para seus amigos elefantes beberem e uma casa na árvore para que as pessoas possam observar com segurança, do alto, esses e outros animais selvagens.

    “Quando os vejo, fico feliz por estarem em minha fazenda”, diz Bodosa. “Sinto que estão aproveitando a vida”.

    Embora os elefantes às vezes esmaguem suas plantações, isso não o incomoda. Para Bodosa, o cultivo de chá não se trata apenas de ganhar dinheiro. “Não quero ser um grande empresário”, explica. “Eu amo os animais, então quero fazer minha parte — retribuindo à natureza. Não quero explorá-la sem limites”.

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