Estresse causado pela pandemia gera desorganização. Como interromper esse ciclo?

Áreas de trabalho desorganizadas aumentam os níveis de estresse e ansiedade que, por sua vez, tornam as pessoas mais desorganizadas.

Por Rebecca Renner
Publicado 11 de ago. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Escritório de Albert Einstein em Princeton, Nova Jersey, horas após sua morte, fotografado exatamente como o ...

Escritório de Albert Einstein em Princeton, Nova Jersey, horas após sua morte, fotografado exatamente como o vencedor do Prêmio Nobel o havia deixado, em 18 de abril de 1955.

Foto de Photogrpah by Ralph Morse, The LIFE Picture Collection via Getty Images

A BAGUNÇA COMEÇOU com os materiais de escritório, com papéis espalhados e canetas jogadas. À medida que passava mais tempo em casa devido ao isolamento, Sarah Frances Hicks começou a observar um novo tipo de desorganização em sua mesa. O avô de Hicks havia morrido antes do início da pandemia, e ela estava mexendo nos pertences dele para passar o tempo durante o isolamento. Como ela não é o tipo de pessoa que inicia novos projetos antes de terminar os antigos, Hicks logo se envolveu na missão, espalhando sobre sua mesa um pequeno banjo ukulele, bastões giratórios, um estojo de violino, hinários antigos e o laptop de seu avô. Ela sentiu que sua produtividade foi afetada.

“Não consigo trabalhar em um ambiente bagunçado”, diz Hicks, escritora freelancer em Orlando, Flórida, que, em circunstâncias normais, prefere trabalhar em cafeterias. “Preciso de tudo organizado para conseguir me concentrar no trabalho. Sempre que vejo algo desorganizado, não consigo pensar em mais nada até arrumar tudo.”

Hicks não é a única a pensar assim. Esse sentimento se intensificou à medida que mais pessoas tiveram que ficar e trabalhar em casa a fim de evitar a covid-19. No início do século 20, e talvez muito antes disso, o senso-comum passou a associar sucesso com esforço maçante. “A limpeza nos aproxima de Deus“, disse o teólogo John Wesley em um sermão de 1778.

Mais recentemente, neurocientistas e psicólogos estudaram o efeito da bagunça na nossa cognição, emoção, saúde mental, comportamento, habilidades de tomada de decisão e outros aspectos. Os pesquisadores associaram ambientes de trabalho de baixa qualidade, como escritórios barulhentos com iluminação forte, à redução na produtividade e satisfação no trabalho. De modo específico, áreas de trabalho desorganizadas ou bagunçadas parecem aumentar os níveis de estresse e ansiedade.

Técnicas de neuroimagem demonstraram que o cérebro de algumas pessoas reage de forma subconsciente a simples imagens de ordem e organização. Imagens que retratam organização passam uma sensação de calma a várias pessoas. Mas quando a desordem toma conta, pode ativar uma resposta de luta ou fuga. Para muitas pessoas, os níveis de cortisol aumentam e elas se sentem emocionalmente exaustas ou se esgotam mais rapidamente. Essa inebriante composição emocional pode até mesmo afetar nossos relacionamentos.

Para outras, a bagunça é uma marca da criatividade.

Lawrence J. Peter, conhecido como o autor do “Princípio de Peter”, questionou: “Se uma mesa bagunçada é sinal de mente desordenada, o que uma mesa vazia diz então?” A fala é normalmente atribuída por engano a Albert Einstein, que de fato tinha uma mesa bagunçada; o que também era uma característica de outros pensadores revolucionários, como Thomas Edison e Steve Jobs. Em um estudo da Universidade de Minnesota, os alunos que trabalharam em espaços desorganizados tiveram ideias mais criativas do que seus colegas que atuaram em áreas arrumadas.

Claramente, a desordem causa mais estresse para algumas pessoas do que para outras. E embora a solução — arrumar a bagunça — possa parecer fácil para alguns incomodados, muitas pessoas vivem em ambientes que não conseguem mudar, então, encarar a situação se torna uma necessidade.

Atenção dividida

Sabine Kastner, professora de neurociência e psicologia da Universidade de Princeton, começou a pesquisar a ciência da atenção em 2008. Ávida para saber como o cérebro humano reage à aleatoriedade e variação em nossos ambientes, Kastner criou um estudo no qual exibia imagens de cenas de rua a participantes submetidos a exames de ressonância magnética funcional (RMf), nos quais é possível observar a irrigação sanguínea em partes ativas do cérebro.

Em vários experimentos ao longo de diversos anos, Kastner pediu que os participantes se concentrassem em um item nas imagens, como uma pessoa ou carro. Em todos os casos, o córtex frontal, que desempenha um papel fundamental no controle cognitivo, na memória de trabalho, na atenção e nas reações emocionais, ganhou destaque na tela do exame de ressonância magnética. O cérebro dos participantes gastava mais energia tentando se concentrar do que em processar qualquer item na imagem.

“Muitos de nós temos dificuldades em processar a nossa bagunça”, diz Kastner. “Pode se tornar algo complexo demais e fazer com que o nosso cérebro trabalhe dobrado para concluir tarefas simples.” Quanto mais estímulos conflitantes absorvemos, mais nosso cérebro precisa trabalhar para filtrar o que realmente importa.

Quando essa tensão proveniente de objetos concorrentes é eliminada de nosso cérebro, fica muito mais fácil se concentrar. Em 2011, Kastner constatou que as pessoas que arrumavam suas casas ou áreas de trabalho conseguiam se concentrar mais e apresentavam melhor produtividade. Outras equipes de pesquisa confirmaram que diminuir as distrações visuais pode reduzir a carga cognitiva e liberar memória de trabalho.

Os ambientes influenciam mais do que apenas nossa atenção. Eles podem influenciar nossos hormônios, bem como nosso humor. A desorganização pode desencadear a liberação de cortisol, o hormônio do estresse associado à resposta de luta ou fuga. A exposição prolongada à desordem pode induzir estresse crônico e a bagunça parece estressar ainda mais as mães, de acordo com um estudo de 2009Outro estudo realizado em 2010 mostrou que as esposas se estressam muito mais do que os maridos. Independentemente do sexo, a desordem parece levar algumas pessoas a procrastinar como forma de reagir ao estresse.

Mente versus desordem

Embora as escolas talvez nunca mais sejam as mesmas em um mundo pós-pandemia, antes da covid-19, professores inteligentes aproveitavam o poder da neurociência para organizar e criar espaços voltados ao aprendizado.

Jared Smith, professor de inglês do ensino médio em Tampa, Flórida, leciona na educação inclusiva e sabe que salas de aula organizadas e confortáveis criam ambientes de aprendizado melhores do que salas caóticas e confusas. Desta forma, ele transformou sua sala de aula um espaço convidativo, decorando as paredes com arte e substituindo as mesas tradicionais por mesas móveis e cadeiras rolantes. Ele deu ênfase à limpeza, a um espaço aberto e à flexibilidade na hora de escolher onde se sentar. Depois que implementou as mudanças, todos os seus alunos apresentaram melhor desempenho nas provas, conta ele. Mas as modificações em sala de aula para beneficiar psicologicamente os alunos trouxeram mais do que apenas notas mais altas. Ele conta que pela maneira como os alunos agiam em sala de aula, soube que se sentiam bem-vindos.

Muitos dos alunos de Smith já enfrentavam problemas de aprendizado devido às suas excepcionalidades. “Eles já precisam se adaptar mais do que qualquer outro aluno”, diz Smith. “Tive que proporcionar a eles meios para se fazer isso, controlar o próprio espaço e sentir-se à vontade onde estão, para que os demais elementos ficassem em segundo plano e eles se concentrassem no aprendizado.”

Se a arrumação for algo difícil, existem outras soluções. Como muitas pessoas que enfrentam a pandemia em casa, Hannah McLane, neurologista e especialista em medicina do trabalho na Filadélfia, está fazendo malabarismo para cuidar dos filhos e trabalhar. Mas, diferentemente de muitas pessoas que estão se estressando com a bagunça acumulada durante a pandemia, McLane pode recorrer ao seu conhecimento em neurociência para obter alguma perspectiva. Ela sabe que estar em casa traz distrações, por isso adota uma estratégia de mindfulness, ou atenção plena, e recomenda que seus clientes façam o mesmo.

“Quando você está na sala de casa tentando trabalhar, sua mente pode facilmente se distrair e pedir para você fazer outra coisa”, diz McLane. “Você vê um prato sujo e sente a necessidade de lavá-lo. Encontra uma roupa no chão e a pega. Isso pode levar você a uma série de pensamentos, causando estresse em relação ao que precisa ser feito ou às ações em si, mesmo quando deveria estar se concentrando em outra coisa.”

Se a bagunça estiver afetando sua capacidade de trabalhar em casa, tente organizar seu ambiente ou reduzir outros estímulos que causam distração, incluindo ruídos. Se não consegue se livrar da bagunça, McLane aconselha adotar uma prática de mindfulness, que pode ajudá-lo a parar de se preocupar com os problemas em sua casa e se concentrar no trabalho.

“Quando perceber que está pensando em muitas coisas ao mesmo tempo, pergunte a si mesmo se já pensou naquilo antes. Você realmente precisa pensar nisso agora? Poderia colocar o seu pensamento no papel?”, aconselha McLane. “A atenção plena (mindfulness) definitivamente ajuda você a parar de pensar demais, entender os processos de pensamento por trás de sua procrastinação e superar a distração.”

As pessoas que estão conseguindo trabalhar de casa podem até não ser muito organizadas, mas treinaram a si mesmas para evitar distrações ou, pelo menos, para não reagir a elas. Em outras palavras, as percepções que temos do nosso ambiente têm um impacto maior sobre nós do que o próprio ambiente.

Para algumas pessoas, a desordem pode até ser estimulante. “Depende da carga com a qual o seu cérebro conseguir lidar”, diz Kastner. “Não existe um conceito único. Nossas habilidades estão distribuídas em um amplo espectro. Há muita diversidade naquilo que nossos cérebros são capazes de fazer.”

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