Astrônomos conseguem observar detalhes de um buraco negro

Utilizando uma tecnologia semelhante à ecolocalização, cientistas conseguiram mapear a região ao redor do horizonte de eventos de um buraco negro distante em detalhes inéditos.

Por Nadia Drake
Publicado 21 de jan. de 2020, 16:30 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Ilustração de um disco de acreção espesso girando ao redor da abertura de um buraco negro ...
Ilustração de um disco de acreção espesso girando ao redor da abertura de um buraco negro supermassivo. A luz de raios x emitida pelo disco cria “ecos” que os cientistas utilizam para mapear sua estrutura interna, indo além do que qualquer telescópio consegue observar diretamente.
Foto de Illustration by NASA/Swift/Aurore Simonnet, Sonoma State Univ.

Em uma incrível façanha que impressionou o mundo todo no ano passado, cientistas revelaram a primeira imagem direta de um buraco negro, permitindo que todos pudessem ver o que existe na entrada dessa estrutura monstruosa. Agora, astrônomos utilizam uma técnica diferente que envolve “ecos” de raios x para examinar ainda mais de perto um desses gigantes gravitacionais.

O buraco negro da vez está parado no meio de uma galáxia chamada IRAS 13224-3809, localizada a cerca de um bilhão de anos-luz de distância. O objeto supermassivo é circundado por um disco giratório composto por uma matéria a uma temperatura de um milhão de graus e revestido por uma coroa que libera raios x a uma temperatura de mais de um bilhão de graus. Ao registrar o comportamento desses raios x, os cientistas criaram um mapa rico em detalhes da região ao redor do horizonte de eventos do buraco negro, uma zona que nem mesmo a luz consegue atravessar.

“Os buracos negros não emitem luz, então a única forma de estudá-los é observando o que acontece quando a matéria entra neles,” explica William Alston da Universidade de Cambridge, que, juntamente com sua equipe, publicou as observações na revista científica Nature Astronomy.

Em comparação com a imagem do buraco negro gerada pelo Telescópio de Horizonte de Eventos no ano passado de um objeto extremamente distante, essa medição é ainda mais precisa. As novas medições do buraco negro na IRAS 13224-3809 ajudaram os cientistas a identificar sua massa e rotação, propriedades que podem revelar pistas essenciais sobre a evolução do buraco negro. Se for possível realizar medições similares em uma população maior de buracos negros supermassivos próximos, os cientistas poderão entender melhor o desenvolvimento das galáxias.

“Compreender a distribuição rotacional dos buracos negros em diversas galáxias esclarece como evoluímos desde o início do universo até a população que conhecemos hoje,” afirma Alston.

O Event Horizon Telescope — um conjunto de radiotelescópios terrestres em escala planetária — revelou a primeira imagem de um buraco negro supermassivo e sua sombra em 2019. A imagem mostra o buraco negro central de Messier 87, uma galáxia enorme no aglomerado de Virgem.
Foto de Event Horizon Telescope Collaboration

Mapeando ecos

Apesar do nome sem graça, a IRAS 13224-3809 é uma das galáxias mais interessantes do céu de raios x: trata-se de uma galáxia ativa, ou seja, sua região mais profunda brilha com mais intensidade do que as próprias estrelas e a luminosidade de seus raios x varia até o fator 50, às vezes em poucas horas. Alston e seus colegas escolheram estudar essa galáxia específica porque queriam uma fonte dinâmica e instável que pudesse ajudá-los a identificar propriedades específicas do buraco negro supermassivo central.

Para isso, Alston e seus colegas estudaram a IRAS 13224-3809 por meio do satélite XMM-Newton da Agência Espacial Europeia. O telescópio que orbita a Terra e estuda o cosmos em raios x, denominado XMM-Newton, observou a distante galáxia durante 16 órbitas — totalizando mais de 550 horas — entre 2011 e 2016.

A partir dos valiosos dados coletados durante esse período, Alston e seus colegas montaram um mapa da coroa de raios x do buraco negro supermassivo e de seu disco de acreção, um anel composto por matéria giratória que fica na parte externa do horizonte de eventos. Alguns dos raios x emitidos vão diretamente para o cosmos, enquanto outros colidem com o disco de acreção e levam um tempo maior para sair do ambiente imediato do gigante.

“Com essa duração extra do percurso, ocorre um atraso temporal entre os raios x originalmente produzidos na coroa,” explica Alston. “Conseguimos medir o eco — esse atraso temporal — que chamamos de reverberação.”

Essa técnica, denominada mapeamento de reverberação, ajudou os cientistas a investigar o material gasoso ao redor do buraco negro. Alston compara o processo com a ecolocalização, em que animais como os morcegos refletem o som em objetos para ajudá-los a navegar durante o voo. E, diferentemente do processo utilizado pelo Telescópio de Horizonte de Eventos para montar a imagem de um buraco negro próximo, o mapeamento de reverberação pode ser utilizado para estudar objetos extremamente distantes e pesquisar regiões que estejam ainda mais perto do horizonte de eventos.

“O mapeamento de reverberação não exige resolução espacial,” diz Misty Bentz da Universidade Estadual da Geórgia, que utiliza a mesma técnica para estudar buracos negros distantes. “Em vez disso, utiliza os ecos de luz da parte interna do objeto para mostrar as estruturas, inclusive aquelas bem pequenas e bem distantes.”

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    Rotação impressionante

    Os ecos de luz capturados na IRAS 13224-3809 permitiram que Alston e sua equipe determinassem a geometria precisa do material ao redor do buraco negro, inclusive as dimensões de sua dinâmica coroa de raios x, que impulsiona esses ecos. A equipe utilizou essas informações para calcular a massa e a rotação do buraco negro, duas propriedades que não oscilam na escala de tempo dos humanos.

    “Para medir a massa e a rotação do buraco negro, precisamos saber exatamente onde está esse gás antes de ele cair no buraco negro,” explica Alston. Os cientistas já utilizaram essa técnica para estudar buracos negros supermassivos, mas essas observações não tinham duração suficiente e também a fonte não era tão variada como na IRAS 13224-3809.

    Com base nesse novo mapeamento, a equipe concluiu que esse buraco negro supermassivo contém a mesma massa que dois milhões de sóis e gira na maior velocidade viável sem quebrar nenhuma lei da física. Bentz, que não participou do estudo, comenta que as extensas observações dos autores fazem com que os resultados sejam bastante convincentes.

    “Os autores repetiram o mesmo experimento 16 vezes, muito mais do que qualquer estudo já realizado,” diz Bentz. “Isso os ajudou a identificar as partes que não apresentavam mudanças.”

    Alston e sua equipe também montaram uma imagem dinâmica que mostra como a coroa de raios x que envolve o buraco negro muda com o passar do tempo, com seu tamanho variando drasticamente em apenas um dia.

    Sementes das galáxias

    Cada grande galáxia do universo está provavelmente ancorada a um buraco negro supermassivo central. Decifrar as formas como essas âncoras giram pode oferecer pistas sobre a formação e evolução delas, e de suas galáxias hospedeiras, em toda a idade do universo.

    “Como se formam os buracos negros supermassivos é algo ainda desconhecido,” conta Alston. “Quais sementes deram origem a eles nos primórdios do universo? Muitos dos modelos que temos atualmente indicam sementes muito pequenas e que não conseguem crescer rápido o suficiente.”

    Uma das teorias sobre a formação das galáxias envolve a colisão e fusão de diversas galáxias pequenas. Quando as galáxias se fundem, seus buracos negros também o fazem. Se essas colisões ocorrerem de forma desordenada, além de resultar em um buraco negro com massa ainda maior, também afeta a forma como ele gira, explica Alston.

    Outra forma para o buraco negro ganhar sua massa é por meio da entrada contínua de gás. Nesse caso, a rotação resultante pode ser mais rápida, como parece ser a da IRAS 13224-3809, embora Alston afirme ainda ser muito cedo para concluir que essa galáxia específica tenha formado sua massa por meio desse mecanismo.

    Em algum momento, ele e seus colegas gostariam de utilizar o mapeamento de reverberação para identificar as rotações — e consequentemente o histórico de formação — de centenas de buracos negros supermassivos próximos, para realizar uma pesquisa desses objetos. Ainda, considerando a enorme distância em que se encontram esses buracos negros, os cientistas podem observar como as galáxias se desenvolveram desde o início do universo.

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