Corrida pela vacina: refrigeração comum pode ser o grande trunfo da Moderna

A empresa de biotecnologia afirma que sua vacina candidata pode proteger contra a doença letal e ser armazenada em refrigerador comum por 30 dias.

Por Sarah Elizabeth Richards
Publicado 23 de nov. de 2020, 11:32 BRT
Arquivos da empresa de biotecnologia Moderna referentes ao protocolo para as vacinas contra covid-19 são armazenados ...

Arquivos da empresa de biotecnologia Moderna referentes ao protocolo para as vacinas contra covid-19 são armazenados no Research Centers of America na cidade de Hollywood, na Flórida, em 13 de agosto de 2020.

Foto de Chandan Khanna, AFP via Getty Images

É SO O COMEÇO, mas notícias sobre o desenvolvimento da vacina contra covid-19 continuam a trazer a esperança necessária para um mundo devastado pelo vírus.

A Moderna Therapeutics anunciou o primeiro lote dos resultados provisórios de seu ensaio clínico de fase três tão aguardado. A empresa afirma que sua vacina candidata é 94,5% eficaz — dando sequência de forma surpreendente às notícias das farmacêuticas Pfizer e BioNTech de que a versão das empresas apresentava uma taxa de sucesso semelhante. Como as duas são vacinas de mRNA, a notícia é mais uma comprovação de que essa avançada tecnologia pode estar pronta para sua primeira aprovação após décadas.

Esses anúncios recentes sobre as vacinas, incluindo uma terceira vacina registrada na Rússia, mostram o trabalho que a ciência vem desempenhando, diz Maria Elena Bottazzi, codiretora do Centro de Desenvolvimento de Vacinas do Texas Children’s Hospital em Houston, nos EUA. “Sabemos que essas vacinas estão induzindo boas respostas imunológicas.”

Embora a Moderna tenha fornecido apenas um resumo dos dados, já apresentou mais informações do que seus concorrentes. Especificamente, a empresa compartilhou dados demográficos de voluntários da análise provisória, que envolvem um subconjunto de pacientes com casos confirmados de covid-19 entre as 30 mil pessoas no ensaio de fase três.

Os dados incluíram o número de pessoas em grupos de alto risco, como adultos acima de 65 anos e participantes de diversas etnias. Assim como a Pfizer, a Moderna afirma que a análise atendeu ao objetivo primário de prevenção da infecção, considerando que cinco casos ocorreram no grupo vacinado em comparação com 90 pessoas que contraíram coronavírus no grupo não vacinado ou placebo. Mas a divulgação da Moderna também incluiu informações sobre a gravidade da doença: 11 casos graves foram registrados entre os voluntários que receberam placebo em comparação a nenhum caso entre os voluntários vacinados.

Talvez a maior novidade tenha sido um outro anúncio informando que a vacina da Moderna pode ser armazenada de 2 a 8 graus Celsius por 30 dias. Essa é a temperatura de um refrigerador comum ou de uma caixa térmica com gelo. Essa característica pode fornecer uma vantagem à Moderna porque torna a distribuição em massa menos morosa em áreas rurais e países de baixa renda.

Por outro lado, a vacina da Pfizer precisa ser mantida a -70 graus Celsius — fato que preocupa oficiais de saúde pública de que a vacina fique desproporcionalmente acessível apenas a países ricos e regiões que poderiam arcar com freezers especiais com alta capacidade de resfriamento. Na semana passada, o CEO da BioNTech, Ugur Sahin, contou à agência de notícias Reuters que a vacina da empresa durou até cinco dias sob refrigeração comum.

“A refrigeração comum facilita, pois não é necessário adquirir novos equipamentos”, esclarece Bruce Y. Lee, professor de política e gestão de saúde da Universidade da Cidade de Nova York que estuda cadeias de suprimentos de vacinas. “Uma grande parte da cadeia de suprimentos já possui os refrigeradores necessários para outros tipos de vacina.”

Vantagem com a refrigeração?

Nas últimas décadas foram disponibilizadas diversas vacinas, como a do rotavírus e HPV, com isso, muitos países ganharam uma experiência valiosa em logística de massa: transporte de vacinas a partir dos fabricantes, armazenamento em localizações centrais e posterior distribuição em caminhões ou motocicletas refrigerados pelas cidades e países.

A vacina da Moderna tem maior validade em refrigeração regular porque seus cientistas descobriram como torná-la mais estável. A extensão da validade foi conquistada com o domínio de uma fórmula estratégica de nanopartículas lipídicas — o pilar da vacina que atua como meio de transporte da droga para as células humanas, diz Aliasger K. Salem, cátedra de ciências farmacêuticas da Universidade de Iowa. Embora os detalhes da ciência empregada pela Moderna sejam confidenciais, Salem diz que a vacina contra covid-19 da empresa provavelmente se baseia em um trabalho desenvolvido anteriormente com nanopartículas lipídicas em imunizações para outras doenças infecciosas, como o vírus sincicial respiratório.

Outras técnicas para aumentar a estabilidade da vacina incluem adição de mais conservantes inertes ao líquido utilizado para armazenar a preparação ou ajuste da estrutura das nanopartículas para melhor proteção da fita de RNA contra o desgaste ao longo do tempo ou deterioração em temperaturas mais altas.

Apesar da vantagem de ser possível enviar e armazenar a vacina da Moderna utilizando refrigeração comum, ainda é cedo para definir uma versão como vencedora. Isso ocorre porque essas vacinas pioneiras podem ter um desempenho diferente que depende dos dados demográficos da população. Em outras palavras, as duas vacinas podem ser necessárias.

“É muito importante combinar o tipo de vacina com a cadeia de suprimentos disponível e as pessoas que receberão a vacina”, explica Lee. Por exemplo, para pessoas com dificuldade de acesso à vacina (ou que têm menor probabilidade de tomar uma segunda dose em um esquema de vacina de duas doses), pode ser melhor administrar uma vacina de dose única com proteção mais duradoura.

Mesmo utilizando toda a infraestrutura de refrigeração existente no mundo, a vacinação não será fácil. No início deste ano, a empresa alemã de logística DHL estimou que três bilhões de pessoas não têm acesso aos recursos da rede de frio necessários para fornecimento da vacina, mesmo considerando a refrigeração comum. Os problemas que envolvem a cadeia de suprimentos são inevitáveis, diz Lee, já que nenhum governo ou agência de saúde pública nunca teve que atuar com tanta rapidez e em tamanha escala. “Pode haver situações em que a vacina da Pfizer seja mais adequada para alguns locais e a da Moderna para outros, e ainda há outras vacinas surgindo”, diz ele.

Essas decisões dependerão do acesso a uma maior quantidade de dados. Existe uma crítica crescente a esses resultados provisórios — e a falta de transparência deles — e os especialistas dizem que devem pesar o entusiasmo inicial contra possíveis preocupações. Por exemplo, Peter Doshi, professor associado de pesquisa em serviços de saúde farmacêutica da Faculdade de Farmácia da Universidade de Maryland, afirma que o anúncio da Moderna não apresentou muito contexto sobre os 11 dos 90 casos considerados “graves”.

No geral, ele se preocupa que todos os ensaios da vacina contra covid-19 estejam utilizando uma definição muito vaga da palavra “grave” que “permite que a doença leve sem complicações seja classificada como grave”. “Quero saber muito mais sobre esses casos”, diz ele, acrescentando que essas informações serão essenciais para os consumidores que estão avaliando os prós e os contras de se tomar uma vacina.

Outro fator a ser considerado é que uma em cada 10 pessoas descritas na análise da Moderna relatou efeitos colaterais como fadiga e mialgia (dores no corpo) que foram definidos como significativos ou que impediam a realização de atividades diárias. “Para pessoas com baixo risco à doença, o perfil de efeitos colaterais pode ser muito relevante mesmo com uma vacina altamente eficaz”, explica Doshi.

Especialistas em saúde querem saber como esse primeiro lote de vacinas se manterá em longo prazo e se será eficaz em crianças e gestantes, dois grupos subrepresentados nos ensaios de vacinas contra covid-19. Até que essas questões sejam resolvidas, as pessoas precisam considerar os resultados provisórios como uma amostra do que está por vir. “Vamos aguardar os dados finais”, diz Bottazzi. “Também vamos esperar pela revisão por pares da publicação que evidenciará a ciência por trás dos comunicados à imprensa.”

Ainda nessa corrida dos cientistas por esses ensaios clínicos, é possível que eles criem versões ainda melhores das vacinas contra covid-19 — talvez criem uma que requeira menos ou nenhuma refrigeração. Os bioquímicos da Pfizer estão reanalisando a fórmula química de sua vacina candidata, o que pode reduzir a temperatura necessária para o armazenamento, diz Salem: “Eles estão trabalhando em uma versão em pó que teria menos requisitos de resfriamento, mas é um trabalho que está em andamento.”

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