E se o coronavírus for declarado uma pandemia? O que você precisa saber

As autoridades de saúde pública hesitam em descrever a Covid-19 como uma pandemia, mas isso pode ser apenas uma questão de tempo.

Por Amy McKeever
Publicado 5 de mar. de 2020, 16:03 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Mulher com máscara para evitar contrair o coronavírus se afasta enquanto funcionários de uma empresa de ...
Mulher com máscara para evitar contrair o coronavírus se afasta enquanto funcionários de uma empresa de serviços de desinfecção higienizam um mercado tradicional em Seul, na Coreia do Sul, em 26 de fevereiro de 2020.
Foto de Kim Hong-Ji, Reuters

Nos dois meses posteriores ao comunicado do novo coronavírus na China, a doença expandiu para todo o mundo. Foram relatados surtos em mais de 50 países e as bolsas de valores registraram sua maior queda desde a recessão de 2008. O número de casos do vírus, que causa a doença chamada Covid-19, disparou em locais como Itália, Irã e Coreia do Sul. Enquanto isso, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) anunciou que é apenas uma questão de tempo até que o vírus também passe a se propagar pelos Estados Unidos.

“A questão não é mais se essa transmissão ocorrerá e sim quando exatamente ocorrerá e quantos casos nos Estados Unidos evoluirão para doenças graves”, afirmou Nancy Messonnier, diretora do Centro Nacional de Imunização e Doenças Respiratórias do CDC, em coletiva de imprensa. No sábado, o estado de Washington anunciou a primeira morte nos Estados Unidos causada pelo novo coronavírus.

Em vista dessa transmissão em escala global, o termo “pandemia” está começando a circular entre as autoridades e na imprensa.

Mas as autoridades de saúde pública estão hesitando em rotular oficialmente essa emergência como pandemia: em suas declarações, Messonnier destacou que o mundo está próximo de atender aos critérios para que a doença seja considerada uma pandemia. Por ora, Tedros Adhanom Ghebreyesus, Diretor Geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), também afirmou, nesta semana, que estamos à beira de uma pandemia.

Então, o que é exatamente uma pandemia — e o que acontece quando um grande órgão de saúde pública, como a OMS, declara uma pandemia? Embora, na prática, nomear essa crise de saúde global de pandemia não mude os fatos, essa designação poderia despertar o pânico da população e determinar uma mudança na estratégia para atenuar os danos.

O que é uma pandemia?

As crises de saúde global costumam ser graduais. Essa sequência de eventos começa com um “surto” — uma escalada repentina nos casos confirmados de uma doença restrita a uma pequena região geográfica, como Wuhan. Se a doença se propagar um pouco além dessa comunidade (como a forma de propagação do novo coronavírus na China), ela se torna uma epidemia.

As pandemias, de acordo com a definição clássica, são epidemias que atravessam fronteiras internacionais e afetam um grande número de pessoas em todo o mundo.

“É uma questão de geografia”, Lauren Sauer, professora assistente de medicina de emergência e diretora de operações do Gabinete Johns Hopkins de Preparação e Resposta a Eventos Críticos. “A questão não é a gravidade, nem o número alto de casos. O que define é a existência de contágio em todo o mundo.”

Nem toda epidemia dispersa é considerada uma pandemia. A gripe sazonal, por exemplo, atende a esses requisitos — porém sua natureza cíclica é o que a diferencia da gripe pandêmica, cujo contágio ocorre nos dois hemisférios, em qualquer tipo de clima.

Uma declaração de pandemia também leva em consideração quem é infectado e onde. Se alguém contrai o coronavírus na China e retorna a seu país de origem, essa pessoa não é computada na contagem determinante para definir uma declaração de pandemia — assim como alguém eventualmente infectado por essa pessoa. Sauer afirma que essas restrições surgiram das lições aprendidas durante a pandemia do H1N1 em 2009, quando a facilidade de viagens internacionais deu a impressão de que o contágio da doença era mais rápido e mais amplo do que era de fato.

Em vez disso, as autoridades de saúde pública estão monitorando a transmissão local da COVID-19. É a etapa em que começa o contágio fora da China entre pessoas que não viajaram recentemente para a nação asiática. No início de uma epidemia, a maioria dos casos pode ser atribuída a viajantes provenientes do local de origem do surto, neste caso, a China. Contudo, à medida que a transmissão local avança, o monitoramento dos doentes torna-se inviável. A essa altura, a propagação do coronavírus já passa despercebida, tornando-se de controle extremamente difícil.

Alguns especialistas em saúde pública argumentam que o novo coronavírus já atingiu o nível de pandemia quando considerados os seguintes critérios: foram confirmados casos em seis continentes. Em muitos países, os surtos estão persistindo localmente.

A Casa Branca anunciou proibições de entradas nos Estados Unidos por 14 dias para estrangeiros que passaram pelo Irã, enquanto o Departamento de Estado dos EUA emitiu o mais alto alerta possível para viajantes que passarem por determinadas regiões da Itália e da Coreia do Sul. O presidente dos EUA Donald Trump disse que cogita outras restrições de viagem para a fronteira do México, embora o vizinho do sul tenha poucos casos confirmados.

Então, o que impede a OMS de denominar essa epidemia como pandemia? “Na realidade, é uma questão de semântica”, afirma Sauer. “Mas a semântica é importante ao tratar dessas questões com a população em geral.”

Por que as pandemias importam

As palavras importam. Em uma coletiva de imprensa, o diretor geral Ghebreyesus pediu cautela para ninguém se precipitar e gritar “pandemia”.

“Utilizar o termo ‘pandemia’ de forma displicente não traz benefícios concretos e ainda possui o expressivo risco de acentuar o estigma e temores desnecessários e injustificados, além de paralisar sistemas”, afirmou ele.

Lawrence Gostin, professor da Universidade de Georgetown e também diretor do Centro Colaborador em Direito de Saúde Nacional e Global da Organização Mundial da Saúde, destaca que o “pânico” está literalmente incutido na palavra “pandemia”.

Segundo Gostin, em 2009, pessoas em todo o mundo entraram em pânico quando a OMS descreveu a gripe H1N1 como uma pandemia e, mais tarde, a organização foi criticada por ter despertado temores quando o vírus não se revelou tão letal. O H1N1 agora retorna sazonalmente e faz parte do nosso planejamento anual de vacinas.

“Portanto, é claro que a possibilidade de que essa doença se torne uma pandemia é preocupante por ser muito mais letal do que a gripe, mas é um anúncio que deve ser protelado o máximo possível até o desenvolvimento de uma vacina, o que provavelmente deve demorar de 12 a 18 meses”, afirma Gostin

De uma perspectiva jurídica, entretanto, não importa se a OMS declara a doença uma pandemia ou não.

Gostin — que ressalta que a OMS nem sequer “declara” pandemias de fato — afirma que a organização já declarou algo muito mais significativo: uma Emergência de Saúde Pública de Preocupação Internacional (PHEIC). Essa declaração permite legalmente à OMS fazer recomendações sobre como os países-membros do órgão devem lidar com uma epidemia. A declaração também mobiliza recursos e apoio político.

Rótulo com valor

Embora “pandemia” possa ser um mero rótulo sem significado jurídico, o termo tem seu valor. Uma pandemia significa que as autoridades acreditam que fracassaram em conter a propagação do vírus e devem passar para estratégias de mitigação, como fechar escolas e cancelar grandes aglomerações.

É exatamente por isso que alguns especialistas em saúde pública alegam que a OMS e outros órgãos globais deveriam seguir em frente e tomar essa decisão, afirma Sauer. Quanto mais cedo as autoridades de saúde pública e os socorristas passarem para medidas de mitigação (como as observadas todos os anos com a gripe), melhor.

Nos EUA, o CDC já informou sua estratégia para proteger comunidades de uma pandemia de coronavírus. A estratégia inclui “medidas de distanciamento social”, como o fechamento de escolas e a recomendação de trabalho remoto para impedir que pessoas infectadas transmitam a doença a colegas em escolas e no trabalho. Eventos e grandes aglomerações poderiam ser adiados ou até mesmo cancelados. Até as Olimpíadas de Tóquio deste verão podem ser canceladas caso um grande risco se confirme. E o CDC recomendaria o adiamento de cirurgias eletivas para evitar sobrecarregar os leitos hospitalares utilizados.

Gostin afirma que essas medidas de distanciamento social não são algo que uma organização de saúde pública recomenda comumente, pois afetam famílias, comunidades e economias.

“As crianças ainda precisam ir para a escola, os pais ainda precisam trabalhar e as pessoas querem sair e se divertir também”, conta Gostin. “Portanto, não é uma perspectiva desejável. Será implantada apenas se necessária.”

As pessoas também podem tomar suas próprias medidas preventivas, como lavar as mãos regularmente, cobrir espirros e limpar superfícies com pano.

No entanto Gostin afirma que há um aspecto fundamental a ter em mente caso a OMS comece a chamar essa doença de pandemia: “é importante não entrar em pânico.”

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