Por que uma vacina contra o novo coronavírus pode demorar mais de um ano

Considerando a história e a ciência por trás da fabricação desses medicamentos, especialista alerta que o tempo de “um ano a 18 meses seria algo absolutamente sem precedentes”.

Por Nsikan Akpan
Publicado 15 de abr. de 2020, 10:36 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Pesquisador trabalhando no desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus, causador da covid-19, no laboratório ...

Pesquisador trabalhando no desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus, causador da covid-19, no laboratório de pesquisa da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, em 23 de março de 2020.

Foto de Thibault Savary, AFP via Getty Images

O HOSPITAL PENN PRESBYTERIAN espera ser atingido pela onda. A equipe desse hospital na Filadélfia, Estados Unidos, está se preparando, angustiada, para o pico do surto de covid-19 que já se espalhou pelos estados vizinhos de Nova York e Nova Jersey, sobrecarregando os sistemas de saúde desses locais e provocando muitas vítimas fatais.

“Fazemos uma coisa atrás da outra e no fim do dia ainda temos mais 20 tarefas a concluir porque há muita coisa acontecendo”, diz Judith O’Donnell, diretora de prevenção e controle de infecções do Hospital Penn Presbyterian.

Nos Estados Unidos, profissionais da saúde como O’Donnell trabalham sob condições extremamente desafiadoras e sabem que pode levar muito tempo até que tenham acesso a uma arma especialmente útil contra esse ataque viral: uma vacina. As vacinas combatem os surtos antes que se perca o controle, conforme evidenciado por mais de dois séculos de uso dessa tecnologia médica no combate bem-sucedido a inimigos, incluindo sarampo e influenza.

Empresas farmacêuticas e universidades tentam desenvolver uma vacina contra a covid-19 e há pelo menos 62 estudos em andamento, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Especialistas acreditam que o desenvolvimento será bem-sucedido com base em evidências anteriores de que pacientes com coronavírus podem produzir anticorpos, as proteínas no sangue que atacam e neutralizam os vírus.

Grande parte das apostas se concentram na Moderna Therapeutics, que já tinha um candidato pronto para os estudos clínicos apenas 42 dias após o sequenciamento genético do novo coronavírus ter sido divulgado. Mas, ao passo que os oficiais do governo e a mídia consideram um tempo de desenvolvimento recorde, a biotecnologia necessária existe há quase 30 anos, mas nunca produziu uma vacina funcional contra nenhuma doença humana. (A Moderna Therapeutics não respondeu aos pedidos de comentário.)

Tendo o passado como base, uma vacina contra o novo coronavírus somente estará disponível daqui a mais de um ano ou provavelmente mais tempo. A vacina contra a caxumba — considerada a mais rápida já aprovada — levou quatro anos para passar do estágio de coleta de amostras virais para o licenciamento do medicamento em 1967. Os ensaios clínicos são compostos de três fases e os primeiros estágios dos atuais estudos sobre a covid-19 não devem ser concluídos até o fim de setembro desse ano, março de 2021 ou muito depois.

E há boas razões para se permitir tempo para a realização de verificações de segurança. Algumas vacinas preliminares contra o SARS, o coronavírus relacionado, por exemplo, na verdade exacerbaram a doença em experimentos que utilizaram modelos.

 

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“Um ano a 18 meses seria algo absolutamente sem precedentes”, diz Peter Hotez, diretor da Escola Nacional de Medicina Tropical da Universidade Baylor. “Talvez seja possível com a nova tecnologia e se houver investimento suficiente. Mas temos que ter muito cuidado com essas estimativas de tempo.”

Vários caminhos

Todas as vacinas funcionam convencendo o sistema imunológico do corpo a reagir a um invasor, seja ele um vírus, bactéria ou parasita. Os métodos clássicos envolvem utilizar um vírus inteiro, enfraquecê-lo ou inativá-lo e então injetar partes específicas do micro-organismo no corpo de uma pessoa. É assim que as vacinas tradicionais foram feitas para varíola, sarampo e gripe, afirma Ali Salem, desenvolvedor de medicamentos e professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Iowa.

Essa técnica antiga depende da reação do sistema imunológico a proteínas individuais produzidas pelo germe, normalmente aquelas que revestem a superfície do vírus e que fazem com que o corpo produza anticorpos. Com o tempo, os fabricantes de vacinas perceberam que não precisavam de um vírus inteiro e que poderiam substituir apenas uma proteína para provocar uma resposta imune robusta. Essas vacinas à base de proteínas são mais fáceis e baratas de fabricar e se tornaram a variedade mais comum utilizada pelos profissionais de saúde, diz Maria Elena Bottazzi, diretora assistente da Escola Nacional de Medicina Tropical da Universidade Baylor.

Um grande problema no desenvolvimento de uma vacina contra a covid-19 é que não existe nenhum antecessor clinicamente comprovado para nenhum tipo de coronavírus humano. Isso mesmo após os surtos de SRAG em 2002 e de MERS em 2012, ambos causados por vírus parecidos com o novo coronavírus, que serviram como sinais de alerta e provocaram cerca de 1,6 mil mortes.

“Até agora, cada década do século 21 foi marcada por uma epidemia de coronavírus. Sabíamos que se tratava de uma grande ameaça”, diz Hotez, que também dirige o Centro de Desenvolvimento de Vacinas do Hospital Infantil do Texas com Bottazzi, onde produzem vacinas à base de proteínas para doenças negligenciadas e coronavírus. Embora esses surtos tenham servido para alertar o mundo sobre o potencial virulento da família dos coronavírus, o SARS foi combatido mais rápido do que o tempo necessário para uma vacina ser testada em estudos clínicos e o MERS deu origem a poucos casos, não justificando um financiamento sustentado para o desenvolvimento de uma vacina.

Ao passo que candidatos de empresas como a Moderna despertam entusiasmo e esperança, candidatos anteriores baseados em biotecnologia semelhante não se mostraram eficazes em seres humanos. Esses medicamentos depositam o material genético básico de um vírus — DNA ou RNA — nas células humanas, onde é formada a proteína necessária para desencadear uma resposta imune.

A vantagem das vacinas que empregam DNA e RNA é que seu desenvolvimento é mais rápido, desde que o fabricante tenha acesso ao genoma do micro-organismo. Elas também são mais fáceis de ajustar de maneira a otimizar uma resposta imune benéfica. Essa tática funcionou de forma consistente em modelos animais da doença e um segundo candidato contra a covid-19começou a ser testado em estudos clínicos no dia 6 de abril, com base em resultados positivos anteriores com o MERS. Mas Bottazzi e Hotez dizem que os humanos são diferentes. Eles temem que qualquer animação a respeito das vacinas à base de DNA e RNA possa gerar falsas esperanças.

 

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    “Temos como exemplo as tentativas de produzir vacinas contra o HIV utilizando a plataforma de DNA, mas não foi encontrada a fórmula exata de como essas moléculas de DNA devem entrar nas células certas”, explica ela, citando anos de tentativas fracassadas na produção de vacinas contra o HIV. “É o lado obscuro da ciência. É por isso que elas ainda são experimentais.”

    Quem terá acesso à vacina primeiro?

    Embora o debate sobre a melhor maneira de desenvolver uma vacina contra a covid-19 possa parecer acadêmico, o resultado pode definir o custo de produção do medicamento e, consequentemente, quem terá condições de comprá-lo. Bottazzi, Hotez e Salem afirmam que produzir vacinas que empregam DNA e RNA pode custar muito mais do que as variedades tradicionais.

    “Veremos o desenvolvimento clínico de diversas novas tecnologias e acho que isso é muito positivo porque aprenderemos bastante”, afirma Hotez, que, juntamente com Bottazzi, defende, há 10 anos, uma vacina de baixo custo contra o coronavírus. “A nossa maior preocupação é garantir que os mais necessitados em todo o mundo não sejam ignorados no processo.”

    Para impedir que isso aconteça, líderes mundiais precisarão se unir e assinar um acordo de acesso global, diz Seth Berkley, médico epidemiologista e CEO da GAVI Alliance, uma parceria internacional em saúde dedicada a expandir o acesso à imunização. Esse acordo pode ajudar a garantir que populações vulneráveis — idosos, profissionais de saúde, pessoas em epicentros com poucos recursos — recebam a vacina primeiro. Também permitiria que qualquer empresa ou universidade que vencesse a corrida na produção de uma vacina contra a covid-19 transferisse rapidamente sua biotecnologia a outros países.

    Por exemplo, a vacina contra o ebola foi desenvolvida no Canadá, transferida para pesquisadores acadêmicos e empresas de biotecnologia nos Estados Unidos e, finalmente, fabricada na Alemanha. Agora, com a vacinação em larga escala, o segundo maior surto de ebola do mundo pode finalmente ter terminado.

    Um acordo de acesso global também pode levar à criação de mais de uma vacina contra a covid-19, todas eficazes, mas com preços diferentes para mercados distintos. Essa configuração já foi empregada no passado para vacinas contra o pneumococo e o papilomavírus humano (HPV), afirma Bottazzi.

    Se uma vacina contra a covid-19 realmente for produzida, ainda será preciso descobrir quanto tempo durará a imunidade.

    “Se apenas uma dose for suficiente para garantir imunidade para o resto da vida, teremos um ótimo cenário em todo o mundo”, diz O’Donnell, do Hospital Penn Presbyterian. No entanto a imunidade aos coronavírus que causam resfriado normalmente dura apenas um ou dois anos, o que sugere que as pessoas precisariam de doses sazonais de qualquer vacina contra a covid-19.

    Enquanto isso, diz O’Donnell, a melhor coisa que todos podem fazer para ajudar os profissionais de saúde é seguir as recomendações de saúde pública: “Pratique o distanciamento social, fique em casa, lave as mãos e não toque no seu rosto. Seja o mais cuidadoso possível para evitar contrair essa infecção.”

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