Os gansos-do-canadá ainda migram para o sul no inverno?

Os subúrbios em expansão na América do Norte são o habitat perfeito para o pássaro, cuja população se multiplica a cada dia.

Por Brian Handwerk
Publicado 6 de jan. de 2021, 12:00 BRT
Gansos-do-canadá em um parque infantil no Deer Lake Park, em Colúmbia Britânica, Canadá, em julho de ...

Gansos-do-canadá em um parque infantil no Deer Lake Park, em Colúmbia Britânica, Canadá, em julho de 2020.

Foto de Andrew Chin,Getty Images

Os gansos-do-canadá migratórios, em suas icônicas formações em V, são capazes de voar surpreendentes 2,4 mil quilômetros em apenas 24 horas. Também circulam indefinidamente pelos parques próximos de complexos de escritórios.

Nos últimos anos, mais pessoas nos Estados Unidos e Canadá passaram a notar os barulhentos pássaros de cabeça preta e branca que fixam residência o ano todo em campos de golfe, gramados e outras áreas verdes. Será que esses gansos, talvez incentivados por invernos mais amenos e uma vida fácil nos subúrbios, simplesmente pararam de migrar para o sul? Em muitos casos, sim — mas a explicação é um tanto complexa.

No padrão clássico de migração, bandos que passaram o inverno dos Estados Unidos no sul voam para o norte na primavera, retornando aos mesmos pontos no norte e sul do Ártico para se reproduzir e nidificar. Em setembro e outubro, esses bandos seguem para o sul novamente — acompanhados de uma nova geração. Com uma vida média de 24 anos, os membros dessa espécie são capazes de realizar 24 migrações ao longo da vida, utilizando as mesmas “paradas de descanso” ao longo do caminho.

Mas há exceções. Mesmo antes de os europeus colonizarem as Américas em 1600, alguns membros dessa espécie — que mais tarde foi denominada como ganso-do-canadá (não “canadense”) por Carl Linnaeus em 1758 — nunca migraram.

Essas populações fazem seus ninhos em uma faixa de habitat que varia dos Grandes Lagos às Montanhas Rochosas, movimentando-se apenas o suficiente para o sul a cada inverno em busca de comida e água em mares abertos. Quando os europeus chegaram, perceberam que esses supostos gansos não migratórios eram presas fáceis e quase os exterminaram no início do século 20.

Meio século depois, conservacionistas e agências governamentais reintroduziram aves criadas em cativeiro em seu antigo habitat na região norte dos Estados Unidos e, impulsionados por alguns bandos sobreviventes, os gansos-do-canadá não migratórios retornaram de forma surpreendente.

Atualmente, essas aves de cerca de quatro quilos vivem em todas as províncias e estados canadenses nos Estados Unidos continentais — e suas populações continuam aumentando. Na década de 1950, cerca de um milhão de gansos vivia na América do Norte; desde então esse número disparou para sete milhões, de acordo com estimativas do Canadian Wildlife Service (Serviço de Vida Selvagem do Canadá). (A Europa e a Nova Zelândia também presenciam um aumento no número de aves da espécie, onde são considerados como espécie invasora.)

Além disso, no final dos anos 1970, apenas 10% dos gansos que viviam ao longo das rotas aéreas do Atlântico e do Mississippi — principais rotas de migração que cortavam verticalmente os Estados Unidos —não eram migratórios. Hoje, eles representam mais de 60%.

“Essa espécie se desenvolveu muito bem, como todos sabemos agora”, afirma Paul Curtis, ecologista populacional na Universidade Cornell.

Além de proporcionar comida em abundância e espaço para se movimentar, as áreas urbanas e suburbanas oferecem aos gansos não migratórios mais proteção contra caçadores e predadores naturais. A pesquisa mostra que as ninhadas de ovos dos gansos não migratórios são maiores e seus filhotes vivem mais do que os dos gansos migratórios.

“Criamos habitats ideais para essas aves”, afirma ele.

Gansos-do-canadá se reúnem na neve no Refúgio Nacional de Vida Selvagem Bosque del Apache, no Novo México.

Foto de Jack Dykinga, Nature Picture Library

Pais que permanecem no habitat

Estudar as migrações dos gansos-do-canadá pode ser desafiador. Até mesmo biólogos especializados em pássaros não conseguem distinguir gansos migratórios de não migratórios apenas com base na aparência. As populações também se misturam e cruzam entre si.

Além disso, pássaros de populações não migratórias que não migram há gerações, ou que nunca migraram, voarão repentinamente para o Ártico, onde irão se alimentar e realizar a muda, processo em que perdem suas penas de voo dando lugar para novas.

A perda de um ninho muitas vezes pode estimular os gansos a deixar a cidade. De acordo com Curtis, “o que mantém gansos não migratórios em seu habitat durante verão são os filhotes.”

No sul de Michigan, mais da metade dos gansos não migratórios rastreados durante um projeto de monitoramento por satélite migraram para o Canadá quando perderam seus ninhos. Outro estudo constatou que 44% dos gansos em Nova York, Pensilvânia e Vermont migraram para o norte quando não tinham filhotes.

Sharp rastreou uma fêmea de ganso que fazia seu ninho todos os anos na frente do mesmo edifício comercial em Toronto até perder sua ninhada de ovos. Em seguida, voou para o extremo norte de Québec, nas extremidades do Ártico. “Se não tivesse perdido o ninho, teria permanecido no centro comercial observando pessoas entrar e sair durante todo o verão”, segundo ele.

Enquanto ainda estava na região norte, essa ave aparentemente se juntou a um bando de aves migratórias e migrou para a região da Baía de Chesapeake para o inverno, onde foi baleada por um caçador em Maryland.

A odisseia de quatro mil quilômetros percorrida pelo ganso não é única — mesmo entre os gansos que vêm de gerações de pássaros que permanecem no mesmo habitat.

“São pássaros que assobiam para você quando você entra em um edifício comercial e depois voam para o Ártico ou subártico para trocar suas penas em um dos lugares mais selvagens que um ganso-do-canadá já visitou”, afirma Christopher Sharp, biólogo e especialista em gansos do Canadian Wildlife Service em Ottawa.

Gansos inconvenientes

Na maioria dos casos, o aumento de gansos não migratórios não estressou a vida selvagem e os ecossistemas nativos. Pelo contrário, a nossa espécie é que encontra um desafio para a convivência.

Além de muitas vezes agressivos, os gansos-do-canadá também jogam seus dejetos em ambientes construídos pelos humanos, como campos de jogos, docas de barcos e campos de golfe. Um bando de 50 gansos é capaz de produzir duas toneladas e meia de dejetos por ano, um número surpreendente.

Para deter os pássaros, as pessoas tentaram fazer barulho, treinar cães para afugentá-los, e até mesmo usar o Goosinator, uma isca laranja brilhante com controle remoto e um rosto assustador que afugenta os pássaros.

Mas Curtis, que liderou um estudo sobre a eficácia das técnicas de afastamento de gansos com ruídos no estado de Nova York, constatou que os pássaros conheciam todos os corpos d’água em um raio de 20 quilômetros. “Você pode afugentá-los dos parques ou dos campos de golfe e eles desaparecerão por alguns dias”, afirma ele, “mas voltarão”.

Em alguns lugares, principalmente aeroportos, os gansos-do-canadá representam um grande perigo. Em 2009, o voo 1549 da US Airways atingiu um bando de gansos-do-canadá, forçando o piloto Chesley “Sully” Sullenberger a pousar o avião no rio Hudson.

“Gansos e aviões a jato simplesmente não combinam”, acrescenta Curtis. É por isso que, nesse caso, “a única maneira eficaz de administrar a situação é capturá-los e removê-los — e isso pode ser controverso. Algumas pessoas não gostam de ver isso.”

Um pouco de respeito

De fato, muitos amantes dos animais gostam de viver entre os gansos-do-canadá; um casal de gansos, que foi amplamente documentado, construiu um ninho na National Geographic em Washington, DC, sede da National Geographic Society em 2019.

Sharp acredita que os gansos merecem nossa admiração pela notável adaptabilidade que mostraram ao prosperar em habitats tomados por humanos.

Certa vez, ele encontrou uma fêmea com uma coleira de rastreamento cuidando de cem filhotes (de diversas ninhadas diferentes) em um ninho no telhado de um complexo de escritórios industriais. Ela não deixou a área para encontrar uma fonte permanente de água por meses, em vez disso, bebia de uma vala e comia grama dos jardins bem preservados. “Esse é um habitat onde pássaros com patas palmadas não pertencem, e eles estavam prosperando”, afirma Sharp.

Ele também aponta que o ciclo de vida anual dos gansos-do-canadá acontece facilmente diante dos olhos dos moradores urbanos da América do Norte.

“É uma oportunidade”, afirma ele, “para muitas pessoas se conectarem verdadeiramente com a natureza”.

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