Descoberto o morcego “arquiteto”: ele constrói a própria casa, inclusive em florestas no Brasil
Exploradores de NatGeo foram a campo para estudar os morcegos de tenda, que vivem em diversos países da América Latina – e têm papel essencial na natureza.
Um morcego de tenda sai de uma folha onde criou seu lar na companhia de outros membros de sua comunidade.
No coração das selvas latino-americanas, os morcegos surpreendem com um comportamento muito peculiar que os torna “heróis paisagistas” da natureza. Conhecidos como morcegos de tendas, esta espécie de mamíferos é pouco conhecida e habita o neotrópico (a região tropical do continente americano) e o leste da Ásia. Eles são considerados verdadeiros “arquitetos das folhas”.
Durante dois anos, um grupo de oito Exploradores de National Geographic realizou um grande estudo nas selvas de México, Guatemala, Costa Rica, Equador, Peru e também do Brasil para investigar a fundo o comportamento dos morcegos de tendas.
A partir daí, as descobertas sobre este mamífero deixaram os investigadores sem fôlego e inspirou um curta-metragem documental, além de fotos, vídeos e ilustrações que serão reunidos em um livro dedicado ao estudo.
Saiba mais sobre esses pequenos mamíferos impressionantes e mergulhe na pesquisa que mudará a maneira como as pessoas enxergam e valorizam os morcegos.
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Os morcegos de tenda vistos através dos olhos do biólogo Bernal Rodríguez, que dedicou décadas ao estudo desses construtores de casas. O documentário "Arquitetos das Folhas" mostra comportamentos surpreendentes capturados pela primeira vez em câmera.
Os exploradores da National Geographic coletaram dados em Quintana Roo, no México; em cinco localidades da Guatemala; em três localidades da Costa Rica; em uma localidade do Equador (Yasuní); em duas localidades do Peru (Tarapoto e Madre de Dios); e em duas do Brasil (Amazônia Central e norte da Mata Atlântica).
Como são e onde vivem os morcegos de tendas?
“Os morcegos de tendas são espécies tropicais, quase todos comem frutas (exceto um) e, em geral, são de tamanho médio e pequeno”, descreve Bernal Rodríguez Herrera, professor e pesquisador da Escola de Biologia da Universidade da Costa Rica, Explorador da National Geographic e líder do projeto “Arquitetos das Folhas”.
Na região do neotrópico, são conhecidas 21 espécies desse grupo de morcegos, compreendidas em nove gêneros, embora os cientistas estejam em processo de publicar um novo gênero. No leste asiático, por sua vez, foram registradas quatro espécies compreendidas em dois gêneros.
Bernal Rodríguez Herrera estuda há mais de três décadas os morcegos brancos de tendas, um trabalho que exigiu anos de paciência e engenhosidade para descobrir sua incrível biologia. Muito do que se sabe sobre esses pequenos seres voadores é devido ao trabalho dele, e àqueles que se inspiraram em suas descobertas para dar continuidade a um legado de pesquisa.
Como são as casas criadas pelos morcegos de tendas
O nome desse grupo de morcegos não é meramente ilustrativo, é um reflexo de uma qualidade única: serem construtores habilidosos.
Entre o verde denso das florestas tropicais da América Latina, os pequenos morcegos formam grupos com outros que não são necessariamente parentes e, juntos, eles constroem suas casas com delicadeza. Com uma habilidade excepcional, selecionam as folhas mais adequadas de cada planta e fazem cortes precisos para obter um abrigo que os proteja do frio, das chuvas e dos predadores.
Cada corte nas folhas feito pelos morcegos de tenda é preciso: eles não cortam as folhas completamente fazendo com que ela mude de posição e permaneça viva por muito tempo.
Os morcegos de tendas refugiam-se no interior de uma folha modificada para criar “casas” que os protegem das intempéries e dos predadores.
Alguns constroem casas com designs simétricos, outros escolhem estilos mais minimalistas, atuando como verdadeiros arquitetos — e demonstrando que a criatividade não é exclusividade dos humanos. “Existem variações nas arquiteturas em uma mesma espécie de planta e pela mesma espécie de morcego”, explica o explorador da National Geographic. “Isso significa que há plasticidade na construção”.
Existem tendas de uma única folha nas quais os morcegos fazem cortes em cada lado para criar dobras e formar uma cobertura alongada e impecável. Também existem outras construções mais elaboradas, como as tendas cônicas, nas quais os animais cortam diferentes folhas que se acumulam entre si, gerando um modelo como de um cone.
Nesta ilustração, é possível observar uma casa cônica criada por morcegos de tendas.
No total, até agora, os cientistas identificaram oito estilos diferentes de construções em cerca de 100 espécies de plantas, mas Bernal acredita que novas arquiteturas podem surgir.
Como Bernal explica no documentário “Arquitetos das Folhas”, “os morcegos cortam a base das folhas, mas não as serram completamente, apenas raspam um pouco até que a folha caia. Isso faz com que o fluxo de água e nutrientes seja mantido”. Dessa forma, a folha não morre, mas muda de posição e permanece viva por muito tempo.
Os morcegos de tenda não constroem apenas casas, mas criam verdadeiras comunidades. “Percebemos que, quando se encontra uma tenda, outras aparecem ao redor. Podem até aparecer tendas de outras arquiteturas”, descreve o biólogo costa-riquenho no documentário. “Eles começam a construir uma casa, depois outra e outra, e forma-se um conjunto que é um bairro, assim como nós fazemos”.
“Eles devem zelar por construir em um local seguro, por uma casa que os proteja do clima, da chuva, da luz e da temperatura, em uma área onde exista alimento. Todas essas decisões que os morcegos devem tomar são semelhantes às nossas”, afirma Rodríguez Herrera em conversa exclusiva com a NatGeo.
Para este explorador, a semelhança com o que fazem os humanos, para quem os lares também são fundamentais, pode ser uma forma de criar empatia com um animal que possui má reputação e em torno do qual ainda existem muitos mitos.
Um morcego de tenda se alimenta de um figo grande: este animal é capaz de carregar sementes que pesam até 80% do seu peso.
A equipe da National Geographic está registrando e catalogando as espécies de sementes que esses morcegos dispersam, já que depois de comer as frutas, os morcegos de tenda deixam sementes limpas prontas para germinar.
Os morcegos de tendas dispersam sementes pequenas e grandes, incluindo algumas de espécies de árvores importantes, o que mantém a floresta viva.
Como os morcegos de tenda espalham sementes pela mata
Quando a noite cai, os morcegos voam das profundezas da selva em busca de figos silvestres grandes. “É como se um humano viajasse seis quilômetros carregando um saco de batatas de 50 quilos na boca”. Uma vez em suas folhas, eles se alimentam desses frutos, que parecem enormes quando os seguram entre suas pequenas asas.
Após um rico banquete, os morcegos de tenda soltam as sementes prontas para germinar no solo da floresta, garantindo que mais árvores povoem esse ecossistema e a floresta seja preservada. Apesar de seu pequeno tamanho, estas espécies são capazes de dispersar frutos com sementes grandes que têm até 80% do seu peso.
Depois que os morcegos de tendas se alimentam, as sementes chegam às comunidades locais, que encontram um espaço em suas casas para plantar árvores nativas amigáveis a esses animais, gerando um círculo virtuoso para manter a diversidade das florestas latino-americanas.
“Tal como os humanos, esses morcegos devem buscar um local seguro. Isso pode criar uma forma de empatia com um animal em torno do qual existem muitos mitos.”
Onde assistir a “Arquitetos das Folhas”, produção da National Geographic com imagens inéditas dos morcegos de tenda
“Arquitetos das Folhas”, um projeto interdisciplinar de alto nível que reuniu pesquisa, fotografia, vídeo e ilustração, foi financiado pela bolsa Meridian de National Geographic Society com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre estas espécies de morcegos, estudando seus habitats, os tipos de plantas que utilizam para construir seus ninhos e seus diversos projetos arquitetônicos em México, Brasil e Peru.
Durante a pesquisa, a equipe de exploradores da National Geographic liderada por Bernal Rodríguez Herrera e integrada pelos estudiosos Rodrigo Medellín, Ana Lucía Arévalo, Giuliana Appel, Emi Kondo, Daniela Cafaggi, Juan Carlos Vargas Mena e Armando Vega registrou e catalogou as espécies de sementes que esses morcegos dispersam.
Eles capturaram, pela primeira vez em câmera, as imagens de morcegos-mães com filhotes recém-nascidos, registros inéditos que o público poderá ver no curta-metragem documental realizado pelos exploradores Emi Kondo e Thomas Poole, a ser transmitido em diferentes países e festivais.
“Acredito que nosso documentário vai sensibilizar as pessoas sobre os morcegos, vai nos aproximar deles. Também espero que desperte curiosidade e admiração por esses mamíferos, o que traria aspectos positivos para a conservação”, afirmou Bernal em conversa com a NatGeo.
Além do documentário, os leitores poderão ver o resultado da pesquisa em uma série de publicações nas redes sociais oficiais da National Geographic e em um livro com ilustrações científicas de Daniela Cafaggi e fotografias de Armando Vega.
*A entrevista foi feita por Angie Tonelli, subeditora de National Geographic Latinoamérica.
