Os parasitas estão entrando em extinção. Descubra por que é preciso salvá-los

Eles são “repulsivos, pegajosos, moles e serpenteantes”. Mas os parasitas podem ser tão importantes quanto os animais mais carismáticos — e muitos podem estar prestes a desaparecer.

Por Erika Engelhaupt
Publicado 17 de abr. de 2021, 08:15 BRT
parasites

Larvas do verme-crina-de-cavalo se infiltram nos grilos e se desenvolvem dentro de seu organismo. Os vermes precisam de água para acasalar, por isso levam os insetos a pular em riachos, onde esses se tornam uma importante fonte de alimento aos peixes.

Foto de Anand Varma, Nat Geo Image Collection

Quando pequena, Chelsea Wood sonhava em ser bióloga marinha e estudar tubarões ou golfinhos — os tipos de animais grandes e empolgantes considerados megafauna carismática pelos biólogos. Em vez disso, durante um estágio na faculdade, ela se viu observando as vísceras de um caramujo ao microscópio.

Ela conhecia bem esse caramujo. Quando criança, sempre recolhia caramujos da espécie Littorina littorea das rochas ao longo do litoral de Long Island e os colocava em baldes para observá-los rastejar. Mas nunca havia observado um por dentro. Ela abriu o caramujo, extraiu os tecidos moles e, sob sua lente de aumento, observou “milhares de larvas brancas saindo do corpo do caramujo”, lembra ela.

Essas larvas eram do verme Cryptocotyle lingua, parasita comum de peixes. Observadas pelo microscópio, cada uma possuía dois olhos escuros, deixando-as surpreendentemente belas e charmosas. “Não pude acreditar que, após tanto tempo observando os caramujos, não fazia ideia de como era interessante o seu interior”, conta Wood, atualmente uma ecologista de parasitas da Universidade de Washington. “Simplesmente me apaixonei pelos parasitas. Tenho um grande interesse por eles.”

Desde então, Wood se tornou líder em um novo movimento de conservação que busca salvar a minifauna pouco carismática do mundo.

Segundo Wood, quase metade de todos os animais conhecidos na Terra são parasitas e, de acordo com um estudo, um décimo deles já pode estar fadado à extinção nos próximos 50 anos devido às mudanças climáticas, ao desaparecimento de seus hospedeiros e às iniciativas deliberadas de sua erradicação. Mas, no momento, parece que poucos se importam — ou até mesmo notam. Dentre as mais de 37 mil espécies classificadas como criticamente ameaçadas de extinção na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), apenas um piolho e alguns mexilhões de água doce são parasitas.

Por definição, parasitas vivem dentro de hospedeiros ou sobre eles e tiram seu sustento desses hospedeiros, o que os tornou os párias do mundo animal. Mas nem todos os parasitas causam danos perceptíveis aos hospedeiros e apenas um pequeno percentual afeta humanos. Os cientistas alertam para consequências terríveis se desconsiderarmos os parasitas que ainda restam. Podemos aprender muito sobre parasitas e maneiras de utilizá-los para satisfazer nossas próprias necessidades (como sanguessugas medicinais, ainda empregados em algumas cirurgias), e estamos começando a entender o papel crucial desempenhado por eles em ecossistemas ao manter algumas populações sob controle ao mesmo tempo em que ajudam a alimentar outras.

Alguns especialistas afirmam que há um apelo estético para salvá-los também. Se for capaz de superar a repulsa e se dispor a conhecê-los melhor, pode ser que ache estranhamente encantadora a ousadia dos parasitas. Eles desenvolveram meios engenhosos de sobrevivência, como o crustáceo que assume o lugar da língua de um peixe, a vespa da espécie Ampulex compressa que paralisa parte do cérebro das baratas e as guiam até um ninho utilizando suas antenas, como um cachorro com uma coleira.

Verme trematódeo Ribeiroia, associado a deformações de membros em sapos, como essa rã-touro-americana. O verme parasita vive em vários hospedeiros animais, como girinos, durante seu ciclo de vida.

Foto de Anand Varma, Nat Geo Image Collection

“Os parasitas são considerados repulsivos, pegajosos, moles e serpenteantes, e, algumas vezes, é verdade”, admite Wood. “Mas se observá-los ao microscópio, verá que possuem certa beleza.”

Obviamente, o movimento conservacionista moderno não deveria levar em consideração a aparência ou o carisma das espécies, destaca Kevin Lafferty, ecologista da Universidade da Califórnia, Santa Bárbara. Existem muitas plantas sem nada demais e invertebrados feios, moles ou rastejantes que são protegidos. “Nenhuma dessas espécies é bonita e fofinha”, conta ele. “Ninguém lhes dá a mínima. Mas a biologia da conservação moderna ainda assim reconhece sua importância à biodiversidade.”

Mundo de parasitas

Em uma paisagem, seja uma savana africana ou um recife de coral australiano, as pessoas percebem apenas outras espécies hospedeiras, como elas mesmas. Mas leões, zebras e peixes são abrigos para a maior parte das formas de vida ocultas diante de nós.

Ao todo, 40% dos animais conhecidos são parasitas, e considerando apenas os que já foram descritos. Os cientistas acreditam que esse percentual represente somente cerca de 10% de todos os parasitas existentes, o que poderia significar que milhões ainda não foram descobertos. Apenas as vespas parasitas provavelmente superam qualquer outro grupo existente de animais, incluindo até os besouros.

A maioria das espécies, ao que parece, é parasitada por diversas outras. Considere os humanos, por exemplo: apesar de nossas tentativas de prevenção, somos excelentes hospedeiros. Mais de 100 parasitas diferentes evoluíram para viver dentro de nossos organismos ou sobre nossos corpos, muitos deles agora dependem de nós para a perpetuação de suas espécies.

A proliferação de parasitas ocorre porque cada ser vivo é formado por um conjunto de nutrientes e energia, e ser um grande predador não é a única maneira de usufruir dessa abundância. Os parasitas abandonaram completamente a competição acirrada entre predadores e presas e escolheram um caminho mais fácil. É uma estratégia inteligente, se pararmos para pensar, e é exatamente por esse motivo que o parasitismo é tão comum. “A natureza abomina o vazio. Se houver oportunidade, alguém vai evoluir para preencher esse vazio”, explica Wood.

O parasitismo evoluiu como um modo de vida sucessivamente ao longo de bilhões de anos, desde os menores e mais simples micróbios até os vertebrados mais complexos. Existem plantas parasitas, aves parasitas, uma variedade desconcertante de vermes e insetos parasitas e até mesmo um mamífero parasita — o morcego-vampiro, que sobrevive sugando o sangue de vacas e outros mamíferos. Das 42 ramificações principais da árvore da vida, denominadas filos, 31 são compostas, em sua maioria, por parasitas.

Ainda assim, mal começamos a identificar todos os parasitas ou a monitorar suas populações e pouco conhecemos sobre seus estilos de vida. “Nunca foi nossa prioridade”, justifica Skylar Hopkins, ecologista da Universidade Estadual da Carolina do Norte. Assim, há alguns anos, Hopkins reuniu um grupo de cientistas interessados na conservação de parasitas que começou a trocar conhecimentos. Em 2018, foram apresentadas suas pesquisas na conferência da Sociedade de Ecologia da América. Então, em outubro de 2020, foi publicado o primeiro plano global para salvar parasitas em uma edição especial do periódico Biological Conservation.

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    Anfípode, tipo de crustáceo aquático minúsculo, invadido por larva de verme acantocéfalo. Mas o objetivo final do verme é parasitar aves marinhas, assim, o verme causa mudanças no cérebro do anfípode que o atraem à luz e espaços abertos, tornando-o presa fácil.

    Foto de Anand Varma, Nat Geo Image Collection

    Um dos aspectos notados por Hopkins e seus colegas foi o chamado paradoxo da coextinção. Como os parasitas, por definição, são dependentes de outras espécies, são especialmente vulneráveis a esse fenômeno. Tomemos, por exemplo, o piolho da espécie Haematopinus oliveri, ameaçado de extinção. Ele vive exclusivamente em outra espécie criticamente ameaçada de extinção, o porco-pigmeu, que está desaparecendo da pradaria habitada por ele na base do Himalaia.

    “Podem existir milhões de espécies de parasitas ameaçadas e provavelmente muitas já extintas”, afirma Hopkins. “Mas é curioso como quase não são documentadas extinções de parasitas.”

    Wood revela que procura dados históricos sobre a abundância de parasitas há mais de uma década, em busca de informações sobre qualquer parasita — terrestre ou aquático. “Estou sempre atenta”, conta ela, que, até o momento, encontrou um total de dois grupos de dados úteis: um de um cruzeiro de pesquisa no fim da década de 1940 e o outro em um caderno de laboratório mantido por um de seus orientadores.

    Com informações tão escassas, “não fazemos ideia se os parasitas ainda desempenham atualmente a mesma função anterior”, afirma Wood. “É chocante.”

    A referência da conservação dos parasitas, se é que existe uma, é o piolho da espécie Colpocephalum californici, ironicamente, vítima do próprio movimento conservacionista. Na década de 1970, desesperados para salvar o condor-da-califórnia, os biólogos começaram a criar essas aves em cativeiro. Parte do protocolo foi eliminar os piolhos de todas as aves com agrotóxicos, supondo que os parasitas fossem prejudiciais aos condores, embora não se saiba ao certo se de fato eram. O piolho dessa espécie nunca mais foi identificado desde então.

    Da mesma forma, a sanguessuga da espécie Macrobdella sestertia não é mais encontrada há mais de uma década, e a pesca predatória provavelmente exterminou o platelminto marinho da espécie Stichocotyle nephropis, que dependia de arraias ameaçadas de extinção para completar seu ciclo de vida. Presume-se que infindáveis outros vermes, protozoários e insetos parasitas tenham desaparecido com a extinção de seus hospedeiros.

    Um mundo sem parasitas

    Embora a extinção dos parasitas possa parecer irrelevante, ou até mesmo algo para se comemorar, os ecologistas alertam que erradicá-los provavelmente implicaria a destruição planetária. Sem o controle realizado por parasitas, haveria uma explosão populacional de alguns animais, assim como ocorre com espécies invasoras ao alcançar novos territórios sem predadores naturais. Outras espécies provavelmente entrariam em colapso com o desequilíbrio que se seguiria.

    Predadores grandes e carismáticos também sairiam perdendo. Muitos parasitas evoluíram para alcançar o próximo hospedeiro, manipulando o hospedeiro em que estão, o que geralmente leva esse hospedeiro à boca de um predador. Os vermes nematomorfos, por exemplo, amadurecem no interior de grilos, mas precisam estar na água para acasalar. Assim, influenciam o cérebro dos grilos, levando os insetos a pular nos riachos, onde se tornam uma importante fonte de alimento para a truta. Fenômenos semelhantes alimentam pássaros, peixes, gatos e outros predadores em todo o mundo.

    Até mesmo a saúde humana teria algum prejuízo com a erradicação dos parasitas. Em países como os Estados Unidos, onde foi eliminada a maioria dos parasitas intestinais, existem doenças autoimunes praticamente desconhecidas em locais onde ainda existem esses parasitas. Segundo uma vertente de pensamento, o sistema imunológico humano evoluiu concomitantemente com um grupo de vermes e protozoários parasitas e, quando eliminados, nosso sistema imunológico começa a atacar nosso próprio organismo. Algumas pessoas com a doença de Crohn até mesmo se infectam propositalmente com vermes intestinais na tentativa de restaurar o equilíbrio ecológico intestinal, obtendo resultados variados.

    Apesar disso, os cientistas não anseiam por salvar todos os parasitas. O verme-da-guiné, por exemplo, é menosprezado até mesmo pelos conservacionistas mais radicais. Ele atinge a idade adulta dentro da perna de uma pessoa, geralmente atingindo vários centímetros de comprimento e emerge dolorosamente pelo pé. A fundação do ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter se propôs a levar o verme à extinção, e poucos vão sentir falta dele quando desaparecer.

    Alguém que desejaria muito se livrar de todos os parasitas é Bobbi Pritt. Como diretora médica do laboratório de parasitologia humana da Clínica Mayo, Pritt identifica parasitas encontrados em todo o país e em todas as partes do corpo. Todos os dias, ela trabalha com sangue contendo parasitas da malária, tecido cerebral repleto de Toxoplasma gondii ou segmentos de unhas do pé com bichos-de-pé, que penetram na sola do pé ao se andar descalço na praia.

    Ainda assim, até Pritt tem uma queda por parasitas. Ela escreve em seu blogCreepy Dreadful Wonderful Parasites” (“Maravilhosos Parasitas Terríveis e Repugnantes”, em tradução livre) e passa os fins de semana estudando os carrapatos do lado de fora de sua cabana de férias. Como médica, ela é a favor da erradicação de parasitas em locais onde esses causam doenças e sofrimento. “Contudo, como bióloga, sou avessa à ideia de tomar a iniciativa de extinguir propositalmente uma espécie”, explica ela.

    Em última análise, o objetivo de promover a conservação dos parasitas não é torná-los queridos por todos. Pelo contrário, o objetivo é pedir uma trégua na guerra travada contra todos eles, pois ainda há muito que se desconhece sobre sua contribuição aos ecossistemas e talvez até mesmo à humanidade. E se isso não o convencer da utilidade dos parasitas, reflita sobre a perspectiva de Kevin Lafferty:

    “Se você é uma pessoa religiosa, diria que todas as espécies são criaturas de Deus; devemos nos importar com todas elas da mesma forma”, argumenta. “Esse é o tipo de abordagem adotada pela biologia da conservação, com uma grande exceção: os parasitas.”

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