Como o coronavírus age no organismo das crianças?

Conforme as escolas se preparam para reabrir, especialistas avaliam se as crianças e jovens estão menos propensos a contrair o vírus e com que rapidez podem transmiti-lo aos adultos.

Por Sarah Gibbens
Publicado 28 de jul. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Uma mãe observa a temperatura de sua filha sendo aferida no carro, na Coreia do Sul. ...

Uma mãe observa a temperatura de sua filha sendo aferida no carro, na Coreia do Sul. Um estudo com 65 mil pessoas recentemente publicado pelo Centro de Controle de Doenças do país constatou que crianças acima de 10 anos têm a mesma probabilidade de propagar o vírus que os adultos.

Foto de Chung Sung-Jun, Getty Images

DESDE O INÍCIO da pandemia do coronavírus, a maioria das crianças foi poupada dos piores efeitos da covid-19. O mesmo vírus SARS-CoV-2 capaz de matar uma pessoa de 50 anos pode não causar nenhuma ameaça a uma criança de quatro anos.

Agora, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos estão recomendando a reabertura das escolas de ensino fundamental e médio em setembro, alegando que é necessário ponderar os riscos à saúde e os possíveis impactos negativos de manter as crianças em casa — que afetam desproporcionalmente crianças de baixa renda e minorias, bem como pessoas com deficiência, que normalmente dependem de programas como merenda escolar e atendimento após as aulas. Quando essas crianças são impedidas de frequentar a escola, suas notas caem, a saúde mental e física é prejudicada, momentos importantes de socialização são perdidos e muitas estão ficando com as vacinas de rotina atrasadas.

“As crianças são afetadas de maneiras diferentes em relação aos adultos”, diz Megan Tschudy, pediatra da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins.

Graham, que conversou pela primeira vez com a National Geographic em março sobre os efeitos da covid-19 em crianças, afirma que desde então não obtivemos novas informações sobre os motivos de o vírus parecer ser mais brando em crianças. Mesmo com o aumento dos testes mostrando que o vírus é capaz de infectar mais crianças do que se acreditava anteriormente, os especialistas possuem apenas teorias sobre as razões pelas quais as crianças são poupadas das formas mais graves da covid-19, que atinge tantos adultos.

Também não está claro com que facilidade as crianças propagam o vírus entre elas e aos adultos. Um importante estudo com cerca de 65 mil crianças publicado pelo Centro de Controle de Doenças da Coreia do Sul na semana passada demonstrou que crianças na faixa etária de 10 a 19 anos poderiam transmitir a covid-19 em seus ambientes domésticos com a mesma facilidade que os adultos.

Segundo o CDC, apenas 2% dos casos domésticos de covid-19 ocorreram em crianças menores de 18 anos, mas os dados coletados pela Bloomberg mostram que essas taxas podem variar bastante de acordo com a região. Até agora, 20 crianças com menos de cinco anos morreram de covid-19 nos Estados Unidos.

Uma pequena porcentagem das crianças com covid-19 desenvolve uma condição potencialmente fatal denominada síndrome inflamatória multissistêmica (MIS-C), e não está claro se a doença tem outras consequências em longo prazo.

“Ela deixa cicatrizes duradouras nos pulmões, o que pode causar doenças mais graves”, diz Graham. Mas, acrescenta, “essas condições devem ser estudadas em longo prazo com crianças que se recuperaram da doença”. E como os jovens foram amplamente poupados de doenças tão graves, “houve muito menos pesquisas envolvendo essa faixa etária e muito menos testes foram realizados neles”, diz Tschudy.

Um estudo amplo está em andamento nos Estados Unidos para entender como a covid-19 infecta as crianças, em um momento no qual pais e pediatras enfrentam a realidade de um ano letivo que se aproxima, programado para começar mesmo com o aumento das taxas de infecção.

Com que facilidade as crianças podem transmitir a doença?

“Se considerarmos o mesmo cenário de outros vírus, as crianças são muito mais propensas a transmitir doenças”, explica Graham, referindo-se à maneira como as crianças tendem a interagir umas com as outras e a tocar em todos os tipos de objetos e partes do corpo. Ela observa, no entanto, que não há dados suficientes para demonstrar que elas transmitem o vírus da mesma forma que os adultos.

Embora o estudo da Coreia do Sul tenha mostrado que crianças acima de 10 anos propagaram o vírus efetivamente, crianças mais novas tiveram 72% menos probabilidade de transmitir a doença para adultos.

No entanto, não foi descartado o fato de uma criança com menos de 10 anos poder transmitir o vírus. Um estudo constatou que crianças muito pequenas, incluindo bebês, deixaram vestígios do vírus, embora não se saiba ao certo o potencial infeccioso desses vestígios. Enquanto outro estudo acompanhou uma criança de nove anos com covid-19 que visitou três escolas sem transmitir o vírus. O comportamento para com as crianças parece desempenhar um grande papel na transmissão. As instituições infantis que permaneceram abertas durante a pandemia passaram por diferentes experiências, desde grandes surtos em acampamentos infantis até creches sem nenhum caso de infecção.

Uma teoria sobre por que as crianças têm menos probabilidade de propagar a doença está relacionada ao fato de a covid-19 ser transmitida principalmente por gotículas respiratórias, e as crianças normalmente eliminam essas gotículas com menos força e mais perto do chão.

“Se você tem filhos, sabe que eles conseguem gritar bem alto, mas isso não necessariamente implica uma distância maior de propagação”, afirma Barnett, considerando que a voz alta de uma criança não é tão forte quanto a tosse ou o espirro de um adulto.

“Embora fiquem perto uma das outras, as crianças não participam da mesma maneira de cenários que envolvem o uso do metrô de Nova York, bares ou eventos esportivos”, observa ela.

E ao passo que seja provável que um adulto utilize o transporte público para chegar ao trabalho mesmo estando doente, os pais costumam deixar seus filhos doentes em casa.

Por fim, observa Barnett, os especialistas só podem apresentar teorias.

“Algo que ajudaria na compreensão são os resultados obtidos pelo rastreamento de contatos”, observa Graham. “Isso daria uma ideia muito melhor de quantas pessoas estão entrando em contato umas com as outras.”

Por que crianças com menos de 10 anos não adoecem tanto?

“No início da pandemia, pouco se sabia sobre as diferentes faixas etárias”, diz Tschudy. “Supunha-se que todas as idades poderiam ser igualmente afetadas e havia bastante preparação.” De acordo com ela, o fechamento precoce das escolas pode ter contribuído para proteger as crianças do vírus.

Os testes também foram limitados a pessoas com sinais visíveis de uma possível infecção por covid-19, e Tschudy diz que crianças infectadas e assintomáticas provavelmente passaram despercebidas.

Uma teoria predominante sobre o fato de as crianças com menos de 10 anos não parecerem adoecer tanto pode estar relacionada a uma enzima chamada ECA2. Quando o SARS-CoV-2 entra no organismo, as proteínas da espícula que circundam o vírus se ligam à ECA2, assim como acontece entre uma chave e uma fechadura.

“Uma das teorias é que as crianças possuem maior quantidade dos receptores [ECA2] do vírus no nariz [e] no sistema respiratório superior do que nos pulmões, e nos adultos, esses receptores ficam nos pulmões”, explica Elizabeth Barnett, diretora de doenças infecciosas pediátricas no Boston Medical Center e professora de pediatria na Faculdade de Medicina da Universidade de Boston.

Produzir mais receptores ECA2 nos pulmões é uma teoria que explicaria por que os adultos têm infecções mais graves por covid-19, observa ela.

Um estudo com 305 pessoas de 4 a 60 anos descobriu que as enzimas ECA2 eram menos ativas em crianças menores de 10 anos.

Um sistema imunológico mais resiliente e adaptável também pode ajudar as crianças a combater a doença, diz Alvaro Moreira, neonatologista do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, em San Antonio. Ele descreve dois métodos de ataque utilizados pelo sistema imunológico de uma pessoa: “um que não requer memória e outro que requer”.

Com o tempo, à medida que envelhecemos e somos expostos a bactérias e vírus, nosso sistema imunológico cria células que se lembram de vírus específicos e assim conseguem atacá-los com mais eficiência. O organismo de uma criança que ainda está construindo essa memória depende do outro método de ataque utilizado pelo sistema imunológico.

“O sistema imunológico inato”, diz Moreira. “E sabemos que as crianças são menos propensas a ter uma resposta inata exagerada.”

Quando o sistema imunológico inato ataca, as células imunológicas destroem de forma indiscriminada os patógenos que entram no organismo. É também durante esse ataque que o organismo libera moléculas chamadas citocinas, que ajudam na comunicação entre as células. Quando o sistema imunológico libera muitas citocinas, elas atacam tecidos saudáveis. Alguns dos pacientes adultos com as formas mais graves da covid-19 morreram devido às chamadas “tempestades de citocina”.

As crianças tendem a ter níveis mais baixos de citocina para protegê-las de tais tempestades, diz Tschudy, possivelmente porque as “crianças pequenas são expostas a novas infecções o tempo todo; portanto, quando são expostas a um novo vírus como a covid-19, seu sistema imunológico pode estar preparado para responder com força suficiente para combater o vírus e não causar danos ao organismo”.

Algumas crianças enfrentam riscos maiores

Embora o sistema imunológico de uma criança possa parecer biologicamente preparado para combater a covid-19, nem todas as crianças são afetadas da mesma forma.

“A grande maioria das crianças com covid grave normalmente apresenta outros fatores de risco”, afirma Philip Zachariah, especialista em doenças infecciosas pediátricas da Universidade de Colúmbia e epidemiologista do Hospital Infantil Presbiteriano Morgan Stanley de Nova York.

Em um estudo publicado por Zachariah no início de junho, ele analisou os casos de 50 crianças que foram hospitalizadas devido à covid-19. Todas, exceto uma, se recuperaram. Obesidade em crianças acima de dois anos foi associada a manifestações mais graves da doença, embora Zachariah enfatize que isso possa simplesmente refletir os bairros atendidos pelo Hospital Presbiteriano de Nova York.

“Na minha opinião, os dados são consistentes com o fato de que crianças de baixa renda e minorias raciais são infectadas em maior número”, afirma ele.

No geral, ele diz, mesmo as crianças que ficam doentes parecem mais propensas a se recuperar do que os adultos. E as mesmas formas empregadas pelos adultos para frear a pandemia — manter o distanciamento social, usar máscara e lavar as mãos — ajudarão as crianças a não propagar o vírus.

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