Esses ratos cegos conseguem “enxergar” com os ouvidos, algo inédito entre roedores

Os arganazes-pigmeus estão entre as poucas criaturas capazes de utilizar o som — na forma de sonar — para se guiarem.

Por Douglas Main
Publicado 1 de jul. de 2021, 16:30 BRT
Pygmy dormouse - Typhlomys cinereus

Um arganaz-pigmeu-chinês (Typhlomys cinereus) no zoológico de Moscou. Esses animais conseguem utilizar a ecolocalização efetivamente, fazendo ruídos extremamente agudos e ouvindo os ecos para ter uma noção do que está ao seu redor.

Foto de Joël Sartore, National Geographic Photo Ark

Na escuridão das florestas montanhosas do Leste Asiático, pequenos roedores surgem das árvores e correm pelos galhos e pelo chão da floresta, devorando frutas, sementes e insetos. O que torna esse fato extraordinário é que esses animais são quase completamente cegos.

Então, como eles se locomovem? Uma nova pesquisa publicada recentemente na revista científica Science concluiu que esses ratos utilizam a ecolocalização: eles conseguem ter noção do que está ao seu redor e se guiar emitindo ruídos de alta frequência e depois ouvindo os ecos que ricocheteiam em objetos próximos.

Trabalhos anteriores sugeriram que outro parente escalador de árvores do mesmo gênero, o arganaz-pigmeu-vietnamita, provavelmente utiliza o mesmo método. Mas este é o primeiro estudo a reunir diversas linhas de evidência e provar, sem sombra de dúvida, que a capacidade está presente em todas as quatro espécies do gênero Typhlomys.

“Constatar que a ecolocalização está presente em todas as espécies do gênero nos surpreendeu”, declara Peng Shi, autora principal do estudo e pesquisadora do Instituto Kunming de Zoologia da Academia Chinesa de Ciências.

Até o momento, existem apenas dois grupos de mamíferos amplamente estudados que utilizam a ecolocalização: os morcegos e os cetáceos, que incluem baleias, golfinhos e botos. Há evidências de que musaranhos e tenreques — um grupo diverso de pequenos mamíferos endêmicos de Madagascar —utilizam a ecolocalização, embora quase certamente não de forma tão eficaz quanto morcegos e cetáceos. Shi afirma que essa habilidade provavelmente tenha evoluído de forma independente em cinco linhagens diferentes de mamíferos.

Diversos tipos de aves, incluindo guácharos e andorinhões, usam uma forma mais rudimentar de ecolocalização.

Evidências anteriores de ecolocalização

Em 2016, Aleksandra Panyutina, bióloga do Instituto Severtsov de Ecologia e Evolução, em Moscou, apresentou evidências de que arganazes-vietnamitas conseguiam desviar de obstáculos dentro do laboratório na mais completa escuridão. Ela gravou alguns dos ruídos produzidos por eles, que eram semelhantes em frequência e cadência aos de morcegos ecolocalizadores: extremamente agudos e, em alguns casos, repetidos dezenas de vezes por segundo.

Mas gravá-los não foi fácil. “Não tínhamos o equipamento necessário para gravar os sinais de ecolocalização, pois o meu detector de morcegos não era sensível o bastante para esses roedores de voz aguda.”

Ela se uniu a Ilya Volodin, bióloga da Universidade Estadual de Lomonosov, e outros colegas. As pesquisadoras descobriram mais sobre as vocalizações dos arganazes e estudaram seus olhos, que “não são apenas minúsculos, mas também têm pouquíssimas células de percepção de luz”, explica Volodin.

Juntando tudo

Para o estudo atual, Shi e seus colegas coletaram quatro espécies de arganazes-pigmeus de montanhas por toda a China; cada espécie tem apenas alguns centímetros de comprimento e sua pelagem é marrom-acinzentada e macia. No laboratório, eles realizaram uma série de experimentos na escuridão total para testar a capacidade de ecolocalização dos animais.

Primeiro, os pesquisadores compararam o comportamento dos arganazes em dois espaços distintos: um espaço bagunçado e um espaço limpo. Eles constataram que no primeiro cenário, em comparação com o último, a frequência e o número de vocalizações ultrassônicas aumentaram significativamente. Em seguida, demostraram que os animais são capazes de atravessar pequenos buracos em uma tábua de madeira, mas apenas depois de emitirem uma série de ruídos.

Os cientistas também colocaram os roedores em um disco elevado e os deixaram explorando o recinto. Abaixo dessa plataforma foi colocada uma rampa estreita que levava a uma recompensa de comida. Todos os ratos emitiam ainda mais ruídos e conseguiram descer a rampa na escuridão total. Os pesquisadores também colocaram tampões de ouvido nos roedores e os soltaram no recinto para que tentassem novamente. Dessa vez, eles não conseguiram encontrar a rampa e emitiram menos vocalizações ultrassônicas.

Os cientistas compararam a estrutura óssea dos roedores com a dos morcegos ecolocalizadores e encontraram semelhanças surpreendentes na estrutura da região da faringe, na parte posterior da boca e da cavidade nasal, onde os ruídos são produzidos. Da mesma forma, eles constataram que o osso hioide do roedor foi fundido com o osso timpânico, perto dos ouvidos. Os únicos outros mamíferos com essa estrutura: os morcegos.

Essas semelhanças anatômicas sugerem uma homoplasia, um tipo de evolução convergente, na qual traços semelhantes se desenvolvem em espécies diferentes e não relacionadas, de acordo com Rebecca Whiley, pesquisadora e mestranda no Laboratório de Biofísica Sensorial da Universidade de York, que não participou do artigo. Os autores do estudo sugerem que essa anatomia permite aos animais “uma representação neuronal mais eficaz dos sinais de saída para comparação com os ecos de retorno” — em outras palavras, uma maneira melhor de mapear mentalmente seus arredores.

Em seguida, os pesquisadores sequenciaram o genoma do arganaz-pigmeu-chinês e o compararam com os de golfinhos e dois tipos de morcegos. Eles encontraram um número maior de semelhanças em genes relacionados à audição do que ocorreria por acaso. Também constataram que o único gene importante relacionado à visão, que auxilia no funcionamento das células dentro da retina, não era funcional em nenhuma das quatro espécies de roedores — mais uma evidência de que os animais enxergam muito mal.

Shi e seus colegas esperam continuar estudando esses animais e talvez seus parentes. Esses roedores ainda são pouco conhecidos, e provavelmente há mais de quatro espécies dentro do gênero. Shi também suspeita que existam outros animais além deste gênero com a capacidade de se guiar no escuro.

“Nosso estudo sugere uma maior biodiversidade de traços adaptativos do que imaginávamos”, afirma ela. “Estamos quase certos de que há mais animais ecolocalizadores esperando para serem descobertos.”

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