Gerações mais jovens estão transmitindo o coronavírus — mas não por causa de festas e bares

São os mais jovens também que enfrentam risco de infecção para manter a economia funcionando.

Por Rebecca Renner
Publicado 21 de set. de 2020, 10:03 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT
Uma cliente em sua mesa e um garçom no Magnolia Pancake Haus, em San Antonio, Texas, ...

Uma cliente em sua mesa e um garçom no Magnolia Pancake Haus, em San Antonio, Texas, na sexta-feira, 1º de maio de 2020, quando o estabelecimento reabriu com capacidade reduzida durante a pandemia do novo coronavírus.

Foto de Christopher Lee, T​he New York Times, via Redux

QUANDO OS PARAMÉDICOS LEVARAM a gestante hondurenha ao pronto-socorro, o residente Chuan-Jay Jeffrey Chen, de 28 anos, estava pronto para recebê-la. Era abril, a pandemia já havia se propagado pelo mundo e ele estava em seu último ano de residência em medicina de emergência. De todas as pessoas com coronavírus que chegaram ao Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, essa paciente de 32 anos continua na memória de Chen.

A mulher estava com tanta falta de ar que mal conseguia falar, então Chen precisaria entubá-la — um procedimento delicado que requer precisão e agilidade. Cada segundo sem oxigênio diminui as chances de sobrevivência do paciente. A gravidez complica ainda mais o cenário, tornando as vias aéreas inchadas e fazendo a pressão arterial cair mais rapidamente. Quando Chen começou a atendê-la e explicou a ela os próximos passos em espanhol, ele também precisou se esforçar para se manter calmo.

“Eu sabia que a margem para erro naquele momento era mínima”, diz Chen. O esposo da mulher grávida havia sido impedido de entrar no hospital devido às restrições da pandemia e Chen sabia que se algo desse errado, sua voz poderia ser a última que ela ouviria.

Além do estresse de atuar em situações de vida ou morte, Chen está com problemas financeiros. Pressionado pelos altos preços dos aluguéis em Boston e pelo seu empréstimo estudantil, ele concluirá sua residência em breve e entrará para o mercado de trabalho, que está contratando menos em função da pandemia e do fechamento de hospitais.

No noticiário, matérias envolvendo os millennials e a geração Z — definidos pelo Pew Research Center como pessoas nascidas após 1982 e 1996, respectivamente — citam encontros em praias lotadas e festas em casa onde os convidados tentam infectar uns aos outros com covid-19. Mas esses relatos deixam de abordar as difíceis circunstâncias de pessoas como Chen e sua paciente, que são marcados pela desigualdade econômica e social. Uma atualização de 18 de agosto da Organização Mundial da Saúde anunciou que pessoas entre 20 e 40 anos são atualmente responsáveis pela disseminação do vírus, mas isso porque a maioria está apenas tentando fazer seu trabalho.

“Nas últimas décadas, testemunhamos uma mudança na economia, com o aumento de empregos no ramo de serviços”, incluindo varejo, serviços de alimentação, hospitalidade e creches infantis, diz Sharon Sassler, professora de análise de políticas e gestão da Universidade Cornell. “Agora, os jovens que prestam esses serviços correm maior risco de ficarem expostos.” Além disso, novas pesquisas confirmam o que muitos especialistas já haviam observado em desastres naturais: a vulnerabilidade econômica dificulta a capacidade de enfretamento das pessoas diante de uma catástrofe e esse fardo recai mais intensamente sobre as gerações mais jovens.

Em Boston, Chen conseguiu salvar a gestante. Meses depois, ela escreveu para ele e para a equipe do pronto-socorro, para que soubessem mais sobre a vida que salvaram. Ela estudou arquitetura em Honduras antes de vir para os Estados Unidos, onde seu marido conseguiu um emprego em uma fábrica. Foi nessa fábrica que ele contraiu o novo coronavírus e, sem saber, infectou sua esposa e filho que ainda não havia nascido. Chen diz que a carta o comoveu e foi como um lembrete das escolhas impossíveis que a pandemia está forçando jovens adultos a fazer todos os dias, inclusive ele.

Dos 22 milhões de empregos perdidos desde o início da pandemia, apenas 42% foram recuperados no início de agosto. Essa escassez coloca os jovens adultos em um dilema: caso consigam encontrar um emprego, muitos se sentirão compelidos a aceitá-lo, mesmo que isso signifique correr riscos. Embora pessoas entre 18 e 34 anos tenham menos probabilidade de morrer de coronavírus, elas não são totalmente poupadas dos efeitos da doença. Nos Estados Unidos, um em cada cinco jovens adultos hospitalizados necessita de cuidados intensivos.

“O vírus em si atinge os idosos com muito mais força”, diz Gray Kimbrough, economista da American University. “Mas a recessão afeta mais intensamente os menos favorecidos. São pessoas que estão no início de suas carreiras, pessoas com menos escolaridade, pessoas que não podem trabalhar de casa devido à atividade que exercem. Esses indivíduos tendem a ser mais jovens.”

Uma armadilha econômica

As gerações mais velhas são conhecidas por servir de bode expiatório aos mais jovens para os problemas econômicos do país. Matérias que se iniciam com “Os millennials estão matando...” foram tão comuns na última década que a frase se tornou um meme em 2016. Mas agora sabemos que os millennials não estavam acabando com tradições como o casamento e a casa própria de propósito. Devido à Grande Recessão, eles passaram a não ter condições econômicas de arcar com esses marcos, sem falar em férias, jogos de azar, cinemas e clubes de campo. O comportamento da geração millennials foi uma reação às crises econômicas pelas quais passaram, não uma causa delas.

Esse legado está agora sendo passado para a geração Z. Quando a primeira onda de demissões chegou em março devido ao novo coronavírus, Jade Jackson perdeu o emprego em uma loja de roupas onde trabalhava para conseguir arcar com as mensalidades da faculdade no próximo semestre. Nos meses seguintes, a jovem de 19 anos batalhou para encontrar um novo emprego.

“Começou a se tornar uma corrida contra o tempo”, conta Jackson. Determinada a continuar seus estudos em ciências biomédicas na Universidade Estadual do Arizona, ela continuou se candidatando às vagas. Após mais de três meses enviando currículos e participando de seleções, e sem conseguir obter o seguro-desemprego, Jackson conseguiu um emprego em outra loja de roupas no shopping de seu bairro em Chicago. Mesmo com todas as precauções no estabelecimento, da instalação de divisórias de acrílico nos balcões ao fornecimento de álcool em gel aos clientes, Jackson sempre pensava no risco da exposição. O que a preocupava mais do que sua própria segurança era a possibilidade de contrair a doença e ser assintomática e, sem saber, infectar a avó, com quem mora.

“Eu trocava de roupa no carro, entrava em casa e colocava as roupas para lavar todos os dias”, diz Jackson. “Depois de tomar um banho para me certificar de que estava limpa, eu ia finalmente cumprimentar minha irmã e minha avó.”

O medo de Jackson — e suas medidas de precaução — são justificados. Os especialistas indicam que pessoas como Jackson, cujos baixos salários ou o desejo de frequentar a faculdade as colocam em contato com um número maior de pessoas, têm mais chance de contrair e transmitir o coronavírus; como demonstra o número crescente de casos em sua faixa etária.

“Os jovens estão sendo bastante criticados, principalmente os universitários”, diz Hannah Smith, estudante de mestrado de 22 anos na Texas A&M University, que está cursando saúde pública e fez a difícil escolha de frequentar as aulas presencialmente neste semestre. “Acho isso injusto, especialmente quando a universidade os recebe de braços abertos.”

Esse maior risco não está relacionado apenas à natureza de um trabalho ou estudo que envolve bastante deslocamento ou contato com pessoas. O risco de contrair coronavírus também está estritamente associado à renda, o que influencia nossa capacidade de praticar o distanciamento social.

Antes da pandemia, norte-americanos com boas condições econômicas se deslocavam nas cidades — e fora delas — com muito mais frequência do que a classe trabalhadora. Mas em abril, essas estatísticas mudaram. De acordo com uma extensa análise de dados anônimos provenientes de telefones celulares, 25% mais pessoas em áreas ricas estavam ficando totalmente em casa, enquanto 10% mais pessoas de baixa renda estavam se deslocando para fora de suas regiões habituais.

“A pandemia agravou um problema exclusivamente norte-americano”, diz Kimbrough. “Nossa rede de segurança social tem muitas falhas.”

Sem nenhum amparo

Quando a renda determina a capacidade de uma pessoa de praticar o distanciamento social, não é nenhuma surpresa o fato de os menos favorecidos de todas as gerações estarem sendo infectados com o coronavírus e enfrentando casos graves da doença a taxas elevadas. É ainda menos surpreendente para os pesquisadores que previram essa tendência com uma métrica chamada índice de vulnerabilidade social, ou IVS.

Criado pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos após o furacão Katrina, o IVS é um sistema de análise utilizado para avaliar a resiliência de uma comunidade e direcionar os serviços de emergência necessários em caso de desastres. O IVS leva em consideração fatores como situação socioeconômica, se a pessoa é considerada minoria, se é portadora de deficiência, composição familiar, tipo de moradia e acesso a transporte para calcular como as pessoas serão afetadas por desastres e o nível de intervenção governamental necessário em suas áreas para que se recuperem. No sudeste dos Estados Unidos, o IVS é normalmente empregado para ajudar as comunidades de baixa renda a se recuperar após furacões. Mais de cinco décadas de pesquisas demostraram que a pobreza aumenta significativamente o risco de ferimentos graves ou morte em um desastre natural.

As mesmas tendências estão surgindo com a pandemia. Uma equipe de Harvard e Stanford observou, já em abril, uma correlação entre vulnerabilidade social e maior risco de contrair o coronavírus.

“As pessoas mais vulneráveis do ponto de vista social também são aquelas que exercem atividades essenciais ou que não podem se dar ao luxo de não trabalhar”, diz Arshed Quyyumi, professor de cardiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Emory, em Atlanta, Geórgia. “Elas continuam trabalhando e muitas vezes dependem de transporte público. Portanto, ficam mais expostas. Em casa, essas pessoas não conseguem praticar o isolamento físico porque vivem em moradias superlotadas.”

Mais de uma em cada quatro comunidades socialmente vulneráveis nos Estados Unidos apresentou alta taxa de mortes durante a pandemia, de acordo com uma análise do grupo de pesquisa de Quyyumi, que também elaborou um mapa interativo a partir dos dados.

“Um dos motivos é o acesso ao tratamento”, afirma Aditi Nayak, pesquisador em cardiologia da Emory e membro da equipe de pesquisa. “Há uma disparidade evidente no acesso a tratamentos experimentais e uma disparidade no acesso aos testes.”

Baixos salários, em especial, são um dos fatores mais determinantes em termos de risco de contrair o coronavírus. Segundo uma análise do Imperial College de Londres, nos Estados Unidos, as famílias menos privilegiadas têm 32% mais probabilidade de morrer de coronavírus do que as famílias mais ricas.

Assim, embora as gerações mais jovens sejam culpadas, em alguns setores, pela disseminação da pandemia, elas precisam enfrentar a pobreza e o risco de infecção como parte do papel de manter a economia funcionando, tudo isso com pouco auxílio.

“Os mais jovens ocupam as posições mais precárias”, diz Kimbrough. “Quando perdem o emprego, perdem também o plano de saúde. Além disso, têm problemas para obter os benefícios que deveriam protegê-los em situações como essa. Quando não podem contar com essa ajuda, os jovens ficam sem amparo nenhum.”

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