Elefantes mantidos em cativeiro podem transmitir tuberculose a pessoas

Com o coronavírus colocando em evidência a transmissão de doenças entre animais e pessoas, alguns especialistas alertam também para outros riscos.

Por Rachel Fobar
Publicado 20 de set. de 2020, 08:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Três em cada quatro doenças infecciosas novas ou emergentes manifestadas em pessoas são transmitidas por animais, ...

Três em cada quatro doenças infecciosas novas ou emergentes manifestadas em pessoas são transmitidas por animais, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. Especialistas afirmam que é preciso mais urgência na contenção do contágio de tuberculose entre elefantes em cativeiro.

Foto de Steve Terrill, Jaynes Gallery, Alamy

LOGO APÓS A apresentação de Hattie, uma elefanta desnutrida mantida em cativeiro no Circo Vargas, no sul da Califórnia, nos EUA, ela morreu durante o transporte para uma fazenda de animais exóticos em Illinois. A causa de sua morte, em 6 de agosto de 1996, foi tuberculose. Exames revelaram que outro elefante do grupo do circo de Hattie também havia sido contaminado.

Na década de 1990, após as mortes de vários elefantes famosos mantidos em cativeiro nos Estados Unidos, veterinários constataram que os animais haviam contraído a cepa humana da tuberculose. Desde então, mais de 60 elefantes em cativeiro, alguns dos quais já morreram, tiveram a doença confirmada, afirma Susan Mikota, cofundadora da Elephant Care International, organização sem fins lucrativos com sede nos Estados Unidos que presta atendimento de saúde a elefantes. No ano passado, um elefante foi diagnosticado com tuberculose no Zoológico Point Defiance, no estado de Washington, e outro no Zoológico de Oregon, em Portland. Atualmente, estima-se que entre 5% e 6%  dos quase 400 elefantes mantidos em zoológicos, santuários e circos dos Estados Unidos estejam contaminados com tuberculose.

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), que fiscaliza o cumprimento da Lei de Bem-Estar Animal, não exige exames de tuberculose.

Três em cada quatro doenças infecciosas novas ou emergentes em pessoas são transmitidas por animais, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC), o que ressalta a importância de conter a transmissão de tuberculose entre os elefantes em cativeiro, afirma Fleur Dawes, diretora de comunicações da In Defense of Animals, organização de bem-estar animal que faz campanhas para que os elefantes não sejam mais mantidos em cativeiro.

Existem diversas cepas de tuberculose — uma infecção bacteriana que pode ser transmitida pelo ar e por meio da tosse ou do espirro de pessoas. Acredita-se que os elefantes contaminados espalhem tuberculose ao expelir líquidos ou ar de suas trombas, embora nenhum estudo tenha confirmado esta hipótese. Os elefantes podem contrair cepas humanas e bovinas. O tratamento indicado para pessoas e também elefantes é medicamentoso e tem duração de meses.

Assim como os elefantes podem contrair a doença de pessoas, também podem transmiti-la de volta para os humanos. Aliás, 11 dentre os 22 tratadores de elefantes na fazenda de animais exóticos de Illinois, para onde Hattie estava sendo transportada, tiveram reações positivas a um teste cutâneo de tuberculose em 1996 — os primeiros casos conhecidos de transmissão de tuberculose de elefantes para humanos nos Estados Unidos.

Adam Langer, chefe da divisão de vigilância, epidemiologia e investigações de surtos do CDC, explica que a bactéria da tuberculose pode permanecer no ar por várias horas, dependendo do ambiente. O risco de exposição depende de fatores como a concentração de bactérias no ar, o tempo de exposição da pessoa, o tamanho do recinto e o sistema de ventilação. Embora o contato prolongado apresente maior probabilidade de contágio, “o contágio é possível após uma breve exposição”, afirma Langer.

Em 1996, dias após sua última apresentação no circo, Hattie morreu de tuberculose. Após a morte de vários elefantes famosos mantidos em cativeiro nos Estados Unidos na década de 1990, veterinários constataram que os animais podiam transmitir a cepa humana da tuberculose.

Foto de Alpha Stock / Alamy Stock Photo

Devido ao imenso porte dos elefantes e a seus “pulmões especialmente grandes, esses animais podem expelir uma quantidade relativamente alta de bactérias no ar em torno deles”, afirma Langer. “Por isso, respirar o mesmo ar de um elefante com tuberculose pode representar um risco de contaminação maior do que uma exposição idêntica a uma outra pessoa.” As pessoas com o maior risco são aquelas que passam “tempo considerável em ambientes fechados com um elefante com tuberculose infecciosa”. Especialistas afirmam que o risco de contágio de visitantes de zoológicos e circos é baixo.

Apesar das atuais preocupações com a covid-19, 1,5 milhão de pessoas morreram de tuberculose em todo o mundo em 2018, segundo a Organização Mundial da Saúde, o que torna a doença a principal causa de morte por infecção no mundo (em 3 de setembro, havia quase 860 mil mortes informadas em todo o mundo em decorrência da covid-19).

O risco de transmissão da tuberculose foi “ignorado por tempo demais”, afirma Dawes. “Infelizmente, um acontecimento como esta pandemia parece ter sido essencial para demonstrar a gravidade dos possíveis riscos.”

Passadas duas décadas após os primeiros casos de transmissão de tuberculose de elefantes a pessoas, o contágio ainda persiste. No ano passado, no Zoológico Point Defiance, no estado de Washington, oito funcionários testaram positivo para uma forma latente ou inativa de tuberculose. Provavelmente contraíram a doença dos dois elefantes do zoológico, Hanako e Suki, que testaram positivo dois meses depois. Em fevereiro, Hanako (que também teve câncer na pata dianteira esquerda e artrose avançada) foi sacrificada. Suki, uma elefanta idosa de 55 anos, ainda está viva, mas o zoológico anunciou em novembro passado que ela não receberia tratamento porque o medicamento poderia enfraquecer seu sistema imunológico.

Não existe um exame de tuberculose ideal para elefantes

Da mesma forma em que há tantas dificuldades em conduzir testes de covid-19 em humanos, testes de tuberculose em animais de grande porte como os elefantes também são um desafio descomunal. Existem diferentes opiniões sobre os melhores métodos a serem utilizados.

Para diagnosticar a tuberculose em humanos, são necessários exames de sangue e radiografias de tórax, mas é impossível obter imagens dos pulmões de um elefante com peso superior a 4,5 toneladas. “Não temos raios x potentes o suficiente para obter imagens dos pulmões desses animais”, afirma Michele Miller, pesquisadora catedrática de tuberculose animal da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul.

Como a tuberculose pode permanecer em estado latente em elefantes (e pessoas), é possível que animais aparentemente saudáveis estejam contaminados sem que seja possível notar, conta Miller.

Para testar os elefantes, os veterinários têm duas opções: um exame de sangue revela anticorpos contra tuberculose, mas não necessariamente confirma a presença de doença ativa — em vez disso, pode sinalizar que um elefante teve a doença no passado ou tem tuberculose latente. O outro método é o teste de lavagem da tromba, que isola o organismo causador da doença e consiste em esguichar soro fisiológico dentro da tromba do elefante e, em seguida, coletar o líquido expelido, analisando se contém a bactéria da tuberculose.

Nenhum dos testes é perfeito e ambos podem produzir resultados falsos positivos ou negativos.

Há muito em jogo quando um elefante está contaminado. Os veterinários fazem o juramento de Hipócrates e prometem proteger a saúde humana e animal, portanto, o último recurso é a recomendação de eutanásia devido ao possível risco de transmissão da doença de um elefante a seus tratadores, explica Kay Backues, diretora de saúde animal do Zoológico de Tulsa, em Oklahoma.

O tratamento de tuberculose de um elefante não tem apenas um custo exorbitante, — até US$ 60 mil — mas também pode causar efeitos colaterais graves, como danos ao fígado e perda de apetite. Além disso, se o teste for um falso positivo, conta Miller, “o animal em questão passará por um tratamento desnecessário”.

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    Packy, no Zoológico de Oregon, em Portland, toma seu banho matinal. Ele foi sacrificado em fevereiro de 2017, após desenvolver uma cepa de tuberculose resistente a medicamentos.

    Foto de Randy L. Rasmussen, AP Photo

    Dois testes são melhores do que um

    Em 2013, no Zoológico de Oregon, em Portland, uma amostra de rotina coletada por meio de lavagem da tromba de um elefante asiático macho de 29 anos chamado Rama testou positivo para tuberculose, embora o elefante não tivesse manifestado nenhum sintoma.

    Elefantes em cativeiro fazem exames de sangue regularmente e, após a análise de uma amostra conservada do sangue de Rama, coletada em maio de 2012, foram encontrados anticorpos de tuberculose — cerca de um ano antes do seu teste de lavagem de tromba ter apresentado resultado positivo pela primeira vez. Dois outros elefantes no zoológico — o pai de Rama, Packy, e seu irmão, Tusko — também continham anticorpos no sangue. É possível que Tusko já tivesse anticorpos desde 2005.

    Packy foi sacrificado mais tarde porque desenvolveu uma cepa de tuberculose resistente aos medicamentos (Rama e Tusko também foram sacrificados, mas por motivos não relacionados à tuberculose). Em maio de 2017, quatro anos após o primeiro diagnóstico de Rama, uma amostra do teste de lavagem de tromba de uma elefanta chamada Shine testou positivo para tuberculose. O zoológico anunciou que ela receberia tratamento. Posteriormente, em setembro de 2019, foi informado que outra elefanta contaminada, Chendra, iniciaria o tratamento logo após ela ter sofrido um aborto (o zoológico destacou que não houve relação entre a tuberculose e o aborto). Nenhuma das elefantas manifestou sintomas.

    Sete funcionários do Zoológico de Oregon e um voluntário também testou positivo para uma infecção de tuberculose latente. Os funcionários, que passaram por tratamento, estiveram semanalmente no recinto dos elefantes ou a uma distância de até 4,5 metros dos animais, ao menos durante o ano anterior; o voluntário, entretanto, havia passado apenas uma hora no recinto dos elefantes em todo o ano (o voluntário já havia recebido tratamento quando a notícia do surto foi veiculada).

    Se o zoológico tivesse efetuado mais exames de sangue nos elefantes, Mikota se indaga, “teriam sido diagnosticados antes?”

    Kelly Flaminio, veterinária do Zoológico de Oregon, afirma que essa conclusão poderia ser válida “se os exames de diagnóstico disponíveis em 2012 e 2013 fossem tão eficazes quanto os atuais”. A detecção precoce da tuberculose em elefantes está aprimorando, conta ela, mas “ainda é extremamente difícil chegar a um diagnóstico definitivo”.

    Exames: uma questão de escolha

    O que aconteceu no Zoológico de Oregon demonstra por que faz sentido utilizar os dois métodos disponíveis, explica Michele Miller, coautora de um estudo sobre o episódio no Zoológico de Oregon em 2013. “Quando uma pessoa vai a uma consulta médica por não estar se sentindo bem, passa por uma bateria de exames”, explica ela. “As informações fornecidas por um conjunto de diferentes exames oferecem um quadro da saúde do animal ou da pessoa mais completo do que um único exame.”

    Mas os exames de tuberculose em elefantes mantidos em cativeiro nos Estados Unidos não são obrigatórios desde 2015, quando o USDA suspendeu a política que exigia exames de tuberculose como parte do tratamento veterinário padrão de elefantes.

    Desde então, cabe às próprias instalações e veterinários decidir quais exames devem ser feitos. As autoridades de saúde estaduais regulamentam as transferências de elefantes entre fronteiras estaduais e o rigor e exigências referentes aos exames de tuberculose variam.

    Adam Langer, funcionário do CDC, se recusou a comentar a decisão do USDA de 2015, acrescentando que as regulamentações estaduais e federais “exigem que as instalações que abrigam animais (incluindo elefantes) tomem as medidas cabíveis para proteger os funcionários e o público contra qualquer possível risco à saúde ou à segurança representado pelos animais sob seus cuidados”. Essa exigência inclui a tuberculose, segundo ele.

    De acordo com Andre Bell, porta-voz do USDA, o órgão suspendeu sua exigência de exames depois que a United States Animal Health Association, fórum de saúde animal sem fins lucrativos dos Estados Unidos, a que o USDA é filiado, “não conseguiu chegar a um acordo sobre uma versão atualizada” das diretrizes sobre exames de tuberculose empregadas pelo USDA. Embora muitas instalações ainda utilizem as diretrizes anteriores, “não são mais obrigadas a cumpri-las nem a divulgar os resultados”, conta ele. Se um elefante for diagnosticado com a doença, a recomendação do USDA é evitar que “seja transferido e tenha contato com o público” até a conclusão do tratamento.

    Qual é o risco ao público?

    Ninguém soube explicar como ocorreu o contágio do voluntário do Zoológico de Oregon, afirma Kay Backues, do Zoológico de Tulsa, já que a tuberculose “é transmitida por contato próximo, prolongado e aerossol”. Com base em nossos conhecimentos atuais sobre a tuberculose em humanos, observar um elefante a seis metros de distância apresenta um risco extremamente baixo, explica Backues — assim como andar ao lado de um elefante ou até mesmo montar nele. “Não considero arriscado em termos de contágio de tuberculose subir nas costas de um elefante, dar uma volta e descer — em um cercado amplo ou em um grande centro de exposições.” É diferente de permanecer na frente de um elefante “soprando ar no rosto de uma pessoa” (a maioria das instalações dos Estados Unidos parou de oferecer passeios de elefante, mas alguns circos e zoológicos não credenciados prosseguem com essas atividades).

    Até o momento, não existe nenhum caso documentado de transmissão de tuberculose de um elefante de circo, zoológico ou santuário aos visitantes.

    Mas um incidente no Zoológico de Taronga, em Sydney, na Austrália, serve de alerta sobre como a tuberculose pode ser transmitida de forma fácil e misteriosa, afirma Mikota. Em 2011, um chimpanzé no zoológico foi diagnosticado com tuberculose, menos de um ano após um teste de lavagem de tromba revelar que um elefante do zoológico havia sido contaminado com tuberculose. O recinto dos chimpanzés ficava a mais de 100 metros do recinto dos elefantes. É “uma distância muito maior do que alguns elefantes ficam do público”, conta Mikota.

    “Visitar zoológicos ou circos não representa risco de contrair tuberculose”, reitera Backues.

    Mikota reconhece que ainda não houve transmissões conhecidas de tuberculose de elefantes mantidos em cativeiro ao público. Contudo, como o contágio ainda não é muito compreendido ou estudado, ela acredita que essa possibilidade é bastante preocupante. Ela conta que foi conduzido apenas um pequeno estudo sobre a transmissão do Zoológico de Oregon — “não foram obtidas evidências suficientes para poder afirmar que a transmissão de tuberculose de elefantes para pessoas seja uma mera preocupação de saúde ocupacional e não uma preocupação de saúde pública”.

    “Ausência de comprovação não significa comprovação da ausência do risco... Os elefantes sopram o ar pela tromba — e o vento pode espalhá-lo.”

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