
Em busca do leopardo-das-neves: a aventura de um biólogo brasileiro nos Himalaias atrás do grande felino em extinção
O leopardo-das-neves (Panthera uncia) é o grande felino mais difícil de ser avistado livre na natureza, por habitar lugares remotos nas montanhas asiáticas nevadas. Por isso mesmo, a aventura de poder ver de perto esse animal raro é especial, como foi a viagem do biólogo Gustavo Figueirôa.
Uma paixão de infância que se tornou parte da profissão e um sonho a ser alcançado. Essa é a relação do biólogo e conservacionista brasileiro, Gustavo Figueirôa, com os grandes felinos existentes no planeta. Dos documentários da National Geographic que ele via quando criança à busca por avistar estes felinos livres na natureza, ele conseguiu alcançar o feito de ver o raro leopardo-das-neves em seu habitat natural – a quase 5 mil metros de altitude nos Himalaias.
O leopardo-das-neves (Panthera uncia) é um grande felino nativo de um local muito específico do planeta e de difícil acesso: as altas montanhas geladas da Ásia Central, principalmente nos Himalaias, cordilheira distribuída por Índia, Nepal, Butão, Tibete e Paquistão, como explica o site Animal Diversity Web (ADW), enciclopédia online mantida pelo Museu de Zoologia da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos.
Pensando na proteção de um dos grandes felinos do planeta, desde 2024 a Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas) instituiu o Dia Internacional do Leopardo-das-Neves, que se celebra em 23 de outubro. O objetivo é de reforçar a cooperação internacional na conservação do leopardo-das-neves, dado o seu papel no ecossistema global e o crescente risco de extinção da espécie, que é classificada como “vulnerável” na lista vermelha da IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza).
“O leopardo-das-neves é também chamado de “gato fantasma”, por ser dificilmente visto por humanos.”
Este ano, em comemoração da data, a National Geographic Brasil conversou com Gustavo Figueirôa para saber a sua história com estes animais e, justamente, como foi a aventura de ir à Índia para subir as montanhas geladas dos Himalaias e conseguir ver de perto o felino mais raro e difícil de ser avistado na natureza: o leopardo-das-neves, também chamado de “gato fantasma”, por ser dificilmente visto por humanos.
(Sobre grandes aventuras na natureza, leia também: Tamara Klink entra para a história ao se tornar a 1ª latino-americana a cruzar a sozinha a perigosa Passagem Noroeste no Ártico)

O biólogo brasileiro Gustavo Figueirôa nas montanhas geladas dos Himalaias em busca do leopardo-das-neves em fevereiro de 2025.
Em busca do leopardo-das-neves pelas montanhas dos Himalaias
Em fevereiro de 2025, Gustavo e seu amigo, o fotógrafo de vida selvagem Henrique Olsen, partiram para uma aventura de 20 dias no total para tentar avistar o leopardo-das-neves nos Himalaias. Após uma conexão em Istambul, na Turquia, chegaram à Nova Deli, na Índia, primeiro ponto antes de seguir para o extremo norte do país.
De lá, pegaram outro voo até a cidade de Chandigarh e, em seguida, foram mais dois dias de subida em veículos 4x4 pelas montanhas geladas do Himalaia, passando por pequenas cidades como Shimala e Rampur, e aldeias verticais até chegar à região inóspita de Kibber, quase na fronteira com o Paquistão.
“As difíceis condições da expedição envolviam longas caminhadas em altitudes de 4.600 metros, com oxigênio reduzido e frio extremo de cerca de -20ºC”
“Em Kibber, nós ficamos em uma casa que era nossa base para as caminhadas de tentativa de avistamento e para onde íamos sempre com guias locais. O local tinha uma estrutura básica, um tipo de pousada rústica, sem água corrente devido às baixas temperaturas, o que implicava em não tomar banho por dias”, contou o biólogo.
As caminhadas nas montanhas do Himalaia foram duras e por muitas horas a cada dia, por vários quilômetros, até os locais onde poderiam estar um leopardo-das-neves. “As difíceis condições da expedição envolviam longas caminhadas em altitudes de 4.600 metros, com oxigênio reduzido e frio extremo de cerca de -20ºC”.
Apesar das difíceis condições, no inverno é a época mais propícia para ver esses animais, pois com o frio e a neve mais generalizada nas montanhas, os leopardos “descem” até mais próximos aos vilarejos.


Acima, uma cena registrada por Gustavo Figueirôa de dois leopardos-das-neves durante uma caça à aves em meio às montanhas do Himalaia indiano.
O leopardo-das-neves é carnívoro e se alimenta de diversos animais, inclusive de aves (como na caça registrada por Gustavo Figueirôa), mas principalmente de ovelhas selvagens, coelhos, lebres, entre outros animais que encontra em seu habitat.
“É preciso subir bastante mesmo assim porque eles ficam nas partes mais nevadas e se camuflam perfeitamente à paisagem: a pelagem clara dificulta a visualização. Teve um dia que caminhamos por 12 quilômetros (seis cada trecho), mas tivemos o privilégio de ver cenas incríveis, como de um casal de leopardos-das-neves acasalando”, contou o biólogo.
Cenas como essa, ou outra avistada por ele quando dois leopardos-das-neves caçando e se alimentando de aves da região são muito difíceis de serem capturadas. “Entre todas as expedições que já fiz – também fui à Indonésia para ver os dragões de Komodo –, essa foi a mais difícil e emocionante ao mesmo tempo. Foi presenciar algo raro e único da natureza em toda sua beleza”, conclui.
(Você pode se interessar também: Viagem pelo Pantanal: 10 fotos revelam a beleza do reino da onça-pintada no Brasil)
Como o biólogo brasileiro se interessou pelos grandes felinos
Por ser o grande felino mais difícil de ser avistado e um animal em risco de extinção, o leopardo-das-neves se tornou um sonho e uma missão para vários estudiosos do mundo inteiro que se dedicam a esses animais. Gustavo Figueirôa se tornou mais um deles, e como biólogo e conservacionista que se dedica desde o início de sua carreira a trabalhar com grandes felinos, ele tinha como grande objetivo poder ver esta espécie de leopardo de perto e livre na natureza.

Gustavo Figueiroa nas montanhas do Himalaia pronto para sair para mais uma caminhada para tentar avistar o leopardo-das-neves.
Natural de São Paulo, Gustavo é formado em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduado em Manejo e Conservação de Fauna Silvestre pela Universidade Santo Amaro e pós-graduado também em Comunicação Pública de Ciência pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ainda na faculdade, ele fez um trabalho voluntário por um mês na África do Sul atuando com grandes felinos, e foi quando viu pela primeira vez exemplares de leões em seu habitat selvagem.
“A experiência na África do Sul foi um ponto de inflexão para minha vida e para minha carreira. Depois disso, eu sabia que tinha que trabalhar mais próximo de animais silvestres e que queria, algum dia, poder observar de perto todos os grandes felinos da natureza”, conta o biólogo.
Quando estava concluindo a graduação em 2014, Gustavo passou em uma seleção com mais de 200 pessoas para trabalhar em uma ONG especializada em onças-pintadas – a Onçafari. Ele saiu de São Paulo e se mudou para o Pantanal para trabalhar com onças-pintadas: “esse trabalho mudou a minha vida e me conectou de vez ao mundo dos grandes felinos e ao Pantanal”.
Atualmente, Gustavo se dedica ao conservacionismo e comunicação científica em sua agência e também para a SOS Pantanal, mantendo sua vida e trabalho ligado à região e às onças-pintadas.
(Conteúdo relacionado: Qual é a diferença entre o guepardo e o leopardo?)

Na foto, um puma (também conhecido como onça-parda) registrado por Gustavo Figueirôa na região de Torres del Paine, na Patagônia chilena, em sua expedição em 2024.
Onças-pintadas, pumas e leopardo-das-neves: o sonho (e a conquista) de avistar os grandes felinos
Depois de avistar leões ao trabalhar na África do Sul e conviver de perto com as onças-pintadas no Pantanal, Gustavo decidiu de vez realizar o sonho de fazer expedições fotográficas para observar a vida dos diferentes felinos de grande porte do mundo. Seu primeiro destino: ver de perto os pumas da Patagônia.
Em 2024, o biólogo foi em uma expedição que durou 13 dias na região de Torres del Paine, na Patagônia chilena – um dos melhores locais para avistar pumas (puma concolor) no mundo, também conhecido popularmente no Brasil como onça-parda.

Vista de algumas montanhas dos Himalaias na Índia, durante uma caminhada do biólogo brasileiro para avistar o leopardo-das-neves
Ao voltar ao Brasil, ele conversou com um biólogo amigo seu no Pantanal que conhecia um guia indiano que organiza pequenas expedições nos arredores de Kibber, nos Himalaias indianos, para avistar o raríssimo leopardo-das-neves. “Mas apesar de ser a rota mais segura, me explicaram que nem sempre é possível vê-lo, mesmo ficando dias na região”, disse.
Apesar da incerteza, Gustavo decidiu que mesmo sendo uma expedição cara, distante e difícil, ele iria se organizar, comprar novos equipamentos, se preparar fisicamente e ir ao extremo norte da Índia atrás do “gato fantasma”.
Depois da bem-sucedida viagem para a Ásia para ver um dos felinos mais ameaçados de extinção no planeta e registrá-lo em fotos exclusivas, Gustavo já planeja outras aventuras. Seu próximo objetivo é ver de perto como vivem os tigres, especialmente os do Leste Asiático, como o malaio e o de Sumatra, outro entre os grandes felinos que também correm o risco de desaparecer por causa da ação humana na natureza.
*A entrevista foi feita por Juliane Albuquerque, Editora Assistente de National Geographic Brasil.
