Detectado excêntrico terremoto “bumerangue” sob o Oceano Atlântico
O tremor seguiu na direção leste através de uma fenda profunda no fundo do mar e posteriormente retornou a sua origem atingindo velocidades extraordinárias. Seu avanço foi tão rápido que gerou a versão geológica de um estrondo supersônico.
Um terremoto de magnitude 7.2 passou pela casa de Rosario García González, em Baja Califórnia, em uma tarde de primavera em 2010. González, uma anciã da comunidade indígena cucapah, mais tarde descreveu a notável visão aos cientistas: ao abrir uma rachadura na superfície, o terremoto levantou uma nuvem de poeira, como um carro que acelera por uma estrada de terra.
Mas o carro parecia ir na direção errada.
Terremotos geralmente abrem uma rachadura na superfície em uma única direção, como um rasgo no papel. Mas, segundo González, a nuvem de poeira do terremoto recuou ao ponto de origem do tremor — na direção oposta esperada pelos cientistas.
Esse relato da testemunha ocular do terremoto que correu na direção contrária empolgou os cientistas. Orlando Teran, na época, aluno de doutorado no Centro Ensenada de Pesquisa Científica e Ensino Superior, considerou a descrição “espetacular”. Mas ainda não foi comprovado exatamente o que ocorreu naquele dia porque evidências sísmicas não puderam confirmar o que foi observado por González.
Agora, uma equipe internacional de pesquisadores finalmente captou um desses terremotos “bumerangue” em detalhes incríveis, documentando o percurso do tremor em uma direção e seu posterior retorno na direção contrária.
Terremoto abissal tem comportamento diferente
As linhas vermelhas representam os limites entre placas tectônicas.
Sensores no fundo do Oceano detectaram um forte terremoto na Trincheira Romanche – uma falha ativa onde duas placas tectônicas deslizam lado a lado. O tremor forneceu claras evidências de um mecanismo sísmico misterioso.
Esse terremoto de magnitude 7.1 começou nas profundezas do subterrâneo, em uma fenda no fundo do mar do Atlântico, a mais de mil quilômetros da costa da Libéria, no oeste da África. Percorreu no sentido leste e para cima e, em seguida, deu meia-volta e retornou como um bumerangue ao longo da parte superior da falha atingindo velocidades surpreendentes: tão rápido que produziu uma versão geológica de um estrondo supersônico.
A intensidade de um terremoto geralmente se concentra na direção percorrida pelo tremor. Mas um terremoto-bumerangue, ou uma “ruptura de retropropagação” em termos científicos, pode propagar o intenso tremor por uma zona mais ampla. Ainda não se sabe se terremotos-bumerangue são comuns — e quantos deles chegam a velocidades tão altas. Mas o novo estudo, publicado no periódico Nature Geoscience, é um grande passo para desvendar a física complexa responsável por esses fenômenos e entender seus possíveis riscos.
“Estudos como esse nos ajudam a entender como ocorreu a ruptura de terremotos passados, como terremotos futuros podem se romper e qual sua relação com possíveis impactos para falhas próximas a áreas povoadas”, escreveu por e-mail Kasey Aderhold, sismóloga das Instituições de Pesquisa Incorporadas para Sismologia.
Um choque no chão
O último bumerangue foi registrado perto da dorsal meso-oceânica no Atlântico, onde se afastam lentamente as placas tectônicas sul-americanas e africanas. No primeiro semestre de 2016, cientistas implantaram 39 sismógrafos perto da dorsal para registrar os ruídos de terremotos distantes em uma iniciativa para dimensionar a base da placa tectônica.
Passados vários meses, o terremoto de magnitude 7.1 ressoou. O abalo sísmico atingiu uma falha próxima conhecida como zona de fratura Romanche, afirma Stephen Hicks, sismólogo de terremotos da Universidade Imperial College London e autor principal do novo estudo.
A frota de sismógrafos registrou fielmente o tremor do solo em uma série de traços irregulares, inclusive o que pareciam ser pulsos. Intrigados, Hicks e seus colegas analisaram mais profundamente, identificando dois possíveis rastros do terremoto. Ao examinar a localização do epicentro e a energia liberada em cada fase do estrondo, a equipe traçou uma linha entre os pontos geológicos: o abalo inicialmente se dirigia a leste, mas depois retornou a oeste. “Foi uma configuração fora do comum”, afirmou.
A equipe ainda tinha dúvidas de que o terremoto havia de fato dado meia-volta. Então Hicks entrou em contato com Ryo Okuwaki da Universidade de Tsukuba no Japão, que procurou os ecos tênues do fenômeno captados por outros sismógrafos ao redor do mundo. Em apenas alguns dias, a análise desses sinais distantes forneceu uma resposta: o terremoto provavelmente havia recuado.
Outros modelos de computador sugeriram que a origem do terremoto pode ter sido no subterrâneo profundo na direção leste até se aproximar da dorsal meso-oceânica. Lá, virou e avançou pela parte superior da falha. Esse segundo trecho do tremor foi notavelmente rápido, a velocidades supersônicas. O terremoto sacudiu a superfície a uma velocidade estimada de 17,7 mil quilômetros por hora — suficientemente rápido para percorrer de Nova York a Londres em 18,5 minutos. É tão rápido que as ondas sísmicas se acumulam de forma semelhante ao cone de Mach, formado a partir de ondas de pressão quando um avião voa a uma velocidade supersônica. O cone concentrado de ondas de um terremoto supersônico pode ampliar ainda mais o poder de destruição de um abalo sísmico.
Uma série de bumerangues
Descobrir quando e por que esses fenômenos de bumerangue ocorrem é essencial para enfrentar os riscos representados pelos terremotos. A sacudida de um terremoto pode ficar concentrada perto da extremidade da falha, na direção percorrida pelo tremor, semelhante ao silenciamento dos tons agudos altos de uma buzina quando passa um trem. “Como o efeito Doppler”, afirma Lingsen Meng, sismólogo da Universidade da Califórnia em Los Angeles, que não integrou a equipe do estudo. Embora se acreditasse que esse tremor geralmente ficasse concentrado em uma direção, um terremoto-bumerangue poderia direcionar o tremor em duas zonas opostas. E se fosse um supersônico, o estrondo poderia ser ainda pior.
Mas ao menos uma grande dúvida permanece: com que frequência acontece?
Um terremoto-bumerangue a velocidades supersônicas, como o observado pela equipe no Atlântico, pode ser bastante raro. “Pelo que sei, foi a primeira vez que foi relatado”, afirmou Yoshihiro Kaneko, geofísico do instituto de pesquisa GNS Science, na Nova Zelândia, que não integrou a equipe do estudo.
Mas há cada vez mais evidências de terremotos-bumerangue. Esses fenômenos de meia-volta foram estudados em modelos de computador e simulados em experimentos laboratoriais. “Em tese, o fenômeno é possível, mas é muito difícil testemunhá-lo (no mundo real)”, afirma Louisa Brotherson, geofísica, pesquisadora de doutorado na Universidade de Liverpool, no Reino Unido, que simula terremotos em laboratório.
Rupturas causadas pelos bumerangues foram observadas durante os chamados terremotos lentos, que não acontecem com um solavanco, mas progridem lentamente ao longo de dias ou até mesmo meses, segundo Jean-Paul Ampuero, sismólogo da Universidade Côte d’Azur na França. Ele identificou recentemente terremotos de retropropagação em simulações de computador.
Também houve indícios desses fenômenos em outros terremotos. Alguns cientistas argumentam que a magnitude 9.0 do terremoto de Tohoku que atingiu o Japão em 2011, o mais intenso da história já registrado no país, pode ter tido alguma ruptura em bumerangue, observa Meng. O terremoto de 2016 que sacudiu Kumamoto também parece ter se rompido em um processo análogo, acrescenta Kaneko. Naquele abalo, o tremor inicial desencadeou outros dois terremotos em uma cascata de fenômenos, um dos quais recuou e sobrepôs parcialmente o rompimento inicial.
“Pode ser de fato mais comum do que acreditamos”, afirma Kaneko.
Esses bumerangues podem passar despercebidos pelos métodos comuns utilizados para analisar terremotos, baseados na suposição de que um tremor corre em uma única direção. “Naturalmente, não estávamos procurando por ele porque não imaginávamos sua existência”, conta Ampuero. Contudo, quando se trata de terremotos, tudo indica que complexidades podem ser a regra e não a exceção.
Como Hicks costuma dizer: “quanto mais analisamos terremotos em maiores detalhes, certamente encontraremos mais excentricidades.”