Como salvar o lobo-vermelho da extinção — pela segunda vez

Após registrar aumento por décadas, a última população de lobos-vermelhos selvagens do mundo despencou. É possível retomar as medidas de conservação e salvar essa espécie criticamente ameaçada de extinção?

Por Meaghan Mulholland
fotos de Jessica A. Suarez
Publicado 15 de dez. de 2021, 07:00 BRT
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Um lobo chamado Apollo uiva ao lado de sua família no Reflection Riding Arboretum and Nature Center em Chattanooga, estado do Tennessee, Estados Unidos. Embora provavelmente nunca seja solto na natureza, é possível que os dois filhotes machos que ele e sua parceira tiveram em 2021 levem uma vida fora dali.

Foto de Jessica A. Suarez

Com uma população total de menos de 20 indivíduos, o lobo mais ameaçado do mundo vive apenas em uma pequena área dentro e nos arredores dos Refúgios Nacionais de Vida Selvagem do Rio Alligator e dos Lagos Pocosin, no leste da Carolina do Norte, Estados Unidos.

Chamado de “lobo da América”, o lobo-vermelho (Canis rufus) é o único grande predador cuja distribuição histórica ocorre em todas as regiões dos Estados Unidos, estendendo-se do Texas à Nova Inglaterra. Mas a caça gradualmente reduziu seu alcance e a espécie foi declarada extinta na natureza em 1980. Em um experimento inovador e bem-sucedido, oito lobos cativos foram soltos em 1987 na Carolina do Norte, os quais se expandiram e geraram uma população de mais de 100 indivíduos. Mas a caça ilegal e as mudanças no controle determinadas pelo Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos resultaram na redução desses números.

No primeiro semestre deste ano, conservacionistas comemoraram uma pequena vitória quando quatro filhotes nascidos em cativeiro foram colocados em uma toca e adotados com êxito por uma mãe lobo-vermelho selvagem. Além disso, outros quatro adultos foram soltos na natureza. Os filhotes ainda estão vivos e saudáveis, mas os adultos não se saíram tão bem. Nos meses após a soltura, três foram atropelados por carros e morreram, e o quarto foi morto a tiros em terras privadas.

Para aumentar a população após essas mortes, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos anunciou em novembro que planeja soltar, até o começo do ano que vem, nove lobos-vermelhos adultos na área de recuperação designada, que abrange dois refúgios de vida selvagem e seus arredores. O Serviço também anunciou recentemente que retiraria uma proposta de 2018 de reduzir a área protegida dos lobos-vermelhos na Carolina do Norte em 90%, depois que um processo judicial acusou a agência de violar a Lei de Espécies Ameaçadas.

Ron Sutherland, da Wildlands Network, localizada no último refúgio do lobo-vermelho na Carolina do Norte, reforça a importância de a agência ter retirado essa proposta equivocada. No entanto, “a situação agora é ainda mais urgente do que era em 2018 — isso fará com que a comunidade conservacionista dos Estados Unidos declare estado de crise para salvar essa espécie e eliminar o risco de extinção”.

“Estamos empenhados em continuar a trabalhar com as partes interessadas para encontrar maneiras de incentivar e facilitar uma coexistência mais eficaz entre as pessoas e os lobos-vermelhos”, escreveu Emily Weller, responsável pela recuperação do lobo-vermelho no Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos, em um e-mail para a National Geographic.

Leia abaixo as últimas iniciativas de conservacionistas, pesquisadores e do governo dos Estados Unidos para ajudar a recuperar os lobos-vermelhos ameaçados, como libertar mais lobos de cativeiros, prepará-los melhor para a vida selvagem, tentar reduzir colisões com veículos e educar os moradores locais sobre essa espécie criticamente ameaçada de extinção.

Nascido para ser selvagem

Além da pequena população atual na Carolina do Norte, cerca de 240 lobos-vermelhos agora vivem sob cuidados humanos em zoológicos e reservas em todo o país. Essas instalações fazem parte do Plano de Sobrevivência de Espécies (SSP, na sigla em inglês) do lobo-vermelho, que inclui reprodução em cativeiro para ajudar a reconstruir sua população e manter a diversidade genética.

Chris Lasher, supervisor de tratamento animal do Zoológico da Carolina do Norte em Asheboro e coordenador do SSP dos lobos-vermelhos, declara que os pesquisadores gostariam de aumentar a população em cativeiro para um total de 400 indivíduos, um passo importante para prevenir a extinção da espécie.

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    Ruby, uma loba-vermelha do Reflection Riding Arboretum and Nature Center, repousa dentro de seu habitat. Os pesquisadores esperam aumentar a população em cativeiro, atualmente em torno de 240 indivíduos, para que mais possam ser libertados na natureza.

    Foto de Jessica A. Suarez

    Contudo, de acordo com defensores como Sutherland e a organização ambiental sem fins lucrativos Southern Environmental Law Center, cujo processo judicial instaurado por grupos conservacionistas instigou as recentes solturas determinadas pela justiça, mais lobos precisam ser soltos futuramente. Essas solturas precisam continuar “até que a população selvagem atinja de 40 a 50 animais novamente e dê sinais de desenvolvimento”, observa ele. Ao atingir esses números, as populações de lobos-vermelhos podem ser mais bem-sucedidas “integrando filhotes nascidos em cativeiro a ninhadas selvagens, em vez de libertar lobos adultos e adolescentes”.

    Isso inclui adultos e filhotes. A melhor forma de os lobos-vermelhos aprenderem sobre o ambiente onde vivem é com os pais, que idealmente passariam adiante toda a sabedoria adquirida sobre evitar estradas, caçar e procurar abrigo. Entre os lobos-vermelhos, o processo de integração de filhotes tem 100% de êxito e ajuda a promover a diversidade genética na população.

    Contudo é um processo difícil e demorado e deve haver ninhadas selvagens na natureza para que seja possível. O programa de recuperação do lobo-vermelho, iniciado em 1987, só não teve filhotes nascidos na natureza em 2019 e 2020. Mas o esforço de integração de filhotes em 2021 parece ter sido um sucesso e resta saber se alguns dos casais a serem soltos na natureza até o fim do ano produzirão mais ninhadas no primeiro semestre de 2022.

    Preparar melhor os lobos para a soltura é outro processo contínuo. Para isso, os animais são mantidos em grandes recintos contendo características do habitat selvagem. É difícil ensiná-los a se manter longe das estradas — mas os tratadores fazem tentativas cuidadosas com possíveis formas de “reforço negativo”, como fazer com que associem ruídos de carro a experiências um tanto estressantes, como quando realizam exames veterinários. Em contrapartida, o reforço positivo utiliza ferramentas como novos odores, objetos naturais, sons de animais gravados, alimentos escondidos e carcaças inteiras de presas para fornecer estímulo mental e físico, explica Regina Mossotti, Diretora de Animais do Centro de Lobos Ameaçados de Extinção em Eureka, estado do Missouri, Estados Unidos.

    Os horários de alimentação são variados para evitar que os lobos-vermelhos em cativeiro associem humanos a alimento. Segundo Lasher, quando possível, também são alojados em grupos familiares “semelhante ao que aconteceria na natureza”.

    O Serviço de Pesca e Vida Selvagem também está desenvolvendo estratégias para reduzir atropelamentos por veículos, investindo em sinalização para motoristas, travessias para animais selvagens, refletores de estrada e condicionamento aversivo — medida que ensina os lobos-vermelhos a evitar carros e estradas, de acordo com a agência. Para os lobos-vermelhos que ainda serão soltos, o Serviço também planeja modificar os colares de rastreamento, passando a incluir um material reflexivo laranja, tornando os animais mais visíveis nas estradas à noite e mais facilmente identificáveis para os caçadores.

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      Estes colares de rastreamento danificados foram retirados de lobos-vermelhos mortos em colisões com veículos no ano de 2021. Os atropelamentos são uma das principais causas de morte de lobos-vermelhos selvagens.

      Foto de Jessica A. Suarez

      As próximas solturas, assim como as programadas para o fim deste ano e início do ano que vem, também ocorrerão fora da temporada de cultivo agrícola, quando deve haver menos tráfego nas estradas agrícolas próximas, bem como na Highway 64, principal rota até Outer Banks, um destino popular de férias. Em coordenação com o Departamento de Transporte do estado, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem comprou quatro painéis eletrônicos portáteis para serem instalados em diversos locais com mensagens de alerta pedindo cautela aos motoristas.

      Em novembro, um projeto de lei de US$ 1,2 trilhão para infraestrutura foi aprovado pelo Senado e assinado pelo presidente Biden. O projeto prevê US$ 350 milhões para ajudar os estados a financiar a construção de travessias para animais selvagens. Também inclui um estudo nacional sobre colisões de veículos com animais silvestres e orientações sobre como evitá-las ou reduzi-las. Travessias para animais selvagens são construídas sobre ou sob as estradas existentes e têm se mostrado eficazes na redução de fatalidades causadas por veículos — mas são caras. Os recursos federais recém-designados podem permitir que o Departamento de Transporte do estado acrescente algumas na Highway 64, que atravessa o refúgio. Algumas já foram projetadas pelo governo estadual.

      Sobrevivência

      Para salvar os lobos-vermelhos é fundamental ajudar as pessoas a entenderem que a espécie pertence à natureza e não representa uma ameaça à vida humana.

      Os lobos-vermelhos são legalmente protegidos pela Lei de Espécies Ameaçadas, mas um estudo recente publicado na revista científica Biological Conservation constatou que uma pequena quantidade de pessoas presente na área de recuperação da espécie representa o principal fator que a leva à sua extinção. Apesar de a maioria dos moradores relatar impressões positivas sobre os lobos-vermelhos, 11% dos caçadores da área disseram que, se encontrassem um lobo, o matariam. Entre outros grupos conservacionistas, a Wildlands Network trabalha há anos na conscientização sobre os lobos-vermelhos — eles não são perigosos para os humanos e não prejudicam os recursos naturais locais

      Um lobo-vermelho selvagem em um campo ao amanhecer no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Rio Alligator, na Carolina do Norte.

      Foto de Jessica A. Suarez

      Agências federais e grupos conservacionistas esperam trabalhar em parceria por meio de programas de extensão, alguns dos quais têm sofrido restrições devido à pandemia. Isso inclui sessões virtuais informativas, outdoors e outras campanhas publicitárias, bem como o Prey for the Pack, um programa em que proprietários de terras locais recebem incentivos caso concordem em criar e manter um habitat benéfico aos lobos-vermelhos e permitir que circulem em sua propriedade. O Serviço de Pesca e Vida Selvagem agora tem cerca de 400 hectares de terras privadas que fazem parte do Prey for the Pack e está trabalhando para garantir mais, declarou a agência em um comunicado por e-mail.

      Recentemente, o Serviço montou uma equipe de especialistas para desenvolver um plano de recuperação atualizado para o lobo-vermelho, que em grande parte terá que envolver reintroduções mais bem-sucedidas. O plano também incluirá pesquisas em outros possíveis locais abrangidos pela distribuição histórica do lobo-vermelho — além do leste da Carolina do Norte — onde uma população selvagem poderia prosperar.

      O Serviço também afirma que está retomando a castração de coiotes para ajudar os lobos-vermelhos a manterem o território e evitar a hibridização — uma medida bem-sucedida que havia sido interrompida nos últimos anos.

      Embora possa parecer que os esforços de recuperação do lobo-vermelho tenham, de certa forma, “recomeçado do zero”, já que a espécie quase recuperada está novamente à beira da extinção, biólogos e especialistas adquiriram bastante conhecimento nas últimas três décadas sobre o que deve ser feito para que os lobos-vermelhos prosperem.

      Apesar dos lamentáveis erros, contratempos e desafios que ainda temos pela frente, Mossotti diz que é inspirador ver muitas pessoas “trabalhando para ajudar a restaurar a espécie à sua distribuição nativa... e encontrando novos motivos para ter esperança”.

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