Por que algumas variantes do coronavírus são mais contagiosas – e como podemos detê-las

Um conjunto de mutações virais parece estar acelerando a disseminação da covid-19. Cientistas estão correndo para entender como elas funcionam.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 31 de jan. de 2021, 10:28 BRT
Esta imagem de microscópio colorizada mostra uma célula morrendo (verde) infectada com o vírus Sars-CoV-2 (azul), ...

Esta imagem de microscópio colorizada mostra uma célula morrendo (verde) infectada com o vírus Sars-CoV-2 (azul), isolada de um paciente.

Image by Niaid Irf

Após um ano de isolamento, eventos cancelados e reuniões e encontros virtuais, a fadiga pandêmica está se instalando. Porém, mesmo enquanto cada vez mais pessoas baixam a guarda e descuidam das medidas de segurança, uma série de variantes de rápida disseminação do Sars-CoV-2 está se propagando por diversas populações ao redor do mundo. O rápido crescimento de um trio de vírus mutados indica um aumento da transmissibilidade, acelerando os saltos do vírus de um hospedeiro para outro.

Os cientistas agora estão correndo para decifrar como exatamente o emaranhado de mutações de cada variante influencia a propagação viral. Essa investigação é fundamental para compreender os riscos das linhagens atuais e prever como as variantes futuras podem alterar o curso da pandemia.

“Temos uma disseminação viral descontrolada em grande parte do mundo”, explica Adam Lauring, médico infectologista e virologista da Universidade de Michigan. “Portanto, o vírus tem muitas oportunidades para evoluir.”

Mais casos significam mais mortes e mais pessoas que sofrem impactos duradouros de crises de covid-19 — mas nem todas as notícias são pessimistas. Por um lado, as últimas análises de vacinas sugerem que elas continuam eficazes contra as novas variantes. E até que as pessoas estejam vacinadas, as mesmas medidas já conhecidas para prevenir a infecção — como uso de máscaras, distanciamento, higienização das mãos, ventilação e passar tempo ao ar livre — tornam-se ainda mais importantes para conter a onda viral.

“As variantes podem ser mais facilmente transmissíveis, mas a física não mudou”, esclarece Müge Çevik, médica infectologista da Universidade de St. Andrews, na Escócia.

Complexidade genética

Um vírus se replica se apropriando das células de seu hospedeiro para fazer cópias de si mesmo. Mas, da mesma forma que uma pessoa comete erros ao digitar a mesma frase repetidamente, as cópias genéticas acumulam pequenos erros ou mutações. Diversas mudanças não chegam a afetar a função do vírus e algumas até prejudicam a capacidade de multiplicação do Sars-CoV-2, mas as replicações continuam acontecendo. “Os vírus sofrem mutações; é da natureza deles”, explica Akiko Iwasaki, imunologista da Faculdade de Medicina de Yale em Connecticut.

Às vezes, mutações neutras são transmitidas ao acaso e podem se tornar comuns em uma população. Mas as mudanças que favorecem o vírus também podem impulsionar sua disseminação, criando uma variante que supera outras variedades locais e pode acentuar o número de casos.

Aparentemente, foi isso que aconteceu no Reino Unido, no Brasil e na África do Sul. No Reino Unido, a variante B.1.1.7 provavelmente impulsionou o pico recorde de casos de covid-19 no país em janeiro. A variante agora está circulando em mais de 60 países, incluindo os Estados Unidos — e projeções sugerem que ela se tornará a variedade mais comum do vírus no país norte-americano até meados de março.

Uma linhagem em ascensão independente chamada P.1 também pode estar originando uma onda de casos em Manaus, no Brasil, onde ocasionou quase metade das novas infecções de covid-19 em dezembro. Na terça-feira, autoridades do estado de Minnesota, nos Estados Unidos, registraram o primeiro caso da variante P.1 no país em um residente que havia viajado ao Brasil. E uma terceira linhagem alarmante, conhecida como B.1.351, foi identificada pela primeira vez em meio a uma onda de infecções em dezembro na África do Sul.

Mas como exatamente as mutações favoreceram as variantes é uma pergunta que permanece sem resposta. Uma mutação específica, conhecida como N501Y, surgiu de forma independente em todas essas três variantes, sugerindo que poderia fornecer uma vantagem para o vírus. “Isso é um sinal de que há uma seleção natural acontecendo”, afirma Lauring.

A mutação N501Y afeta a proteína de espícula do vírus, que é a chave que ele usa para conseguir acesso às células do hospedeiro. Testes de laboratório sugerem que essa mutação melhora a capacidade da proteína de se ligar às células, sinalizando que pode aumentar a capacidade das variantes de infectar os hospedeiros.

Outra possibilidade é que novas variantes façam com que as pessoas infectadas abriguem mais cópias do vírus. Isso resulta em uma maior “dispersão” viral em gotículas expelidas no ar quando as pessoas falam, cantam, tossem ou respiram. Mas diferentes pesquisas chegaram a resultados conflitantes, e o maior estudo sobre o assunto sugere que as novas variantes provavelmente não aumentam a carga viral, explica Çevik. A discrepância pode vir do momento das análises, acrescenta ela, uma vez que pesquisas anteriores sugerem que a carga viral aumenta à medida que as infecções na comunidade aumentam.

As mutações também podem auxiliar vírus como o Sars-CoV-2 a se espalharem de muitas outras maneiras. Algumas mutações podem tornar as pessoas que ficaram doentes contagiosas por um período maior, por exemplo. Outras alterações podem aumentar a sobrevivência dos vírus fora do corpo ou até mesmo ampliar sua capacidade de replicação. E para complicar ainda mais a questão, os ajustes individuais no genoma do vírus podem funcionar por conta própria, diferentemente do funcionamento em uma complexidade de mutações.

Modelagem de movimento viral

Os cientistas também estão tentando desvendar outra questão fundamental: quanto exatamente mais contagiosas são as novas variantes do coronavírus? À medida que as evidências do movimento da B.1.1.7 pela população aumentam, um modelo recente sugere que ela é 56% mais transmissível do que as formas anteriores do vírus — mas esses são números muito difíceis de serem determinados.

Sem a triagem de rotina, muitas infecções por Sars-CoV-2 ainda passam despercebidas, declara Ellie Murray, professora assistente de epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston, em Massachusetts. Isso torna difícil a visualização de um panorama preciso do que está acontecendo. Nossas próprias complexidades humanas também apresentam um desafio, como as diferenças de suscetibilidade entre as pessoas.

“Em geral, quando se trata de seres humanos complexos e confusos que vivem suas vidas normais — ou pelo menos suas vidas normais em tempos de covid — é realmente difícil determinar um número exato para o aumento da transmissibilidade, especialmente quando isso é observado em tempo real”, esclarece Angela Rasmussen, virologista do Centro Georgetown de Ciência e Segurança da Saúde Global em Washington, D.C.

Os cientistas têm menos certeza em relação ao aumento da transmissibilidade das variantes encontradas pela primeira vez no Brasil e na África do Sul. Enquanto a linhagem P.1 está circulando por Manaus, mais de 70% da população local já havia sido infectada com versões anteriores do vírus, que teoricamente era um número alto o suficiente para alcançar imunidade de rebanho. Mas então os casos aumentaram vertiginosamente, levantando preocupações de que a variante pudesse contornar as defesas imunológicas de pessoas que haviam sido infectadas anteriormente.

Preocupações semelhantes surgiram em relação à variante inicialmente encontrada na África do Sul, que compartilha algumas mutações em comum com a linhagem P.1. Um estudo de modelagem sugere que a propagação da variante 501Y.V2 pode ser explicada por um aumento da transmissibilidade de cerca de 50%. Porém, é possível que isso seja o resultado da 501Y.V2 evadindo a imunidade em 21% das pessoas anteriormente infectadas — e também existe a possibilidade de que os dois mecanismos estejam funcionando em conjunto.

“É realmente difícil saber como cada variante funciona”, conta Penny Moore, virologista do Instituto Nacional de Doenças Transmissíveis e da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul.

Moore e seus colegas usaram “pseudovírus” que infectam células usando as mesmas proteínas que o Sars-CoV-2, porém não são capazes de se replicarem, para estudar a possibilidade do vírus estar se esquivando do nosso sistema imunológico. Os resultados sugerem que mutações na 501Y.V2 podem diminuir a eficácia dos anticorpos no sangue de pessoas previamente infectadas pelo vírus. Mas entender se isso pode levar a mais reinfecções, ou se pode afetar a eficácia de vacinas, exigirá mais estudos, afirma Moore.

“O que ainda não sabemos — ninguém sabe disso — é quantos anticorpos são suficientes para proteger as pessoas contra uma nova infecção”, declara Moore. “Precisamos de estudos clínicos em humanos para responder de fato se isso reduz a eficácia da vacina.”

Reforçando o combate à propagação

O crescimento das variantes enfatiza a necessidade de maiores precauções contra o vírus, especialmente devido à distribuição das vacinas continuar lenta. Testes, máscaras e distanciamento social ajudarão a conter a disseminação. E conforme as pessoas se cansam do isolamento, Çevik enfatiza que essas medidas precisam ser aplicadas de maneira inteligente, permitindo atividades de baixo risco, ao ar livre, por exemplo.

Em espaços fechados — incluindo as pequenas tendas agora comumente usadas para refeições ao ar livre, Murray explica — o vírus tem uma maior chance de se acumular no ar e infectar as pessoas com covid-19. O rastreamento de contato mostrou que o risco de transmissão viral em ambientes internos é 20 vezes maior do que em ambientes externos. Embora ainda haja algum risco ao ar livre, o risco é extremamente baixo para um contato breve entre as pessoas, esclarece Çevik.

“Precisamos examinar o risco em um espectro”, declara ela, e pensar mais sobre quando baixaremos a guarda. “Acho que as pessoas estão se preocupando com estranhos ao ar livre, mas se esquecendo de tudo quando jantam com os amigos.”

Muitos pesquisadores também defendem o uso de máscaras mais eficientes. Embora não sejam uma panaceia e devam ser combinadas com outras medidas, como o distanciamento social, as máscaras podem ajudar a conter a propagação do vírus quando as pessoas precisam entrar em áreas de alto risco. Abraar Karan, médico clínico do Hospital Brigham and Women's da Faculdade de Medicina de Harvard, em Massachusetts, tem defendido o aumento radical da produção de máscaras de alta filtração para o público em geral. “Estamos em guerra com esse vírus. Não é uma piada”, ele afirma.

Os especialistas também enfatizam que o apoio do governo é fundamental nos esforços para conter a transmissão. As pessoas precisam de recursos para se isolar com segurança — locais para quarentena e suporte financeiro para evitar que ainda precisem trabalhar em caso de doença. E agilizar a vacinação é essencial, uma vez que isso eliminará as oportunidades do vírus de se replicar e evoluir. “Quanto mais rápido pudermos vacinar as pessoas, menor será a probabilidade de surgirem mais variantes como essas”, explica Iwasaki.

Uma ajuda pode estar a caminho nos Estados Unidos, com o presidente Joe Biden trabalhando para aprovar o plano de US$ 1,9 trilhão de seu governo para combater a pandemia. Mesmo assim, as pessoas precisarão trabalhar juntas para permanecer atentas e retardar a propagação do vírus.

“Isso não durará para sempre; nem necessariamente pelos próximos seis meses”, conta Rasmussen. Mas “o futuro próximo ainda não é o momento de relaxar”.

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