Tráfico de onças-pintadas pode estar associado a investimento chinês na América do Sul

Novas pesquisas mostram o que está impulsionando o comércio ilegal de partes dos felinos.

Por Rachael Bale
Publicado 17 de jun. de 2020, 17:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Onça-pintada à espreita na margem de um rio no Pantanal, no Mato Grosso do Sul. Segundo ...

Onça-pintada à espreita na margem de um rio no Pantanal, no Mato Grosso do Sul. Segundo novo estudo, aumenta o contrabando internacional de onças-pintadas em países da América Central e América do Sul, como o Brasil, que receberam uma grande quantidade de investimento chinês.

Foto de Steve Winter, Nat Geo Image Collection

O comércio ilegal de onças-pintadas está em crescimento e provavelmente está associado ao aumento do investimento chinês na América Central e América do Sul, segundo novo estudo. Onças-pintadas já são classificadas como quase ameaçadas de extinção e um dos motivos é que são mortas por pecuaristas em retaliação por atacarem o gado. Outra importante causa é o desmatamento: os animais perderam 50% de seu habitat histórico. Agora, o comércio internacional ilegal de partes de onça-pintada está acelerando ainda mais o declínio das populações, com estimativa aproximada de 173 mil indivíduos.

Artigo publicado no periódico Conservation Biology apurou que, entre 2012 e o início de 2018, na América Central e América do Sul, mais de 800 onças foram mortas para o contrabando de seus dentes, peles e crânios para a China. Esse número representa apenas as remessas interceptadas pelas autoridades e divulgadas na imprensa.

“Estávamos cientes da existência do comércio ilegal, mas não necessariamente de sua expansão”, afirma Thais Morcatty, autora principal do estudo e doutoranda da Universidade Oxford Brookes, na Inglaterra. “É bastante preocupante.”

Um guarda florestal do Parque Nacional Madidi da Bolívia mostra dentes de onça apreendidos de um visitante chinês em 2017.

Foto de Christian Rodriguez, Nat Geo Image Collection

Morcatty e seus colegas compilaram e analisaram relatos de contrabando de onça-pintada, onça-parda e jaguatirica para a China para tentar entender o que está impulsionando o comércio ilegal, cujo aumento é relativamente recente. Suas descobertas confirmam o que os conservacionistas há muito supõem: o contrabando de onças-pintadas não se deve tanto às comunidades chinesas estabelecidas há muito tempo na América Central e América do Sul, mas é causado sobretudo pela imigração recente de trabalhadores chineses para apoiar megaprojetos, como novas estradas e barragens. O investimento chinês na região aumentou dez vezes na última década, destaca o estudo.

“Esses países têm fortes laços com a China, o que, aliado a uma fiscalização precária e aos elevados níveis de corrupção, é a receita certa para o aumento no comércio ilegal de animais silvestres”, afirma Vincent Njiman, coautor do estudo, antropólogo especializado no comércio de animais silvestres. Sua pesquisa descobriu que o Brasil, a Bolívia e o Peru eram países que se encaixavam nessa descrição.

Os pesquisadores fizeram um bom trabalho examinando e testando essas correlações, afirma Esteban Payan, biólogo, diretor do Programa Onça-Pintada da América do Sul da Panthera, autoridade em conservação de felinos selvagens. “Precisamos de todas as informações possíveis”, afirma ele. “Essas informações fundamentarão as políticas e o manejo” das onças-pintadas.

As onças-pintadas estão substituindo os tigres?

Quando os conservacionistas tomaram conhecimento do aumento da caça ilegal de onças-pintadas por volta de 2010, ficaram preocupados com o aumento da popularidade das partes de onças na China como substitutas dos tigres, cada vez mais escassos.

Tigres são comercializados há bastante tempo na China e, embora existam propriedades que os criam em cativeiro para o abate, os tigres selvagens permanecem mais valiosos porque são considerados mais raros e potentes. Ossos de tigre são utilizados para fazer vinho de osso de tigre, que se acredita transmitir o poder do tigre a quem bebe. Suas carcaças são utilizadas para fazer uma pomada na medicina tradicional chinesa chamada cola ou pomada de osso de tigre. As peles são utilizadas em móveis, vestuário e acessórios. Os caninos são utilizados em joias e aqueles que as utilizam ostentam sua riqueza e poder em conseguir algo tão raro e cheio de tabu.

O novo estudo descobriu que dentes de onça-pintada são as partes mais apreendidas com destino à China. Registros indicam que quase dois mil foram interceptados pela polícia entre 2012 e o início de 2018. O artigo conclui que as onças-pintadas, portanto, não são necessariamente um substituto para os tigres, pois, se fossem, haveria muito mais ossos de onça no comércio — um padrão observado com esqueletos de leão provenientes da África do Sul, por exemplo.

Payan e Pauline Verheij, especialista em crimes envolvendo animais silvestres que estudou o comércio de onças-pintadas, têm reservas quanto a tirar conclusões tão taxativas apenas baseadas nos dados das apreensões. “Os dados fornecem um retrato incompleto”, afirma Verheij.

Por exemplo, as autoridades policiais da América do Sul e da América Central “tradicionalmente se concentram na busca de armas de fogo e narcóticos”, afirma Payan, então é provável que muitos produtos ilegais de animais silvestres passem despercebidos, como produtos à base de ossos e peles, que poderiam confirmar a hipótese de que as partes de onça-pintada servem como substitutas para as de tigre. “Todo esse fenômeno está nos obrigando a treinar a alfândega para examinar atentamente partes de animais”.

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    Na América do Sul, dentes e peles de onça-pintada, como esta exibida em um mercado em Iquitos, no Peru, são vendidos há muito tempo a turistas. Ficou claro, no entanto, que o comércio expandiu para além deles.

    Foto de Steve Winter, Nat Geo Image Collection

    Outros pesquisadores encontraram evidências que sugerem que as partes de onça-pintada estão desempenhando o mesmo papel que as partes de tigre, como o contrabando de pomada de osso de onça-pintada do Suriname. E Payan afirma que diversos oficiais da alfândega lhe contaram que detiveram chinesas tentando embarcar em voos internacionais com ossos em pó disfarçados de leite em pó.

    Contudo pouco se sabe sobre o que acontece com os produtos ao chegar à China. “É algo a ser estudado”, afirma Morcatty. Sua pesquisa sobre o comércio está em andamento e ela acredita que poderá analisar dados econômicos e assim obter informações sobre o consumidor do negócio.

    ‘Está chegando mais’

    É provável que o investimento chinês na América Latina continue a crescer e, por isso, os autores do artigo afirmam que este é o momento de proteger as onças-pintadas antes da escalada do comércio.

    “Se você sabe o que está por vir, pode tomar as medidas adequadas”, afirma Njiman. As onças-pintadas “provavelmente são apenas a entrada do prato principal. Está chegando mais”.

    Ele e Morcatty também deixam claro que as descobertas do estudo envolvem apenas uma parcela muito pequena do povo chinês e consideram fundamental a cooperação entre o governo chinês e os governos da América Latina para coibir o comércio ilegal.

    Combater a corrupção, reduzir a demanda entre os chineses que compram produtos de onça-pintada e aliviar a pobreza nas comunidades que vivem próximas às onças-pintadas também são fatores importantes, afirma Payan.

    “Se temos algo a aprender com o declínio histórico dos tigres é que será uma guerra muito difícil”, lamenta ele. Já existem redes consolidadas de tráfico de drogas na América Latina, prossegue ele. “Que diferença faria para elas encher mais um contêiner com ossos?”

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