Cães podem se ‘contagiar’ com as emoções de seus donos

Diversos estudos revelam como os cães captam indícios químicos e fisiológicos de nosso organismo, o que permite que nosso humor se torne “contagiante”.

Por Stacey Colino
Publicado 10 de out. de 2021, 08:00 BRT
Menina e seu cachorro em Boone County, no estado da Virgínia Ocidental, nos Estados Unidos.

Menina e seu cachorro em Boone County, no estado da Virgínia Ocidental, nos Estados Unidos.

Foto de Stacy Kranitz

Os donos de cães muitas vezes acreditam que seus cachorros são bons em captar suas emoções. Isso não é apenas imaginação. Novos estudos revelam como evidências comportamentais e químicas de humanos podem afetar os cães de maneiras que lhes permitem não apenas discriminar sentimentos como medo, excitação ou raiva em seus donos, como também “absorver” essas sensações de seus companheiros humanos.

Assim como crianças olham para os pais em busca de pistas sobre como reagir às pessoas e ao mundo ao seu redor, os cães costumam olhar para os humanos em busca de sinais semelhantes. Quando seus donos projetam sentimentos de calma e confiança, os cães tendem a ver o ambiente como seguro e protegido.

“A conexão emocional entre humanos e cães é a essência do relacionamento”, observa Clive Wynne, professor de psicologia e diretor do Canine Science Collaboratory, na Universidade Estadual do Arizona. “Os cães são seres incrivelmente sociais, por isso são facilmente influenciados pelo nosso afeto e alegria.” Mas o inverso também ocorre, o que significa que o estresse e a ansiedade do dono também podem causar estresse e ansiedade no cão.

Esse contágio emocional interespécies, como os psicólogos o denominam, tem fundamento psicológico, fisiológico e comportamental. Nos últimos anos, diversos estudos demonstraram que a transmissão de emoções depende da liberação de determinados hormônios (como a oxitocina), alterações no odor corporal dos humanos, acionamento de importantes neurônios nos cães e nas pessoas, bem como outros fatores fisiológicos.

Pesquisas recentes também indicam que a intensidade na qual os cães captam as emoções de seus donos depende da duração do relacionamento entre eles. Esse fenômeno é especialmente interessante nos dias atuais, uma vez que as pessoas e seus companheiros caninos estão passando mais tempo juntos durante a pandemia.

Uma forma primitiva de empatia

Há um espectro de conexão emocional entre as pessoas e seus cães, que varia desde a capacidade de detectar e compreender os sentimentos um do outro até o compartilhamento real das mesmas emoções.

Estudos apontaram que os cães podem bocejar quando bocejamos, apresentar aumento nos níveis de cortisol quando ouvem um bebê chorar — assim como nós humanos — e responder ao tom emotivo de nossa voz. De acordo com o estudo, ao interagirem entre si ou apenas ao se olharem , as pessoas e seus cães liberavam oxitocina, muitas vezes chamada de “hormônio do amor” ou “hormônio da felicidade”, embora os efeitos do hormônio sejam mais complexos do que seus apelidos, visto que pode fomentar a confiança e a generosidade em algumas situações e a inveja em outras.

Quando se trata de vínculo, “a liberação de oxitocina é estimulada pelo contato visual ou toque social, como carícias, e funciona nos dois sentidos — do cão para o humano e do humano para o cão; é como uma troca contínua”, explica Larry Young, professor de psiquiatria e diretor do Silvio O. Conte Center for Oxytocin and Social Cognition da Universidade Emory. “Para se contagiar com uma emoção, os cães precisam ser capazes de reconhecer as emoções de seu dono — o que requer atenção, e a oxitocina facilita esse processo. Faz com que o cérebro se concentre em sinais sociais.”

Os cães também têm “empatia afetiva” — definida como a capacidade de compreender os sentimentos de outra pessoa — em relação às pessoas que são importantes para eles. O contágio emocional é uma forma primitiva de empatia afetiva que reflete a capacidade de realmente compartilhar desses sentimentos. Por exemplo, em um estudo de 2020 publicado na revista científica Canadian Journal of Experimental Psychology, pesquisadores analisaram como os cães reagiam quando seu dono ou um estranho em sua casa fingia rir ou chorar. O cão deu mais atenção à pessoa que parecia estar chorando, tanto por meio do contato visual quanto físico. Quando o estranho chorava, os cães apresentavam reações de maior estresse, explica Julia Meyers-Manor, coautora do estudo e professora associada de psicologia da Faculdade de Ripon, em Ripon, estado do Wisconsin.

“Toda empatia possui algum componente de emoção contagiante”, explica Meyers-Manor. “De certa forma, do ponto de vista cognitivo, reconhecer a emoção de outro ser vivo é mais complexo, ao passo que sentir sua emoção é mais simples.”

Durante uma conversa, sem se darem conta, os humanos tendem naturalmente a imitar as expressões faciais, a postura e a linguagem corporal do outro. Isso contribui para que acabem por compartilhar dos mesmos sentimentos. Os movimentos musculares incrementais envolvidos nesse fenômeno produzem uma sensação real no cérebro, ativando neurônios-espelho — células cerebrais que reagem quando uma ação específica, como sorrir, é realizada e quando ela é observada — e evocando a emoção como se você estivesse sentindo-a naturalmente. Esse rápido mimetismo também ocorre em cães quando eles interagem ou brincam uns com os outros e também pode ser ativado quando interagem com pessoas.

Afinal, quando cães e humanos estão com raiva, a feição muda, os dentes ficam cerrados e o corpo fica tenso, destaca Meyers-Manor. Isso significa que, uma pessoa na presença de um cachorro zangado ou com raiva, pode, inconscientemente, refletir as expressões faciais ou a linguagem corporal do cão e acabar se sentindo da mesma maneira, e vice-versa. “Devido à nossa estreita conexão com os cães, evoluímos para detectar os sinais emocionais uns dos outros de maneiras diferentes das de outras espécies”, aponta Meyers-Manor.

Por muitos anos, os pesquisadores presumiram que, com a domesticação dos cães, a possibilidade de contágio emocional atuava como um mecanismo de sobrevivência — se os cães fossem capazes de ler e compartilhar das emoções de seus donos, eles seriam mais bem cuidados. Mais recentemente, esse pensamento mudou. Um estudo recente publicado na revista científica Scientific Reports demonstrou que é o vínculo e as experiências de vida entre os cães e seus donos que são responsáveis pela liberação de oxitocina durante as interações. Além disso, um estudo publicado em uma edição de 2019 do periódico Frontiers in Psychology constatou que a extensão em que o contágio emocional ocorre entre humanos e seus companheiros caninos aumenta conforme o tempo que passam juntos no mesmo ambiente.

Expressões faciais e odor corporal 

Fatores sensoriais também podem influenciar o contágio emocional entre as pessoas e seus cachorros. Segundo especialistas, os cães conseguem ler as expressões faciais e os sinais corporais dos seres humanos muito bem. Embora algumas pesquisas tenham descoberto que os cães se concentram mais nas expressões corporais de emoção do que nas evidências faciais de humanos e outros cães, outros estudos revelaram que os cães processam as expressões faciais humanas de maneira semelhante à nossa. Um estudo publicado em uma edição de 2018 da revista científica Learning & Behavior constatou que os cães reagem a seis expressões faciais diferentes nos humanos que refletem as seguintes emoções básicas: raiva, medo, felicidade, tristeza, surpresa e nojo, em conjunto com mudanças no olhar e frequência cardíaca.

“Sabemos que cães e humanos sincronizam seu comportamento — os cães geralmente correspondem aos movimentos naturais de seus donos — então, o fato de eles sincronizarem suas emoções não é surpreendente”, afirma Monique Udell, comportamentalista animal e professora associada de ciência animal na Universidade do Estado de Oregon, em Corvallis. “Os cães nos observam atentamente — eles prestam atenção ao nosso olhar e linguagem corporal, como também aos sons que emitimos e odores que exalamos.”

Na questão auditiva, a pesquisa constatou que os cães reagem de forma diferente quando escutam expressões de angústia, como choro, ou sons positivos, como risadas, e quando escutam outras vocalizações ou sons não humanos. Quando são expostos a esses sons humanos, os cães ficam mais propensos a olhar ou se aproximar de seu dono ou de quem está emitindo o som.

Com relação ao olfato, “os cães são muito sensíveis ao odor corporal — eles utilizam esse sentido para detectar diabetes e possivelmente epilepsia nas pessoas”, revela Wynne. Em um estudo publicado em uma edição de 2018 do periódico Animal Cognition, os pesquisadores realizaram um experimento no qual labradores e golden retrievers foram expostos a amostras de três odores do corpo humano — representando medo, felicidade e uma emoção neutra. Para obter as amostras, os pesquisadores induziram essas emoções específicas em participantes do sexo masculino e, em seguida, coletaram amostras de odores de suas axilas. Os odores foram então pulverizados através de um dispensador especial em um espaço onde os cães pudessem se mover livremente na presença de seus donos ou estranhos. Quando os cães foram expostos ao odor referente ao medo, eles exibiram comportamentos mais estressantes e batimentos cardíacos mais acelerados do que na presença de odores “felizes”; os cães também se interessavam mais pelos estranhos quando o odor referente à felicidade era pulverizado.

Quando os cães captam emoções humanas, “muitas vezes usam sinais compostos, que incluem informações provenientes de uma combinação de sentidos, incluindo visão, audição, olfato e, por vezes, tato, se alguém estiver nervoso”, conta Marc Bekoff, professor emérito de ecologia e biologia evolutiva na Universidade de Colorado, em Boulder, e autor do livro A Dog’s World: Imagining the Lives of Dogs in a World Without Humans (O mundo dos cães: imaginando a vida dos cães em um mundo sem humanos, em tradução livre).

Mas é importante lembrar que nem todos os cães são exatamente iguais do ponto de vista psicológico, fisiológico ou social, acrescenta ele. “Os cães são indivíduos e é preciso saber quem eles são”, reitera Bekoff. “Eu sempre digo às pessoas: você tem que ser fluente na linguagem dos cães.” Bekoff diz que os donos devem ficar atentos ao que seus cães estão tentando lhes dizer com seus latidos, outras vocalizações, expressões faciais e linguagem corporal.

Uma via de mão dupla?

Em geral, o conjunto de emoções que os cães conseguem sentir é provavelmente mais limitado do que o da maioria dos humanos. “Não acredito que as emoções dos cães sejam muito complexas”, opina Wynne. “Eles têm emoções primitivas, incluindo as afetuosas, como felicidade e empolgação, e as frias, como medo e ansiedade.” Além disso, existem muitas incógnitas, e um dos desafios de fazer esse tipo de pesquisa é que os cães não podem dizer exatamente como estão se sentindo em determinado momento.

Também não está claro se os humanos podem captar as emoções de seus cães porque os estudos não avaliaram essa questão, embora alguns especialistas acreditem que seja altamente possível. “Certamente sinto que a felicidade do meu cachorro pode melhorar meu humor”, afirma Wynne, autor de Dog Is Love: Why and How Your Dog Loves You. (Cães amam: por que e como seu cachorro o ama, em tradução livre). Bekoff concorda: “eu acredito que captamos as emoções deles também. Às vezes é mais fácil captar o medo e o estresse. No entanto também é fácil identificar se os cães estão felizes quando correm até nós com o rabo abanando e as orelhas para a frente, e não para trás”.

Os humanos, independentemente de possuírem um cão como animal de estimação ou não, conseguem muito bem em identificar emoções positivas e negativas nas expressões faciais dos caninos. Isso acontece em parte porque, de acordo com as descobertas das pesquisas, as mudanças nas expressões faciais que refletem estados emocionais específicos são comuns a ambas as espécies.

Um exemplo que sugere que o estresse e a tensão podem ser contagiantes entre ambas as espécies envolve a reatividade quando a coleira está em uso: se o cão late, rosna ou ataca outros cães, pessoas ou carros durante o passeio, o dono pode ficar envergonhado ou estressado, deixando-o tenso e exacerbando o medo e a ansiedade do cão. Isso, por sua vez, “pode ser um gatilho para o cão ter esse comportamento novamente”, explica Udell, o que pode levar a um ciclo vicioso.

Ainda assim, o fato de cães e seus donos compartilharem dos altos e baixos emocionais um do outro tende a ser benéfico principalmente porque ajuda a criar conexões mais profundas, além de ser importante para a sobrevivência. “Considerando nossos ancestrais, era uma questão de vida ou morte que os cães pudessem alertá-los sobre algo para que pudessem agir rapidamente”, diz Wynne. “Esse benefício é mutuamente vantajoso para ambas as espécies.”

Compartilhar um lar, uma vida, uma família e atividades contribui para a qualidade da conexão entre humanos e cachorros. Compartilhar dos sentimentos um do outro “nos ajuda a compreender melhor um ao outro, facilita a formação de vínculo e sua manutenção ao longo do tempo”, conclui Bekoff. “Quando cães e humanos compartilham das mesmas emoções, criam um relacionamento social.” Uma relação forte que une cão e dono — muitas vezes para o resto da vida.

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