OMS deve aprovar vacina até fim de 2020 – aumentando esperanças por acesso igualitário

A aprovação da vacina contra a covid-19 no Reino Unido desencadeou um efeito dominó global. Agora, a OMS e as organizações humanitárias estão correndo para garantir acesso justo à população mundial.

Por Nsikan Akpan
Publicado 10 de dez. de 2020, 07:00 BRT
Profissional de saúde manuseia seringa no estudo de fase 3 da vacina contra o novo coronavírus, ...

Profissional de saúde manuseia seringa no estudo de fase 3 da vacina contra o novo coronavírus, SARS-CoV-2, desenvolvida pela empresa norte-americana Pfizer e a alemã BioNTech, no Hospital Ibni Sina da Universidade de Ankara, em Ancara, na Turquia, em 27 de outubro de 2020.

Foto de Doguan Keskinkilic, Anadolu Agency via Getty Images

A APROVAÇÃO EMERGENCIAL da vacina contra a covid-19 pelo Reino Unido é um marco histórico na luta mundial contra a pandemia em curso. Mas os especialistas em vacinas alertam que a medida pode desencadear um efeito dominó conforme outros países buscam aprovação das vacinas internamente — o que poderia reduzir o acesso das nações mais pobres por meses ou até mesmo anos.

Para melhor garantir uma distribuição igualitária, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e uma de suas principais parceiras — a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) — estão agora entrando nos estágios finais de avaliação da vacina Pfizer-BioNTech, aprovada pelo Reino Unido em 2 de dezembro. Um dia antes, a EMA havia aceitado o pedido de autorização feito pela Pfizer e deve concluir a avaliação no máximo até 29 de dezembro. A mesma análise também está sendo realizada com a candidata à vacina da Moderna. Sua conclusão está prevista para 12 de janeiro.

“Estamos analisando em conjunto com a equipe da Moderna, por isso seguimos um cronograma semelhante ao cronograma da EMA”, relatou Katherine O’Brien, diretora de imunização, vacinas e produtos biológicos da OMS, à National Geographic na sexta-feira. “Não podemos garantir qual será o resultado dessas análises, mas elas estão em andamento.”

A decisão mostra o quanto a corrida pela vacina se acelerou após a autorização de emergência da Grã-Bretanha. Mas o aval também gera incerteza aos países mais ricos — como os Estados Unidos — por não saberem quando receberão suas doses após aprovarem a vacina.

“À medida que a capacidade de fabricação aumenta a cada mês, não se sabe com exatidão quais países terão direito à vacina, por assim dizer”, segundo Krishna Udayakumar, diretor fundador do Centro de Inovação de Saúde Global da Universidade Duke.

O enigma da COVAX

Nos últimos meses, os países mais ricos realizaram a compra antecipada de grandes quantidades das vacinas prometidas pelas fabricantes pioneiras, como Pfizer, Moderna e AstraZeneca. Dos bilhões de doses que as fabricantes de vacinas se comprometeram a produzir, três em cada quatro já foram compradas. Ao vencer o resto do mundo na corrida pela aprovação, o Reino Unido colocou uma pressão imensa sobre outras nações abastadas e sobre a OMS para autorizar as vacinas contra a covid-19 e não precisar esperar pelo suprimento antecipado limitado. A Pfizer espera fabricar cerca de 50 milhões de doses em 2020 e mais 1,3 bilhão no próximo ano.

Os Estados Unidos e a União Europeia esperam receber as vacinas candidatas da Pfizer-BioNTech e Moderna nas próximas semanas e podem começar a distribuir doses ainda neste ano. Nesta semana, a CNN divulgou que a Operação Warp Speed, da administração do governo Trump, planeja distribuir as primeiras doses da vacina da Pfizer nos estados em 15 de dezembro, ao passo que a da Moderna está prevista para 22 de dezembro.

Para alguns países de baixa e média renda, o processo de seleção da Organização Mundial da Saúde ditará suas escolhas de vacina por meio da iniciativa COVAX. Embora a OMS não seja uma agência reguladora em nações soberanas, muitas seguem seu selo de aprovação, especialmente para vacinas em estágio inicial.

A iniciativa COVAX visa garantir 20% das necessidades de vacina de qualquer uma de suas nações signatárias no longo prazo, com a meta de dois bilhões de doses entregues globalmente até o fim de 2021. O projeto é coliderado pela aliança internacional de vacinas conhecida como GAVI e pela Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI, na sigla em inglês). Mais de 180 países já assinaram, até mesmo os países mais ricos, como o Canadá e o Reino Unido. Os Estados Unidos negaram sua participação sob o mandato do presidente Donald Trump, mas o líder da GAVI espera conversar em breve com o presidente recém-eleito Joe Biden.

“A maioria dos países de pequenas e médias economias terão acesso por meio da COVAX,” alega Maria Elena Bottazzi, codiretora do Centro para o Desenvolvimento de Vacinas do Hospital Pediátrico do Texas, em Houston, ressaltando que esses países não estão em condições de negociar diretamente com as empresas farmacêuticas.

A Pfizer afirma estar comprometida com o acesso igualitário e acessível às vacinas contra covid-19 para todas as pessoas em todo o mundo. “Dada a urgência e a natureza global da pandemia, apoiamos totalmente a iniciativa COVAX Facility, demonstramos nosso interesse e estamos em negociações ativas para um possível fornecimento de nossa candidata à vacina contra a covid-19”, contou Jerica Pitts, diretora global de relações com a mídia da Pfizer, por e-mail à National Geographic.

Mas o poder de negociação da COVAX corre perigo. Seu financiamento depende das doações de seus signatários, que estão chegando aos poucos. Enquanto isso, cerca de 9,8 bilhões de doses de vacinas contra a covid-19 já estão reservadas até 30 de novembro e mais da metade se destina a países ricos, que assinaram acordos de compra antecipada, segundo dados compilados pelo centro de Udayakumar da Universidade Duke. Supondo que as vacinas sejam eficazes, os Estados Unidos já garantiram doses suficientes para vacinar sua população duas vezes. Para o Reino Unido, há a garantia de três doses para cada cidadão. E o Canadá, caso finalize seu pedido, poderá oferecer cinco doses a todos os seus 38 milhões de cidadãos, com algum excedente.

“Se analisarmos as compras globais de vacinas hoje, cerca de sete bilhões de doses já foram compradas, das quais apenas 10% — ou 700 milhões de doses — são adquiridas por meio da iniciativa COVAX Facility”, explica Udayakumar.

Ele estima que, devido a essa distribuição desigual, o mundo não alcançará imunidade coletiva — e não conseguirá controlar totalmente a pandemia de covid-19 — por mais três a quatro anos, no mínimo.

Contudo a esperança ainda não está perdida para as nações de baixa e média renda, adverte Benjamin Schreiber, vice-líder do programa de imunização global da Unicef. A experiência desses países no combate a outras epidemias, como a do ebola e da zika, os deixou melhor preparados para distribuírem as vacinas quando, por fim, são adquiridas.

A medalha de quem sai na frente

Se obter uma vacina contra a covid-19 é como disputar uma corrida, a comparação mais adequada pode ser uma maratona olímpica. Quando uma nação negocia com sucesso um acordo com uma fabricante de vacinas, sua equipe ganha uma medalha. O número de doses que recebe significa se a medalha é de ouro, prata ou bronze.

Os Estados Unidos, a União Europeia e a Índia estão entre os que mais receberam medalhas de ouro. Eles garantiram as doses mais hipotéticas das possíveis vacinas sendo ofertadas. A Grã-Bretanha subiria ao pódio com a prata, mas sua aprovação acelerada significa que sua medalha chegará antes das de todos os outros.

O Reino Unido obteve essa vantagem ao conduzir uma “análise contínua” da vacina Pfizer-BioNTech, o que lhe permitiu concluir a avaliação no menor tempo possível, conforme June Raine, presidente-executiva da Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido (MHRA), explicou durante o anúncio de aprovação da vacina na terça-feira.

Ainda na primeira metade deste ano, os reguladores de saúde britânicos traçaram um plano para analisar em detalhes as linhas de produção de uma empresa de vacinas enquanto essas empresas ainda estavam concluindo seus testes clínicos. Essa supervisão incluiu uma comissão independente de virologistas, epidemiologistas, especialistas em medicamentos, toxicologistas e outros pesquisadores encarregados de analisar os dados dos ensaios clínicos.

“Se você vai escalar uma montanha, você se prepara incansavelmente,” comentou Raine. “Começamos em junho, e quando os resultados provisórios foram disponibilizados no dia 10 de novembro, estávamos no acampamento base. Então, quando recebemos a análise final, estávamos prontos para a última arrancada, que nos leva ao dia de hoje.”

Apesar do ritmo acelerado, especialistas externos duvidam que o Reino Unido tenha burlado qualquer aspecto em termos de segurança.

“Não é algo comum e só foi feito dessa forma devido ao caráter excepcional da pandemia de covid-19”, relatou Aliasger K. Salem, chefe de ciências farmacêuticas da Universidade de Iowa, por e-mail à National Geographic. No entanto, ele acrescenta que os revisores ainda precisam analisar os dados de segurança e eficácia antes que o medicamento possa ser aprovado. O’Brien, da OMS, está de acordo.

“Supervisão e análise regulatória rigorosas dos dados são essenciais para avaliar e autorizar o uso da vacina”, acrescenta O’Brien. “O Reino Unido é um país regulador reconhecido por ter esse padrão de desempenho.”

Como parte da análise contínua, o Reino Unido avaliou os dados parciais conforme foram divulgados pela Pfizer e BioNTech, em vez de esperar que a pesquisa clínica fosse totalmente concluída. Isso significava confiar na avaliação das empresas. A OMS e a EMA também realizaram análises contínuas de quatro vacinas pioneiras da Pfizer, Moderna, AstraZeneca-Oxford e Johnson & Johnson, embora tenham utilizado dados brutos. A Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (Food and Drug Administration, FDA) também planeja realizar análises mais completas com base em achados independentes.

Enquanto isso, os dados publicamente disponíveis mostram que 95% do estoque já comprometido da Pfizer foi comprado por países de alta renda. Discrepâncias semelhantes se aplicam a quase todas as outras opções de vacina em testes clínicos em estágio final, exceto àquelas produzidas na Rússia e na China, que, por enquanto, permanecerão principalmente dentro de suas fronteiras, com algumas exceções. A AstraZeneca fechou um acordo com o Instituto Serum da Índia para permitir que o país, de baixa renda, produza bilhões de doses e fique com metade da produção para distribuir aos seus cidadãos.

Essas negociações significam que os países desfavorecidos precisarão adquirir as vacinas restantes da mesma maneira que sempre fizeram: fazendo mais com menos.

Preparando-se para os lançamentos

A Moderna desenvolveu e iniciou os testes clínicos de sua vacina cerca de dois meses após o surgimento do vírus SARS-CoV-2, um ritmo surpreendente. Logo, outros competidores também entraram na corrida pela vacina contra a covid-19. Assim que se soube que diversas vacinas poderiam estar disponíveis até 2021, as agências humanitárias iniciaram os preparativos para o que poderia ser a maior imunização em massa da história.

“Estamos trabalhando na vacina desde abril, juntando as peças e todos os ativos globais”, comenta Schreiber, da Unicef. “Será uma das muitas vacinas que lançamos nos últimos 10 anos.”

Essa experiência deixa Schreiber confiante de que as nações com recursos limitados — e áreas rurais nos países desenvolvidos — serão capazes de acompanhar o ritmo de vacinação sempre que houver vacinas disponíveis. Como exemplo, ele diz que estão especialmente preparados para lidar com as vacinas de mRNA da Pfizer e Moderna, que requerem congelamento a temperaturas baixíssimas ou refrigeração para manter a estabilidade, um desafio para o que se conhece como Sul Global, que abriga a maior parte da população mundial.

“Temos estudado esses cenários nas últimas semanas... Podemos adotar o gelo seco como solução, ou uma distribuição mais rápida”, explica Schreiber. Mas ele acrescenta que a infraestrutura ultrafria é mais complexa e exigiria treinamento e investimentos adicionais. Em 2017, a OMS estimou que o fornecimento de congeladores, refrigeradores portáteis e outros aparatos necessários de refrigeração a cinco equipes de vacinação custaria mais de US$1 milhão.

No entanto, Schreiber relembra que o ebola deu início ao desenvolvimento acelerado de uma vacina que também exigia armazenamento refrigerado. Na República Democrática do Congo e em outros locais da África, essa demanda causou mudanças na cadeia de abastecimento. Os países não apenas compraram equipamentos de refrigeração, mas também firmaram acordos de “pacote de serviços” com fornecedores para garantir a instalação em clínicas rurais e urbanas. Foi uma verdadeira inovação. Neste ano, a República Democrática do Congo combateu um novo surto de ebola.

“Investimos muito dinheiro em refrigeradores — aproximadamente 250 milhões de dólares nos últimos cinco anos para adquirir 40 mil refrigeradores”, esclareceu ele. Muitos, acrescenta, eram “refrigeradores movidos à energia solar porque precisavam ser instalados em ambientes remotos, que não são abastecidos por energia elétrica”.

Neste momento, O'Brien não consegue fornecer um número exato de quantos refrigeradores seriam necessários, mas algumas estimativas sugerem que três bilhões de pessoas vivem em regiões sem acesso a refrigeradores e congeladores, e atender a essas necessidades será extremamente difícil. É por isso que a OMS, a Unicef e outros organismos internacionais estão desenvolvendo modelos para serem implementados em escala nacional. Eles também estão elaborando listas de verificação que os países podem seguir para orientar suas práticas de aprovação para cada vacina.

“É realmente diferente em cada país”, explica O'Brien, acrescentando que muitos países podem usar uma estratégia de instalar congeladores de baixíssimas temperaturas nas capitais e, em seguida, encontrar maneiras de transportar rapidamente as vacinas para áreas remotas, como se fosse o ponto central de uma teia e suas ramificações. Mas ela acrescentou que os países provavelmente irão utilizar uma combinação de vacinas, o que deve flexibilizar a questão da distribuição.

Enquanto isso, alguns países ricos que garantiram as doses das vacinas estão reavaliando as consequências globais. O Canadá está considerando doar doses excedentes ao programa COVAX, que a OMS aceitará desde que os países doadores concordem com o plano geral definido. “Não estamos falando de aceitar sobras”, acrescenta O’Brien.

Portanto, embora as compras antecipadas feitas por alguns países possam ter aumentado o preço das vacinas em geral, essas doações podem, em última instância, ajudar a recuperar o estoque da COVAX. O aumento dos preços também pode explicar por que o Sul Global comprou com antecedência lotes maiores de opções de custo mais baixo, como a vacina da AstraZeneca. Além disso, precisar esperar pelas candidatas à vacina pode ser realmente vantajoso se não exigirem um manejo tão especializado.

Em termos globais, “não teremos o estoque necessário para todos aqueles que precisam de vacinas imediatamente”, conclui O’Brien. “Há pessoas que precisam ser vacinadas antes e isso deve ser feito de acordo com decisões de saúde pública. Deve haver embasamento científico.”

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