Jacarés são péssimos bichos de estimação: “é como cuidar de um dinossauro”
O aumento de casos de abandono desses répteis nos EUA preocupa os especialistas.
Autoridades do Novo México apreenderam esse jacaré-americano de mais de dois metros (observado na imagem em seu novo lar, o zoológico do ABQ BioPark, Parque Biológico de Albuquerque) em uma residência privada, onde foi mantido ilegalmente por uma década.
Havia algo incomum à espreita no riacho Wildcat Creek, em Manhattan, Kansas, EUA, uma pequena cidade universitária nas pradarias. Em junho, moradores da cidade avistaram dois jacarés-americanos nadando em um corpo d’água conhecido pela presença de répteis, cobras e tartarugas-pintadas.
Investigações posteriores revelaram que um ladrão — ainda foragido — havia roubado os jacarés de uma loja de animais na região e em seguida soltou os animais no riacho. As equipes de resgate montaram armadilhas não cruéis para capturar os animais, mas a fêmea, Pebbles, morreu após cair na água dentro de uma dessas armadilhas. O macho, Beauregard, conseguiu escapar, mas no fim de julho um operário de obras o capturou e devolveu aos seus donos da loja Manhattan Reptile World, segundo sua página do Facebook.
Os dois jacarés, que estavam no Manhattan Reptile World sob uma licença do zoológico do estado, eram mantidos ilegalmente como bichos de estimação antes de serem resgatados pelo zoológico. Um deles vivia em uma piscina em Manhattan e o outro em uma banheira em Kansas City, segundo comunicado à imprensa.
Os especialistas afirmam que o incidente — sobretudo a morte prematura da fêmea — confirma o controverso e ainda desconhecido fenômeno de criar como bichos de estimação jacarés-americanos, nativos do sudeste dos Estados Unidos.
Os jacarés-americanos já estiveram em risco de extinção e a população chegou ao seu menor número na década de 1950 devido à caça predatória e perda de habitat, mas iniciativas de conservação conseguiram recuperar as populações das espécies em meados da década de 1980. Pesando cerca de 450 quilos, esses gigantes vivem em brejos, rios, lagos e pântanos, alimentando-se principalmente de peixes, tartarugas, cobras e pequenos mamíferos.
Não há números oficiais dos jacarés-americanos mantidos como animais de estimação, mas alguns estados possuem estimativas.
Nos últimos anos, autoridades da vida selvagem em todo o país notaram um aumento no abandono de jacarés em parques, riachos e outros locais públicos. Em 2019, seis jacarés de estimação foram soltos em Detroit (um foi morto a tiros) e, em agosto, o Departamento de Caça e Pesca do Novo México apreendeu um jacaré de um homem em Santa Fe que criou o animal ilegalmente por 10 anos.
Leis relacionadas a jacarés
As leis que tratam da propriedade de jacarés variam de acordo com o estado e o município. Embora seja permitido mantê-los em Michigan, regiões de Detroit proíbem sua propriedade privada. Em outros estados, como no Novo México, jacarés de estimação são permitidos apenas com autorização e, no Arizona e em Nova York, sua propriedade privada é proibida.
As regulamentações parecem não abalar os colecionadores que cobiçam filhotes de jacarés que cabem na palma da mão. Uma pesquisa rápida sobre jacarés de estimação mostra dezenas de sites que oferecem jacarés jovens por valores entre US$ 150 e US$ 15 mil (por um animal albino). A maioria desses jovens répteis é originária de criadores legais de jacarés localizados no sudeste, que vendem os animais por atacado a revendedores.
O mercado ilegal desses animais tem criado “um problemão”, segundo Matt Eschenbrenner, diretor de cuidados e conservação de animais do Zoológico de Great Plains e Museu Delbridge de História Natural, em Sioux Falls, Dakota do Sul. É provável que a maioria desses animais seja originária da Flórida, afirma Russ Johnson, presidente do santuário Phoenix Herpetological Society.
A Flórida possui leis rígidas sobre a criação de jacarés e protocolos de inspeção, porém nem todos os criadores as respeitam. Em 2018, o estado informou haver 21 criadores legais para a produção de carne e couro de jacaré. Não estão inclusos nessa lista criadouros ilegais e não licenciados de jacarés para uso como animais de estimação
Quebradores de ossos
A maioria dos donos de jacarés de estimação não estão preparados para cuidar de um animal adulto que pode chegar a cerca de 4,2 metros e viver 80 anos, afirma Johnson. Quando o filhote fofo cresce e fica mais difícil de controlar, o proprietário se depara com um grande dilema. “Não é nada parecido com um cão ou um gato que retribui amor”, acrescenta ele. “É como cuidar de um dinossauro.”
Para capturar suas presas, os jacarés têm mandíbulas fortes com até 80 dentes. Se os jacarés em cativeiro não conseguirem alimento suficiente — um problema comum — podem ficar irritadiços e suas mordidas são capazes de partir ossos humanos com facilidade. “Não é culpa do jacaré”, explica Johnson. “O jacaré está apenas manifestando seu comportamento natural.”
Ele afirma que isso ocorre porque é caro alimentar um jacaré. Os adultos precisam de alimentos como frangos inteiros ou carne de porco com ossos. Johnson, por exemplo, conta que gasta cerca de US$ 150 por mês para alimentar cada jacaré adulto em seu centro de resgate.
Os jacarés também necessitam de um recinto grande de água para seu pleno desenvolvimento. Banheiras e piscinas infantis, utilizadas por muitos donos de animais, não são suficientes, explica Eschenbrenner. A flutuação alivia o peso dos órgãos internos dos jacarés e, se a água não for profunda o bastante para o jacaré boiar, ele poderá sentir dor e até morrer devido à pressão de seu próprio peso interno. Água em abundância ajuda os jacarés a se sentirem seguros e calmos em seu ambiente, acrescenta ele.
A temperatura também precisa ser adequada. Como nativos do sudeste dos Estados Unidos, os jacarés estão habituados a viver em um ambiente morno ou quente, e os donos de animais podem precisar instalar diversas lâmpadas térmicas para manter aquecidos os animais de sangue frio, conta Eschenbrenner.
Problemas de saúde
Como os jacarés de estimação são mantidos ilegalmente, os animais não recebem os cuidados veterinários de rotina. Consequentemente, problemas graves de saúde podem passar despercebidos durante anos.
Eschenbrenner recorda-se de um caso em que um jacaré resgatado de uma casa no Novo México havia sido mantido em uma piscina infantil por uma década. O animal estava obeso, mas, ainda assim, a má nutrição prejudicou seu crescimento e causou problemas dentários: não conseguia fechar totalmente a boca porque os maxilares superior e inferior estavam desalinhados.
Muitos jacarés desenvolvem ossos fracos por causa de uma dieta pobre em nutrientes, como carne de hambúrguer ou frango desossado. Um jacaré resgatado no Arizona estava com uma deficiência tão grave de cálcio que suas mandíbulas estavam “elásticas”, lamenta Johnson. Outro estava tão desnutrido que quebrou a perna traseira ao tentar escapar das equipes de resgate.
Superfícies artificiais podem ser prejudiciais: um jacaré criado em uma plataforma de vidro ficou com o esqueleto desfigurado devido aos ossos malformados.
Diante das dificuldades de se criar um jacaré, ainda maiores para criá-lo de forma saudável, não é surpresa que, quando os animais ficam muito difíceis de cuidar, seus donos os abandonam ou os matam — ou os entregam às autoridades, conta Johnson.
Um bom lar para os jacarés
Há pessoas tentando melhorar a vida de jacarés abandonados. Por exemplo, o Phoenix Herpetological Society, no Arizona, mantém um recinto natural e quase selvagem com 15 jacarés resgatados em seu santuário de um hectare - além de diversos outros répteis abandonados, abusados e apreendidos. O centro, que conta com uma clínica de répteis e um centro de pesquisa no local, tem como objetivo encontrar lares permanentes para muitos de seus animais, enviando-os com frequência a outros santuários renomados em todo o país.
Segundo Eschenbrenner, o melhor a fazer é nem ter um jacaré. “Eu nunca teria um animal assim como bicho de estimação e fim de conversa.”
Uma boa opção para os entusiastas de jacarés é apreciá-los à distância, apoiando grupos de conservação ou um zoológico certificado com cuidados adequados aos animais para a conscientização das pessoas, afirma ele.
Ter um é “injusto com esse animal”, explica Eschenbrenner. “É maldade e o prejudica.”