Por que as pessoas acreditam em teorias da conspiração? A ciência explica

A desinformação foi a chama que acendeu a multidão que invadiu o Capitólio, nos EUA, mostrando os efeitos desastrosos que essas teorias conseguem produzir.

Por Jillian Kramer
Publicado 13 de jan. de 2021, 07:00 BRT
Apoiadores do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, erguem bandeira dos Estados Unidos sobre um símbolo ...

Apoiadores do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, erguem bandeira dos Estados Unidos sobre um símbolo que representa o grupo de teorias da conspiração QAnon em reunião em frente ao Capitólio do país, em 6 de janeiro de 2021, em Washington, D.C.

Foto de Win McNamee, Getty Images

Os insurgentes invadiram o Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro, criando caos e desafiando os membros do legislativo que estavam reunidos para certificar os votos eleitorais. Segundo eles, a eleição presidencial foi fraudada — uma ideia defendida por um líder poderoso e de sua confiança.

“Fraudaram a eleição”, alegou mentirosamente o presidente Donald Trump naquele dia a uma multidão formada por milhares de seus apoiadores em Washington D.C. “Não se enganem, essa eleição foi roubada de vocês, de mim e do país.”

Mas a ideia de que a eleição foi fraudada é, por definição, uma teoria da conspiração — uma explicação dada a acontecimentos que se baseia na premissa de que pessoas que detêm o poder manipulam a sociedade de forma desonesta. Na realidade, dezenas de ações judiciais com acusações de fraude eleitoral foram rejeitadas na justiça estadual e federal. O procurador-geral William Barr disse, no mês passado, que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos não encontrou nenhuma evidência de fraude eleitoral generalizada. Até o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell — aliado republicano de Trump durante grande parte de sua presidência — declarou recentemente que algumas das alegações de Trump sobre fraude eleitoral eram “teorias da conspiração radicais”.

Trump “utiliza como arma o raciocínio motivado”, afirma Peter Ditto, psicólogo social da Universidade da Califórnia, em Irvine. Ele “incitou um motim e transformou tendências humanas naturais em arma”.

Essas tendências humanas — de acreditar no que satisfaz nossas preconcepções, verdadeiras ou não — faziam parte de nossa vida muito antes dos arruaceiros invadirem o Capitólio. E, em meio à pandemia de covid-19, a desinformação aparentemente se tornou sem limites.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) designou o momento atual como infodêmico, quando uma infinitude de dados se mistura com mentiras, muitas vezes produzindo efeitos devastadores. Algumas pessoas incendiaram torres de telecomunicações 5G após lerem publicações nas redes sociais que alegavam que a nova tecnologia poderia causar covid-19. Uma minoria preocupante negou a existência do vírus até mesmo no momento de sua morte em decorrência da covid-19.

Especialistas afirmam que a maioria das pessoas não cai tão fácil em mentiras. Mas quando a desinformação oferece explicações simples e casuais a eventos que de outra forma seriam considerados aleatórios, “ela ajuda muitos indivíduos a restaurarem a sensação de controle e equilíbrio”, conta Sander van der Linden, psicólogo social da Universidade de Cambridge.

Hoje, a desinformação constante ao nosso redor tem como pano de fundo a pandemia em curso, uma crise de desemprego, manifestações em massa contra a violência policial e a injustiça racial, e uma eleição presidencial profundamente polarizadora. Em tempos turbulentos, explicações fornecidas por teorias da conspiração e outras mentiras podem ser ainda mais atraentes — ainda que não se consiga contê-las ou a elas resistir.

Apoiadores de Trump invadem o Capitólio dos Estados Unidos após um comício com o presidente Donald Trump em 6 de janeiro de 2021, em Washington, D.C. Os apoiadores de Trump se reuniram na capital do país para protestar contra a ratificação, por parte do Colégio Eleitoral, da vitória do presidente eleito Joe Biden sobre o presidente Trump na eleição de 2020.

Foto de Samuel Corum, Getty Images

O fascínio de conspirações em um mundo caótico

As pessoas utilizam atalhos cognitivos — regras basicamente inconscientes para tomar decisões de forma mais rápida — para decidir em quem irão acreditar. E aqueles que se sentem com ansiedade ou com uma sensação de desordem, ou ainda que anseiam por explicação cognitiva podem depender ainda mais desses atalhos cognitivos para dar sentido ao mundo, explica Marta Marchlewska, psicóloga social e política que estuda teorias da conspiração na Academia Polonesa de Ciências.

Uma pesquisa recente constatou que mais de 50% dos norte-americanos relataram um aumento do estresse durante a pandemia de covid-19. Em meio à inquietação, “não é surpreendente haver um aumento nas teorias da conspiração hoje”, afirmou Karen Douglas, psicóloga social da Universidade de Kent, na Inglaterra. Sua pesquisa descobriu que pessoas que se sentem inseguras em seus relacionamentos e que tendem a dramatizar problemas cotidianos são mais propensas a acreditar em teorias da conspiração.

Muitas das teorias da conspiração que atualmente circulam oferecem explicações à própria pandemia. Um estudo publicado em outubro por van der Linden e colegas apresentou a residentes dos Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda, Espanha e México declarações que continham informações e fatos falsos comuns sobre covid-19.

Embora a grande maioria tenha identificado corretamente as informações falsas, alguns aceitaram prontamente as mentiras, incluindo entre 22% e 37% dos participantes (dependendo do país) que acreditaram na alegação de que o novo coronavírus foi desenvolvido em um laboratório em Wuhan, na China. Alguns também consideraram que informações corretas eram falsas, como o fato de que o diabetes aumenta o risco de casos graves de covid-19.

Os mesmos participantes que acreditaram nas informações falsas também eram menos propensos a declararem que cumpriam as orientações de saúde para se prevenirem contra covid-19, como utilizar máscara, assim como era provável que hesitassem em tomar a vacina. Os resultados condizem com uma série de pesquisas que demonstra que a disposição das pessoas em acreditar em notícias falsas pode produzir efeitos comportamentais mensuráveis, afirma Jan-Willem van Prooijen, psicólogo social da Universidade Livre de Amsterdã.

Os especialistas também afirmam que as pessoas têm maior probabilidade de acreditar em informações falsas se forem expostas repetidamente a elas — como alegações de fraude eleitoral ou de que a covid-19 não é mais perigosa do que a gripe comum. “O cérebro confunde familiaridade com verdade”, esclarece van der Linden.

Narcisismo coletivo

Outro fator psicológico que pode levar à aceitação de conspirações é aquilo que os especialistas denominam “narcisismo coletivo”, ou a convicção exagerada de um grupo em sua própria importância. A pesquisa de Marchlewska sugere que narcisistas coletivos costumam buscar inimigos imaginários e aceitam explicações de conspirações que os culpem.

Esse anseio se sobressalta especialmente quando os narcisistas ou membros de seu grupo fracassam. “Para algumas pessoas, as crenças conspiratórias são a melhor maneira de enfrentar a ameaça psicológica representada por seu fracasso”, ressalta Marchlewska, acrescentando que esse fenômeno provavelmente estava ocorrendo quando os invasores adentraram o Capitólio.

A imprensa é percebida como um inimigo e é frequentemente atacada pelo presidente Trump e seus apoiadores. “A imprensa é nosso maior problema, a meu ver”, disse Trump a seus apoiadores em 6 de janeiro, antes de marcharem ao Capitólio. Durante a confusão que se sucedeu, alguns desses apoiadores quebraram equipamentos de equipes de imprensaamarraram o cabo de uma câmera em formato de forca e escreveram “morte à imprensa” em uma porta no prédio do Capitólio.

Ao apontar um adversário dotado de “qualidades que representam sua própria visão culturalmente deturpada do mal”, as pessoas acessam uma sensação de controle sobre o que lhes acontece, observa Daniel Sullivan, psicólogo da Universidade do Arizona que estuda como as pessoas lidam com momentos adversos na vida.

As pessoas ainda podem defender pontos de vista de grupos aos quais pertençam em um nível ainda mais instintivo. Nós, seres humanos, evoluímos em grupos que competiam entre si, moldando nossas mentes para sermos cautelosos com estranhos e leais às nossas facções, explica Ditto. Seu estudo de 2019 concluiu que esse tipo de predisposição “é uma característica natural e quase indelével da cognição humana”.

“Acredito que seja tentador considerar esse tipo de situação como um fenômeno clínico — há algo de estranho com aquelas pessoas”, comenta Ditto. “Mas o ambiente social pode produzir um efeito enorme se alguém estiver em um grupo que acredita em algo ou é louco por algo.”

Siga o líder

Embora os grupos geralmente compartilhem crenças comuns, essas crenças normalmente são determinadas por algumas poucas pessoas influentes. Uma pesquisa de outubro com mais de dois mil norte-americanos, realizada por Joseph Uscinski, professor associado de ciências políticas da Universidade de Miami, concluiu que havia uma estreita correlação entre o que as pessoas acreditavam e o que lhes havia sido contado por seus líderes políticos. Por exemplo, 56% das pessoas que se identificaram como democratas concordaram que havia uma conspiração para impedir que os serviços postais dos Estados Unidos processassem cédulas postadas, em comparação com apenas 31% dos republicanos.

Pessoas “que acreditam em teorias da conspiração geralmente procuram um salvador — alguém que proteja seu grupo fechado de inimigos conspiradores”, afirma Marchlewska. Ela cita como exemplo o QAnon, grupo disseminador de uma teoria da conspiração pela Internet que alega falsamente que um grupo poderoso de pedófilos satânicos está conspirando contra o presidente Trump (Marjorie Taylor Greene, apoiadora do QAnon, foi eleita recentemente para uma cadeira na Câmara na Geórgia).

“Não há dúvida de que as teorias da conspiração e a desinformação foram exploradas por figuras poderosas com o passar do tempo”, conta Marchlewska. “Elas servem como uma arma política extremamente perigosa, ajudando a manipular a população para conquistar o poder. Primeiro se buscam inimigos imaginários, depois as pessoas se preparam para uma luta. O estágio final geralmente é trágico: inocentes são feridos.”

Identificando a verdade

Depois que se passa a acreditar em algo, pode ser quase impossível dissuadir alguém de suas crenças. Emily Thorson, cientista política da Universidade de Syracuse refere-se a esse fenômeno psicológico como ecos de crenças — uma “resposta obsessiva e emocional a informações, que pode se perpetuar até mesmo após a constatação de que são falsas”.

Quando informações falsas são cobertas na imprensa — geralmente na tentativa de refutar mentiras — a cobertura pode ajudar inadvertidamente a criar familiaridade com crenças incorretas. Um estudo recente concluiu que isso era especialmente válido em meio à pandemia de covid-19, já que as reportagens da imprensa muitas vezes colocam nos holofotes as vozes daqueles que “defendem curas não comprovadas, negam conhecimentos científicos sobre a natureza e as origens do novo coronavírus (SARS-CoV-2) e propõem teorias de conspiração com a pretensão de explicar seu nexo causal e que muitas vezes alegam a existência de intenções distorcidas”.

Mas os especialistas afirmam que a conscientização sobre as formas de disseminação de informações falsas pode fazer a diferença. Em uma pesquisa recente, van der Linden analisou se o fato de alertar as pessoas, de forma preventiva, sobre as técnicas exploradas para propagar mentiras poderia ajudá-las a ficar imunes às notícias falsas. Ele concluiu que, uma vez alertados sobre as técnicas comuns de desinformação — como apelar para as emoções ou expressar urgência em uma mensagem — os participantes tinham maior probabilidade de identificar informações não confiáveis.

Alterar a frequência de exposição a informações falsas também pode produzir algum efeito. As plataformas de redes sociais, nas quais a desinformação pode se espalhar rapidamente, estão começando a remover publicações não confiáveis. Um estudo de 2019 concluiu que as pessoas confiam mais em fontes de notícias tradicionais do que em sites hiperpartidários ou falsos, o que significa que as plataformas de redes sociais podem ajudar caso priorizem publicações de fontes confiáveis, segundo os especialistas.

Quando se trata de desinformação sobre a pandemia de covid-19, os relacionamentos pessoais com médicos e outros especialistas em saúde podem desempenhar um papel crucial. Em um estudo publicado em setembroValerie Earnshaw, psicóloga social da Universidade de Delaware, constatou que crédulos em teorias de conspiração sobre a pandemia eram menos propensos a afirmar que se vacinariam contra a covid-19 — mas 90% dos participantes disseram que confiavam em seus médicos. A descoberta se soma às pesquisas existentes que demonstram que os médicos podem ajudar a impedir diretamente a disseminação de informações falsas sobre a saúde.

Quanto a convencer as pessoas de que não houve fraude na eleição, “a solução mais provável seria os líderes republicanos e outras elites confiadas pelos apoiadores de Donald Trump se manifestarem e deixarem claro que não concordam com ele”, afirma Joseph A. Vitriol, psicólogo social e político da Universidade de Stony Brook, em Nova York.

Mas, de forma geral, segundo Vitriol, a sociedade pode se beneficiar da ideia de que não há problema em estar errado.

“As pessoas não gostam de se sentir alienadas e, muitas vezes, sentem-se obrigadas a formar opiniões sobre algo que não entendem”, conta ele. Para incentivar as pessoas a abandonar convicções falsas, devemos promover a ideia de que “mudar de opinião diante de novas informações é algo sensato a ser feito”.

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