Vacinas contra a covid-19 podem se tornar obrigatórias – saiba como funciona

Quando uma vacina estiver disponível, a vacinação talvez se torne obrigatória para que as pessoas possam trabalhar, participar de eventos esportivos ou até mesmo conseguir uma mesa em um restaurante.

Por Jillian Kramer
Publicado 23 de ago. de 2020, 09:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Uma enfermeira prepara uma vacina que será aplicada em um paciente em 16 de agosto de ...

Uma enfermeira prepara uma vacina que será aplicada em um paciente em 16 de agosto de 2020.

Foto de David Cheskin, Press Association, via Ap

VOCÊ CAMINHA EM DIREÇÃO ao estádio, pronto para assistir a um grande jogo com o ingresso nas mãos. Mas o que vê é uma longa fila que dobra a esquina e um controle de pessoas na entrada em que todos procuram em seus bolsos e bolsas um pequeno pedaço de papel. Para ser liberado, você também precisará desse documento — o comprovante de vacinação contra a covid-19.

Alguns especialistas preveem o seguinte cenário: um mundo no qual será necessário comprovar a vacinação contra o novo coronavírus para assistir a um jogo esportivo, ir à manicure, trabalhar ou embarcar em um trem.

“Não chegaremos ao ponto em que uma autoridade de saúde baterá em sua porta para vaciná-lo”, afirma Arthur Caplan, bioeticista da Escola de Medicina da Universidade de Nova York. Mas ele e vários outros especialistas em políticas de saúde preveem que decretos de vacinação possam ser instituídos e fiscalizados por governos locais ou empregadores — semelhantes aos atuais requisitos de vacinação para crianças em idade escolar, militares e profissionais de saúde.

Nos Estados Unidos, a maioria dos decretos de vacinação são emitidos pelo governo. O Comitê Consultivo em Práticas de Imunização (Acip) é responsável pelas recomendações de vacinas pediátricas e de adultos, e os governos estaduais ou municipais determinam a necessidade de emissão de decretos. Esses decretos normalmente estão relacionados aos alunos que frequentam escolas públicas, e todos os 50 estados dos Estados Unidos exigem que esses alunos recebam algumas vacinas, exceto por questões médicas, religiosas e filosóficas.

Obra “Vaccination” (Vacinação) do pintor francês Alfred Touchemolin, por volta de 1895. A pintura retrata recrutas do exército francês recebendo a vacina contra a varíola bovina para protegê-los da infecção mais virulenta, a varíola.

Foto de Painting by Alfred Touchemolin, Unversital History Archive/Getty Images

Os decretos de vacinação para adultos — que exigem que funcionários e a população sejam imunizados — não são tão difundidos, mas também não são inéditos. Os estados e cidades dos Estados Unidos podem e já exigiram a vacinação compulsória dos cidadãos. Em 1901, por exemplo, a cidade de Cambridge, em Massachusetts, adotou uma lei que exigia que todos os cidadãos com 21 anos ou mais fossem vacinados contra a varíola. Quem descumprisse a ordem, receberia uma multa de cinco dólares ou o equivalente a US$ 150 hoje. Quem contestou a decisão no tribunal acabou perdendo. (O último surto de varíola nos Estados Unidos ocorreu em 1949.)

Camiseta, sapatos e vacinação necessários

Hoje, as Forças Armadas dos Estados Unidos exigem que as tropas sejam imunizadas contra várias doenças, incluindo tétano, difteria, hepatite A e poliomielite. Diversos estados exigem que os profissionais de saúde sejam vacinados contra doenças como coqueluche, varicela, sarampo, caxumba e rubéola. Os sistemas hospitalares geralmente exigem outras vacinas como requisito para ingressar no trabalho. E, legalmente, todos os empregadores de qualquer setor podem exigir que seus funcionários sejam vacinados.

Os decretos também podem ser estendidos aos clientes. Assim como os proprietários de empresas podem impedir que clientes descalços e sem camisa entrem em seus restaurantes, salões, estádios e lojas, eles podem legalmente impedir a entrada de pessoas por uma série de razões, “desde que não haja conflito com nenhuma lei antidiscriminação”, diz Dorit Rubinstein Reiss, professora de saúde e lei de vacinação da Universidade da Califórnia, Faculdade de Direito Hastings.

Quando uma vacina contra a covid-19 estiver disponível, alguns especialistas acreditam que os estados exigirão que determinados setores cumpram os decretos de vacinação em relação a seus funcionários, especialmente aqueles considerados “trabalhadores essenciais”.

“As pessoas que trabalham em supermercados ficam expostas pois têm contato com muita gente, mas também podem transmitir doenças a muitas pessoas devido à natureza de seu trabalho e ao fato de que praticamente todo mundo precisa comprar alimentos”, disse Carmel Shachar, diretora executiva do Centro Petrie-Flom de Direito da Saúde, Biotecnologia e Bioética da Faculdade de Direito de Harvard. Os profissionais do setor de hospitalidade — que trabalham em restaurantes, bares e cafeterias, por exemplo — também podem precisar cumprir decretos semelhantes.

“É do interesse do empregador garantir que o local de trabalho esteja protegido e que os funcionários não infectem seus colegas”, diz Shachar. “Ter uma vacina amplamente acessível dispensa diversos empregadores da necessidade de controlar o comportamento de seus clientes.” E com os funcionários devidamente vacinados, “não é preciso se preocupar se as pessoas que você está atendendo no restaurante estão infectadas com a covid-19.”

Até mesmo o público em geral pode ser incentivado a se vacinar. “Curiosamente, a melhor maneira de impor um decreto é recompensando as pessoas, oferecendo-as mais liberdade ao cumprirem a imposição”, diz Caplan. Por exemplo, com o comprovante da vacinação, as pessoas poderão assistir a um evento esportivo “como recompensa por terem feito a coisa certa”, diz ele. “E já imagino as pessoas dizendo: se você quiser ir ao meu restaurante, ao meu boliche ou ao meu estúdio de tatuagem, precisará apresentar a sua carteira de vacinação”.

Doses de reforço também poderão ser exigidas, dependendo da eficácia das vacinas futuras. As vacinas contra a gripe apresentam cerca de 70% de eficácia, segundo Lauren Grossman, professora de medicina de emergência na Universidade do Colorado em Denver, e novas vacinas são necessárias a cada ano. Yvonne Maldonado, professora de políticas de saúde na Universidade de Stanford, alerta que qualquer tipo de vacina contra a covid-19 poderá não produzir imunidade duradoura e exigir doses de reforço frequentes. Se for esse o caso, os decretos provavelmente também incluirão a comprovação das doses de reforço.

Vacinação comprovada

Embora a fiscalização desses decretos apresente certos desafios, não será impossível ou algo considerado sem precedentes. Atualmente, para embarcar em um voo com destino a Dubai da companhia aérea Emirates, por exemplo, todos os passageiros devem apresentar um atestado de teste de covid-19 negativo. Assim que a vacina estiver disponível, as companhias aéreas podem implementar regras rigorosas exigindo atestados de vacinação contra a covid-19.

Reiss explica que leis federais podem exigir um comprovante de vacinação contra a covid-19 para emissão de passaporte — que exibiria um símbolo mostrando seu status de vacinação. As carteiras de motorista podem ser atualizadas de maneira semelhante, diz Caplan. No trabalho, os crachás dos funcionários podem conter adesivos de vacinação, e um atestado em papel emitido pelo seu médico pode servir como comprovante de vacina em eventos públicos.

“Talvez cheguemos a um ponto em que precisaremos assinar uma declaração de imunidade para marcar uma consulta”, diz Grossman.

Mais de 150 vacinas contra a covid-19 estão atualmente em desenvolvimento. Os preços das vacinas começaram a ser divulgados, e alguns desenvolvedores afirmam que as vacinas podem custar apenas US$ 4 ou no máximo US$ 37 por dose — o valor de uma vacina contra a gripe. Os empregadores que exigirem vacinas contra a covid-19 podem oferecer uma ajuda de custo, conceder folga para que o funcionário seja vacinado ou oferecer a aplicação de vacinas no próprio local de trabalho, diz Amber Clayton, diretora da Sociedade de Gestão em Recursos Humanos do Centro de Conhecimento de RH. Para ajudar as pessoas de baixa renda, desempregadas ou que não possuem plano de saúde, algumas autoridades sugeriram o fornecimento gratuito de vacinas pelo governo; contudo os detalhes de um programa desse tipo não foram divulgados.

Se esses decretos forem instituídos, nem todos serão receptivos: uma pesquisa recente realizada pela Gallup mostra que cerca de 35% dos norte-americanos não se vacinariam contra a covid-19, mesmo que a vacina fosse gratuita. E embora o movimento antivacina em todo o país permaneça pequeno em geral, a hesitação em relação a vacinas está crescendo. Alguns estudos indicam que as taxas de vacinação infantil estão caindo em todo o país.

As pessoas que são contra vacinas são descritas por Caplan como uma minoria que não se deixa passar despercebida: eles costumam utilizar campanhas convincentes para espalhar o medo sobre as vacinas. Por exemplo, alguns afirmam que a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola (SCR) — obrigatória para todas as crianças em idade escolar — pode causar autismo. Essa afirmação é comprovadamente falsa, mas também causou um declínio na vacinação contra essas doenças.

Campanhas antivacina semelhantes direcionadas às vacinas em desenvolvimento contra a covid-19 começaram a se espalhar, mesmo antes de uma vacina ter sido aprovada para o público. Os decretos de vacinação, segundo os especialistas, podem ser alvo de campanhas agressivas de grupos que dizem estar preocupados com a segurança e eficácia de uma vacina desenvolvida em velocidade recorde.

Pessoas que expressam hesitação sobre uma possível vacina contra a covid-19 costumam dizer que sua principal preocupação é com a segurança. Isso pode ser um indicativo de que alguns norte-americanos recusariam a imunização. Mas se uma vacina contra a covid-19 for comprovadamente segura, “acredito que a maioria das pessoas vai querer se vacinar”, diz Caplan. “E se a maioria das pessoas quiser, não será necessário exigir — elas se vacinarão por conta própria.”

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