Vacina da Pfizer é promissora, mas analistas dizem que falta de dados é preocupante

Embora as notícias sobre a alta eficácia da vacina sejam animadoras e tenham superado expectativas, pesquisadores destacam incógnitas importantes.

Por Sarah Elizabeth Richards
Publicado 13 de nov. de 2020, 07:00 BRT
Profissional de saúde com seringa da vacina contra covid-19 que já está na fase três de ...

Profissional de saúde com seringa da vacina contra covid-19 que já está na fase três de testes, desenvolvida pelas empresas farmacêuticas Pfizer e BioNTech, no Hospital Ibni Sina da Universidade de Ancara, na Turquia, em 27 de outubro de 2020. Em 9 de novembro, as empresas divulgaram um comunicado à imprensa informando que sua vacina candidata preveniu com eficácia a infecção causada pelo novo coronavírus.

Foto de Photogrpah by Dogukan Keskinkilic, Anadolu Agency via Getty Images

A EMPOLGAÇÃO tomou conta do mundo nesta semana, após as empresas farmacêuticas Pfizer e BioNTech anunciarem os primeiros resultados de seus estudos de fase três para uma das principais vacinas contra a covid-19. Em 9 de novembro, as empresas divulgaram um comunicado à imprensa informando que sua vacina candidata evitava a infecção pelo SARS-CoV-2 de forma eficaz — uma notícia que veio em boa hora, visto que os crescentes casos globais levaram a novas restrições e a advertências de que as unidades de terapia intensiva (UTIs) estão ficando novamente sobrecarregadas.

Mas ainda mais impressionante foi o quanto a vacina superou as expectativas da indústria. De acordo com o comunicado à imprensa, os dados revisados por um grupo independente de especialistas mostram que a vacina apresentou 90% de eficácia, o que significa que nove em cada 10 voluntários vacinados tiveram algum tipo de benefício — ultrapassando de longe o ponto de referência de 50% definido por autoridades sanitárias, como a Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (Food and Drug Administration, FDA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

A notícia foi inédita porque parece ser uma validação da tecnologia da vacina de mRNA, que até então só havia sido comprovada em experimentos com animais. Além disso, também foi uma surpresa a atitude das empresas, que não é algo muito comum: a divulgação de alguns resultados — que foram chamados de “relatório preliminar” — antes que a totalidade dos dados estivesse disponível.

“Cientistas preferem visualizar os dados reais de um ensaio clínico para conhecer verdadeiramente a interpretação fiel dos resultados”, explica Aliasger K. Salem, diretor de ciências farmacêuticas da Universidade de Iowa.

Vários especialistas relataram sua preocupação a respeito de uma ideia incompleta sobre o sucesso da vacina ter sido apresentada à população em geral, por não revelar informações cruciais, como quais grupos demográficos ela protegeu da doença e se a proteção foi contra a forma leve ou grave do vírus. Também é bastante possível que a cifra de 90% mude à medida que o teste avança e os pesquisadores coletam mais resultados. Além disso, os resultados não publicados não foram submetidos a uma revisão científica por pares nem mesmo divulgados na forma de pré-impressão.

“A falta de dados é extremamente preocupante”, acrescenta Peter Doshi, professor associado de pesquisa de serviços de saúde farmacêutica na Faculdade de Farmácia da Universidade de Maryland. “Até o momento, tudo o que sabemos saiu de uma manchete da Pfizer.”

Ainda assim, houve quem tenha elogiado a decisão, alegando ser improvável que o resultado de 90% mude significativamente nesse meio tempo. “Provavelmente, vai mudar, mas para algo como 87%. Considerando os números atingidos com os estudos, não cairá para 50%”, afirma Robert Wachter, diretor do departamento de medicina que estuda a segurança dos pacientes da Universidade da Califórnia, em San Francisco. “Sem dúvidas, está na faixa dos 90%.”

Informações essenciais

Mas como funciona o estudo da vacina desenvolvida pelas empresas Pfizer e BioNTech? A terceira e última fase de testes começou em julho, quando os pesquisadores dividiram uniformemente 43.538 participantes em dois grupos: um para receber a vacina em desenvolvimento, e outro para receber uma substância inativa conhecida como placebo. De acordo com o protocolo do estudo,  são aplicadas duas doses da vacina, administradas com um intervalo de três semanas. Os pesquisadores esperaram pelo menos sete dias após a segunda dose ter sido administrada para constatar quem havia contraído covid-19, presumindo que cada grupo tinha comportamentos comparáveis de risco de infecção por coronavírus.

Para manter o processo imparcial, as empresas farmacêuticas costumam permanecer “cegas” durante a fase três de testes a respeito do que ocorre no dia a dia e seus resultados. Mas os ensaios da vacina contra covid-19 têm exceções: marcos baseados em quantos casos de covid-19 foram registrados entre os voluntários. Quando esses marcos são atingidos, o grupo independente — conhecido como comitê de monitoramento de dados — consegue relatar às empresas como as pesquisas estão progredindo. A Pfizer e a BioNTech puderam liberar essas informações recentemente porque o estudo atingiu um desses marcos, documentando 94 casos de covid-19.

No entanto os dados preliminares não revelam quais desses pacientes contaminados receberam a vacina e em quais casos ela não foi eficaz. Ademais, não se refere a todos os participantes do ensaio clínico, mas sim a um subconjunto indefinido, embora Wachter suponha que o comunicado à imprensa indique que o grupo da vacina tenha apresentado cerca de nove casos de covid-19, ao passo que o grupo do placebo possa ter registrado cerca de 90 casos.

O risco de não informar esses resultados completos é que a manchete publicada pode transmitir uma mensagem enganosa de que “a vacina oferece mais benefícios do que de fato oferece”, explica Doshi, que estuda o processo de aprovação de medicamentos. “A Pfizer não divulgou nada que indique que essa estatística de 90% de eficácia se aplique aos indivíduos mais frágeis, como idosos ou moradores de casas de repouso que correm um maior risco de contaminação.”

Também não está claro se a vacina simplesmente preveniu a manifestação de sintomas em casos leves ou moderados, ou se reduziu as formas mais graves da doença. Essas informações são cruciais, porque o objetivo primordial de uma vacina é reduzir o número de mortes, internações e atendimentos nas UTIs. “Os estudos devem proporcionar uma noção da gravidade, mas estão apenas observando os sintomas”, constata Maria Elena Bottazzi, codiretora do Centro de Desenvolvimento de Vacinas do Hospital Pediátrio do Texas, em Houston.

Também não se sabe se havia algum dos 94 pacientes infectados pelo novo coronavírus que apresentava fatores de risco subjacentes. Esses dados são importantes porque as autoridades estaduais e municipais estão dando prioridade a grupos de alto risco e socialmente vulneráveis durante as primeiras levas de distribuição da vacina. “Não se sabe quem recebeu a vacina nesse estudo”, reitera Paul Offit, diretor do Centro Educacional de Vacinas do Hospital Pediátrico da Filadélfia e membro do comitê consultivo para a covid-19 da FDA. “Há dúvidas se esses grupos de pessoas foram representados adequadamente ou não.”

Reta final?

A notícia aqueceu fortemente os mercados de ações, ajudando a reverter a desaceleração que acompanhamos ao longo das últimas semanas. Mas essa reação também levantou questões dos motivos pelos quais a Pfizer e a BioNTech tenham decidido divulgar os dados preliminares. Quando questionada se a empresa estava sob pressão dos acionistas, Jerica Pitts, diretora de relações de comunicação internacional da Pfizer, disse que a empresa não tinha nenhuma obrigação de divulgar o relatório, mas que o plano sempre foi fazê-lo de acordo com seu próprio critério.

“Considerando a urgência dessa descoberta, sempre dissemos que compartilharíamos os resultados preliminares”, declarou Pitts por e-mail para a National Geographic. “Divulgamos que esses resultados não são conclusivos e que analisamos somente os participantes que não haviam sido previamente infectados pelo SARS-CoV-2 ou que não haviam contraído covid-19.”

Em seu comunicado à imprensa, as empresas informaram que o próximo passo será coletar mais dados de segurança e solicitar à FDA uma autorização de uso emergencial na terceira semana de novembro. O órgão exige que fabricantes de vacinas forneçam dados de segurança de dois meses para pelo menos metade de seus participantes da fase três antes que sua autorização seja considerada.

No entanto reuniões recentes de comitês consultivos de vacinas na FDA e nos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDCderam a entender que órgãos reguladores estavam avaliando a ideia de substituir uma autorização emergencial pelo que se conhece como uma licença de “acesso expandido” ou “uso compassivo”.

A medida limitaria quantas pessoas receberiam a vacina pioneira, o que envolve prós e contras. Essa autorização permitiria o uso em situações extremas, como é o caso de profissionais de saúde da linha de frente e comunidades vulneráveis, mas com acesso reduzido para a população em geral. Por outro lado, uma autorização emergencial impede que a vacina seja negada a outras pessoas, o que basicamente eliminaria a capacidade de concluir os ensaios clínicos de outras vacinas candidatas. Participantes dos estudos que receberam placebo também poderiam solicitar a vacina, impedindo os cientistas de avaliarem de maneira sistemática a eficácia ou segurança por ela proporcionada.

Offit afirma que uma mudança nas metas de licenciamento também pode ser um passo positivo para aumentar a confiança pública a respeito da vacina, visto que algumas decisões de uso emergencial anteriores, como a do medicamento antimalárico hidroxicloroquina, foram controversas. “É uma linguagem aprimorada”, acrescenta Offit ao explicar que algumas autorizações emergenciais foram interpretadas como tendo motivações políticas em tratamentos testados de forma inadequada. “Não há razão para as pessoas suspeitarem da vacina.”

Alguns especialistas questionam por que as empresas optaram por emitir um comunicado à imprensa antes que os dados de segurança estivessem prontos. “Não havia necessidade”, complementa Doshi. “Poderíamos ter esperado mais duas semanas para a apresentação de dados mais completos.”

Mas Wachter rebate que qualquer preocupação com respeito à segurança dos pacientes já teria surgido se fosse esse o caso. “Seria útil ter mais informações sobre os sintomas e quantas pessoas foram internadas. Mas os dados são bons o suficiente para que não haja motivo de preocupação com o fato de as pessoas analisarem demais os resultados”, acrescenta. Ele conclui dizendo que os comitês de monitoramento de dados são responsáveis por interromper os estudos devido a efeitos colaterais suspeitos ou significativos. Até agora, isso aconteceu em três outros ensaios clínicos de vacinas contra a covid-19, mas não com o da Pfizer.

Na verdade, Wachter sugere que as empresas têm a obrigação moral de divulgar boas notícias com antecedência durante essa fase especialmente sombria da pandemia. Ele afirma que o efeito da divulgação sobre a percepção das pessoas em relação à vacina e o mercado de ações não é problemático, desde que o relatório preliminar seja verdadeiro e contenha as advertências necessárias.

“Essa é uma notícia incrivelmente promissora, e não parece provável que resultados mais detalhados levem a uma conclusão diferente do que estamos vendo agora”, afirma ele. “Poderíamos esperar até que tudo tivesse sido analisado. Nesse caso, seria levantada a hipótese de que não é ético se debruçar em dados por mais tempo do que o necessário.”

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