Foto de vítima do coronavírus na Indonésia desperta assombro e negação

Morto por covid-19 envolto em plástico revela o que muitos não queriam que a população visse.

Por David Beard
Publicado 23 de jul. de 2020, 07:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Corpo de uma vítima com suspeita de morte por covid-19 em um hospital na Indonésia. Após ...

Corpo de uma vítima com suspeita de morte por covid-19 em um hospital na Indonésia. Após a morte do paciente, os enfermeiros envolveram o corpo em camadas de plástico e aplicaram desinfetante para conter a propagação do vírus.

Foto de Joshua Irwandi

O fotojornalista Joshua Irwandi acompanhou os profissionais de um hospital na Indonésia e tirou uma fotografia impressionante do corpo de uma vítima da covid-19 envolto em plástico , garantindo que a foto não revelasse características específicas ou até mesmo o sexo da pessoa.

A imagem, tirada para a revista National Geographic como parte de um financiamento concedido pela National Geographic Society, emocionou o país de 270 milhões de habitantes. A Indonésia está atuando de forma lenta no combate à pandemia global, inclusive com o presidente Joko “Jokowi” Widodo promovendo um medicamento fitoterápico não comprovado em março. Algumas das reações à imagem de Irwandi, que humanizaram o sofrimento causado pelo vírus, foram hostis.

A fotografia de Irwandi foi exibida nos noticiários da TV e compartilhada pelo porta-voz da equipe de resposta ao coronavírus do país. A imagem foi amplamente copiada e republicada pela mídia indonésia sem a permissão de Irwandi. Mais de 325 mil pessoas “curtiram” a foto em seu perfil no Instagram, divulgada por ele após a publicação da matéria pela National Geographic em 14 de julho.

“Está claro que o poder dessa imagem inflamou a discussão sobre o coronavírus”, disse Irwandi em sua casa na Indonésia. “Temos que reconhecer o sacrifício e o risco enfrentado pelos médicos e enfermeiros.”

Não há dúvida de que a fotografia quebrou paradigmas, concordou Fred Ritchin, reitor emérito do Centro Internacional de Fotografia: “Aqui temos uma pessoa mumificada. Ao olhar para ela, ficamos horrorizados.

Ao mesmo tempo, há um certo distanciamento, disse Ritchin. “Para mim, a imagem me pareceu ser de alguém sendo jogado fora, descartado, envolto em celofane, pulverizado com desinfetante, mumificado, desumanizado, discriminado... Faz sentido de certa forma. As pessoas discriminaram outras portadoras do vírus por não querer estar nem perto do vírus.”

Depois que Irwandi publicou a foto, um cantor popular que acumula muitos seguidores acusou o fotógrafo de fabricar a notícia, dizendo que a covid-19 não é tão perigosa e opinou que um fotojornalista não deveria ter sido autorizado a tirar uma foto em um hospital, sem nem sequer a família poder ver a vítima. Os seguidores do cantor acusaram Irwandi equivocadamente de ter montado a foto com um manequim e o chamaram de “escravo” da Organização Mundial da Saúde. O fotógrafo de 28 anos recebeu ameaças e acha que o governo está tentando encontrar o hospital, não identificado na imagem, onde o corpo foi fotografado.

“Detalhes da minha vida pessoal foram publicados sem minha permissão”, conta Irwandi. “Houve um grande desvio da intenção fotojornalística da minha fotografia.”

No entanto ele conseguiu apoio da associação de fotojornalistas do país. Eles alegaram que a imagem atendia aos padrões jornalísticos — e exigiram que o cantor se desculpasse, o que ele fez posteriormente.

Irwandi diz que alguns funcionários do governo vêm alertando o país para que trate a covid-19 com mais seriedade. Na terça-feira, o Coronavirus Tracker (Rastreador de casos de coronavírus) da Universidade Johns Hopkins havia registrado 4.320 mortes por covid-19 e 89.869 casos na Indonésia, embora acredite-se que a contagem esteja amplamente subnotificada. Muitas pessoas não praticam distanciamento social e não usam máscaras. Restrições sociais abrangentes começaram a desaparecer no mês passado.

Sua esperança é que a imagem incentive os indonésios a tomar precauções — e salvar vidas. Ele citou um desafio para fotojornalistas lançado em maio pela professora de Harvard Sarah Elizabeth Lewis: ir além das estatísticas e mostrar o impacto da covid-19 sobre as pessoas.

Outros fotógrafos, como Lynsey Addario, foram motivados a fazer o mesmo. (Addario também recebeu apoio da National Geographic Society com o financiamento concedido para a realização de matérias sobre a covid-19.)

Então, quais serão os próximos passos de Irwandi?

Ele parou por um momento e respondeu:

“Acho que vou ficar na minha por um tempo”, disse.

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