Gato selvagem africano adaptou-se surpreendentemente bem à vida na cidade grande

Caracais aprenderam a caçar ao redor dos limites urbanos da Cidade do Cabo, embora o predador encare muitas ameaças, como ser atropelado por carros.

Por Heather Richardson
Publicado 27 de nov. de 2021, 07:00 BRT
caracal hermes

Hermes é um caracal macho conhecido por ter se tornado altamente habituado às pessoas.

Foto de Jay Caboz

CIDADE DO CABO, ÁFRICA DO SUL O caracal sentou-se na trilha a nossa frente, aparentando estar calmo enquanto observava nosso grupo de três andarilhos bufar na subida da montanha mais baixa em uma tarde quente de outubro.

As luzes da Cidade do Cabo brilhavam abaixo, enquanto a pura face da Table Mountain elevava-se de um lado. Ficamos parados, esperando o animal se retirar. Ao invés disso, ele trotou por nós, a zona iluminada por nossas lanternas de cabeça iluminando o seu pelo laranja amarronzado; olhos arredondados e pálidos; e suas distintas orelhas grandes e pontudas cobertas com longos tufos pretos. Parando para uma breve olhada para trás, o felino de pernas compridas desapareceu nos arbustos.

Soubemos imediatamente que era o Hermes - um caracal habituado aos humanos, que frequentemente é visto por caminhantes e corredores de trilha ao redor dos 25 hectares do Parque Nacional Table Mountain, que fica dentro dos limites da capital sul africana. O caracal que tinha entre quatro e cinco anos, tornou-se o cartão postal para a conservação da vida selvagem na Cidade do Cabo, uma cidade na Península do Cabo, cuja população cresceu de 1,1 milhão em 1970 para 4,7 milhões atualmente. A metrópole litorânea, com sua montanha no meio da cidade, abriga uma pletora de vida selvagem urbana, desde babuínos a cobras e pinguins.

Gatos tímidos e geralmente noturnos, encontrados na paisagem de toda a África e Ásia, os caracais não correm risco de extinção. Mas os caracais na Cidade do Cabo são notórios de outra forma: eles são os maiores predadores da região, já que os leopardos foram extintos da Península do Cabo no começo do século 20. Nativos da península, apenas recentemente os caracais foram vistos se aventurando nas áreas mais urbanas, atraídos pelas presas fáceis de capturar, como os roedores da família Otomys irroratus e as aves da família Numididae , diz Gabriella Leighton, uma pesquisadora da Universidade da Cidade do Cabo, que liderou um estudo recente sobre o comportamento dos caracais. Os cientistas estimam que provavelmente há cerca de 60 caracais na Península do Cabo a qualquer momento.

"Eles são predadores de oportunidade - eles pegarão o que estiver mais fácil", diz Leighton.

O Hermes viaja pelo Parque Nacional Table Mountain.

Foto de Hilton Davies

Os impressionantes felinos de 45 centímetros se acostumaram com as pessoas, eles foram vistos em todas as áreas naturais da cidade, passando pelas trilhas de caminhada altamente trafegadas, pelo Jardim Botânico de Kirstenbosch e até a praia de Clifton durante o pôr do sol.

Muitos dos gatos - especialmente aqueles na parte ao norte e mais desenvolvida da Table Mountain (onde eu encontrei o Hermes) - preferem caçar ao redor dos limites urbanos, que incluem subúrbios, estradas e vinhedos. Entretanto, isso é arriscado, já que tais áreas representam uma ameaça aos animais, particularmente de serem atropelados por carros - a maior causa de mortes dos caracais da Cidade do Cabo. Os gatos encaram outros problemas, em menor grau, como venenos, ataques de cachorros e armadilhas, diz Laurel Serieys, uma bióloga de vida selvagem na organização conservacionista Panthera, que fundou o Projeto Caracal Urbano da Cidade do Cabo em 2014. Uma falta de diversidade genética, devido ao desenvolvimento urbano ter cercado o animal, também é uma grande ameaça para o futuro do caracal na cidade, ela diz.

Mesmo assim, caracais "conseguem se adaptar à atividade humana de formas que não esperamos", diz Serieys, como ajustar seus comportamentos para evitarem serem vistos por pessoas em áreas movimentadas. "Essa foi uma surpresa bem legal."

A pesquisa também mostra que os caracais das áreas menos desenvolvidas da parte sul da península tendem a evitar as periferias urbanas, mostrando como seus comportamentos mudam em diferentes ambientes.

Até agora, a maioria dos capetonianos acolheram os caracais, adotando o papel de cidadão cientista ao reportar as aparições do caracal (assim como animais mortos em estradas) para o Projeto Caracal Urbano. Apesar de alguns caracais terem matado gatos domésticos, a pesquisa mostra que os caracais da Cidade do Cabo caçam predominantemente presa selvagem.

Estabelecendo os alicerces

Antes de 2014, ninguém tinha estudado os caracais da península, Serieys diz, em grande parte porque as pessoas duvidavam que eles estivessem lá. Ela teve que convencer os Parques Nacionais da África do Sul para que a concedessem uma licença para estudar uma população que eles não achavam que existia na Table Mountain.

Desde então, Serieys e seus colegas aprenderam mais sobre os movimentos dos gatos urbanos, suas dietas, genéticas e ameaças. Eles colocaram coleiras de GPS em 26 caracais, conduziram necropsias, montaram armadilhas fotográficas pela cidade e coletaram fotos e vídeos das aparições de caracal em público.

"É importante ir e aprender o que tem lá e quais ameaças existem para esses animais", diz Serieys.

Até agora, seus resultados mostram que a colisão de veículos foi responsável por mais de 70 por cento das mortes registradas de caracais na Cidade do Cabo entre 2015 e 2020. Veneno é outro perigo: Noventa e dois por cento dos caracais mortos testados pela Serieys tinham consumido rodenticidas anticoagulantes, uma contaminação frequentemente fatal.

Caracais são pegos em armadilhas colocadas para capturar presas menores ou são vítimas de cachorros, que também podem transmitir doenças como a parvovirose canina, de acordo com Serieys.

Para reduzir o atropelamento de caracais, em janeiro, a equipe do projeto instalou placas reflexivas alertando sobre o caracal ao longo de sete locais comuns de atropelamentos na Cidade do Cabo, embora ainda tenham que coletar dados que mostrem se isso está funcionando para reduzir as mortes. A equipe também sugeriu que a cidade coloque lombadas nos locais de frequente cruzamento de caracal.

Protegendo pinguins ameaçados

Embora os animais domésticos representem menos de quatro por cento da dieta do caracal, de acordo com o estudo, alguns residentes da Cidade do Cabo são a favor de gatos selvagens em seu meio.

Muitos capetonianos se adaptaram à vida com caracais, mantendo seus animais domésticos dentro de casa à noite ou erguendo "catios", espaços fechados onde os gatos podem aproveitar o ar livre com segurança. Ambas as medidas são recomendadas pelo Projeto Caracal Urbano.

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    Os caracais aprenderam a viver escondidos à vista de todos ao longo do limite urbano, que inclui subúrbios, vinhedos e estradas.

    Foto de Luke Nelson

    Em alguns eco-estados da Cidade do Cabo - empreendimentos residenciais suburbanos que se denominam como ecologicamente corretos - alguns residentes exigiram a remoção dos caracais da área, tanto em reuniões de bairro quanto nas redes sociais.

    Capturar um caracal e soltá-lo em uma nova localidade raramente funciona, de acordo com os biólogos do Projeto Caracal Urbano, em parte porque outro caracal provavelmente o substituirá.

    É exatamente o que aconteceu, em 2016, em Boulders Beach, um bolsão do Parque Nacional Table Mountain em um subúrbio do sul da Cidade do Cabo, que abriga uma colônia de 2.000 a 3.000 pinguins africanos ameaçados de extinção.

    Uma caracal fêmea que havia encontrado a colônia de pinguins foi capturada e retirada do local e ela se estabeleceu em uma área próxima ao local de soltura. Entretanto, seu filhote a substituiu na colônia e evitou a captura por quase um ano, matando cerca de 260 pinguins. Eventualmente, ele foi deslocado para uma reserva natural aberta próxima da baía, mas poucos dias depois ele deixou a área protegida e foi atropelado por um carro.

    Felizmente, não há evidências que os caracais busquem ativamente os pinguins, mas quando acontece deles cruzarem uma colônia, "é como uma criança em uma loja de doces", diz Gregg Oelofse, chefe de gestão ambiental costeira da Cidade do Cabo. A cidade trabalha com os Parques Nacionais da África do Sul em questões como a predação dos caracais em Boulders, já que envolve terras tanto da cidade quanto do parque.

    Enquanto esperava por Oelofse no estacionamento de Boulders, vi pinguins vagando entre os veículos, parecendo despreocupados com o trânsito ou com os humanos. A falta de instinto deles quanto ao perigo terrestre - pinguins africanos vivem principalmente em ilhas - é uma das razões da colônia de Boulders precisar de tanta proteção.

    Hoje em dia, se um caracal entra na colônia de pinguins, o protocolo é capturá-lo e matá-lo, já que os pinguins são a prioridade de conservação. Entretanto, esse é o pior cenário, Oelofse me conta, e a prevenção é o foco.

    Para isso, a cidade instalou uma cerca a prova de predadores, com concertinas no topo para dificultar a passagem dos caracais. Até agora, isso tem se mostrado um sucesso em impedir os habilidosos saltadores, ele diz.

    Usando seu telefone, Oelofse me mostrou fotos da armadilha fotográfica tiradas ao longo da cerca: Em uma, um caracal trota ao longo da cerca, para longe da costa, como pretendido. Em outra, eu não conseguia nem mesmo ver o gato bem camuflado até Oelofse apontar um par de orelhas pontudas e de tufos pretos na foto.

    Sem espaço para vagar

    Como uma população isolada, os caracais também estão ameaçados por seu restrito fundo genético. Serieys tem dados não publicados mostrando que os cerca de 60 caracais da península estão realizando cruzamentos consanguíneos - algo que reduz a saúde da população local, eventualmente levando-os à extinção.

    Isso acontece porque a terra ao redor da Table Mountain foi ocupada a um ponto que a maioria da vida selvagem está agora restrita, não conseguindo mais se dispersar para dentro ou para fora da montanha para ampliar seu fundo genético.

    O último corredor disponível da Table Mountain é uma faixa estreita ao redor de False Bay, mas também é um local em potencial para desenvolvimento residencial.

    "Queremos manter esses corredores e esses cinturões verdes, mas também precisamos fazer concessões para permitir as comunidades [desenvolverem]", diz Oelofse. É parte da luta constante de "tentar encontrar um bom equilíbrio" entre as pessoas e a vida selvagem.

    Para o raro caracal que chegar à península vindo de fora da cidade, reivindicando uma área e, em seguida, procriando, será "super difícil" entre os indivíduos já estabelecidos, diz Serieys.

    Os caracais da Cidade do Cabo, ela diz, "ainda têm muitos desafios pela frente".

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