Vacinas existentes devem ser eficazes contra recentes variantes do novo coronavírus

Pesquisas iniciais sugerem que o Sars-CoV-2 não sofreu mutação a ponto de deixar as vacinas atuais sem efeito, porém cientistas afirmam que é crucial monitorar a evolução viral futura.

Por Michael Greshko
Publicado 24 de jan. de 2021, 08:30 BRT
Ellen Prosser, 100 anos, apelidada de Nell, recebe a vacina contra a covid-19 da Oxford-AstraZeneca na ...

Ellen Prosser, 100 anos, apelidada de Nell, recebe a vacina contra a covid-19 da Oxford-AstraZeneca na Casa de Repouso Sunrise em Sidcup, sudeste de Londres, em 7 de janeiro de 2021.

Foto de Kirsty O'Connor, POOL, AFP via Getty Images

Mais de um ano após o início da pandemia de covid-19, as autoridades de saúde pública estão enfrentando uma ameaça emergente: novas variantes do vírus Sars-CoV-2. Pesquisadores em todo o mundo identificaram recentemente três variantes importantes: a B.1.1.7, encontrada pela primeira vez no Reino Unido em dezembro; a 501Y.V2, encontrada na África do Sul em dezembro; e a P1, identificada no Brasil em 13 de janeiro.

Não há evidências de que alguma dessas variantes seja mais letal do que as versões anteriores do vírus. No entanto algumas podem ser mais transmissíveis devido a mutações que alteram a proteína de espícula do coronavírus — a parte do vírus que se liga às células humanas e que é o alvo das vacinas. Se não forem contidas, essas variantes podem se disseminar mais rapidamente e provocar ainda mais mortes e tragédias, além das mais de dois milhões de mortes confirmadas em decorrência de covid-19 no mundo todo até 15 de janeiro, segundo a Universidade Johns Hopkins.

Contudo, à medida que a distribuição da vacina se intensifica em todo o mundo, pesquisadores identificam os primeiros sinais de que as vacinas existentes devem funcionar com o sistema imunológico multifacetado do corpo humano e oferecer um certo nível de proteção contra versões mutantes do vírus.

“As variantes possuem alterações na proteína de espícula (do vírus), mas não o suficiente para eliminar a proteção da vacina”, declarou Arnold Monto, presidente em exercício do Comitê Consultivo de Vacinas e Produtos Biológicos Relacionados da Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA), em entrevista em 11 de janeiro ao periódico médico JAMA. “Ao que parece, (as vacinas existentes) devem funcionar, mas haverá uma definição mais clara nas próximas semanas.”

Para desacelerar a evolução do vírus em novas variantes, os especialistas afirmam que é fundamental adotar as mesmas medidas de controle já conhecidas para evitar a propagação do vírus: usar máscaras, lavar as mãos, praticar distanciamento social e ser vacinado o quanto antes.

“Ainda não foi encontrada nenhuma evidência de que as novas variantes não serão suscetíveis à vacina e, aliás, uma forma de impedir o surgimento de novas variantes é justamente controlar a disseminação do vírus”, explica Philip Dormitzer, diretor científico de vacinas virais da divisão de pesquisas de vacinas da Pfizer. “Quanto menos replicação do vírus houver no mundo, menos variantes surgirão.”

Se surgisse uma variante do Sars-CoV-2 resistente à vacina, as vacinas atuais poderiam ser adaptadas para eliminar quaisquer novas mutações, acrescenta Dormitzer.

Resposta imune diversa à covid-19

O organismo humano gera um amplo espectro de anticorpos em resposta a uma determinada vacina ou infecção natural. No caso da covid-19, esses anticorpos têm como alvo várias partes da proteína de espícula do Sars-CoV-2 e não se atêm a uma única região, que poderia ser modificada em uma variante com mutação do vírus. Em tese, essa diversidade de anticorpos dificultaria a ocorrência de resistência de uma mutação viral a uma vacina.

“Se houver uma mutação capaz de destruir uma das regiões de ligação do anticorpo, será reduzida a atividade de ligação desse anticorpo específico nesse cenário, mas existem muitos outros anticorpos que não se ligam a esse mesmo ponto”, esclarece Pei-Yong Shi, virologista e microbiólogo da Divisão Médica da Universidade do Texas em Galveston.

Segundo Dormitzer, além dos anticorpos, as vacinas também ativam os linfócitos T: células imunes que desempenham um papel importante na resposta inicial do organismo ao Sars-CoV-2. Dados obtidos em testes de vacinas sugerem que essas células imunes podem começar a proteger o corpo antes mesmo da produção de grandes quantidades de anticorpos.

Nos estudos de fase três da Pfizer, por exemplo, os pacientes que receberam a primeira das duas doses da vacina começaram a mostrar sinais de proteção entre 10 e 14 dias depois, embora os estudos de fase um da vacina tenham revelado que muitos pacientes não apresentaram necessariamente altos níveis de anticorpos no sangue no mesmo período.

“Ou é necessária apenas uma quantidade reduzida de anticorpos neutralizantes para conferir proteção contra esse vírus, ou algo que não é um anticorpo neutralizante está conferindo essa proteção”, observa Dormitzer, em referência a um possível papel desempenhado pelos linfócitos T na contenção do vírus.

Diante da resposta imune complexa ao Sars-CoV-2, Dormitzer ressalta que ainda que anticorpos induzidos pela vacina não se liguem tão bem às variantes atuais ou futuras, é possível que essas vacinas possam conferir proteção mesmo assim.

Esse grau de proteção parcial já é observado em vacinas contra a gripe sazonal em alguns anos, destaca Helen Chu, imunologista da Universidade de Washington em Seattle. “Uma pessoa infectada por uma cepa que não corresponda exatamente à contida na vacina ainda está protegida até certo ponto”, esclarece ela. “E essas vacinas contra a covid-19 são muito melhores do que as vacinas contra a gripe; uma eficácia de 95% é muito melhor do que a eficácia entre 50% e 60% da vacina contra a gripe comum.”

Chu, especializada no estudo de respostas imunes de pacientes a vírus respiratórios, monitora a covid-19 desde seu início. Em fevereiro do ano passado, ela ajudou a coletar o sangue do primeiro paciente confirmado com covid-19 nos Estados Unidos. Nada sobre o surgimento de variantes a surpreendeu — ou reduziu sua confiança na ampla eficácia das vacinas atuais.

“Tomei a vacina e basicamente todos os cientistas e médicos com quem trabalho estão sendo vacinados”, diz ela. “Não tenho nenhuma hesitação em razão da existência de novas variantes emergentes.”

Monitorando as mutações

Durante meses, os pesquisadores analisaram versões mutantes do Sars-CoV-2 em laboratório com o objetivo de identificar quais mutações representam o maior risco de intensificar a transmissibilidade do vírus ou a capacidade de driblar o sistema imunológico.

Esses estudos se concentram em mutações importantes das três novas variantes principais. Cada uma contém seu próprio conjunto de mutações, mas algumas mutações surgiram de forma independente em todas as três variantes — o que implica que essas mutações específicas aumentam a propagação do vírus.

Uma das mutações é a N501Y, que altera um aminoácido dentro do domínio de ligação ao receptor da proteína de espícula do Sars-CoV-2, que é a parte da proteína que se liga diretamente ao exterior de algumas células humanas. Pesquisas anteriores mostraram que essa mutação poderia facilitar a ligação do vírus aos receptores da ECA2 em células humanas, tornando-o mais transmissível em humanos e outros animais. Em setembro, um estudo publicado na revista científica Science concluiu que a mutação aumentou o contágio do SarS-CoV-2 em ratos de laboratório.

Mas essa mutação, por si só, não parece tornar o vírus resistente às vacinas atuais. O laboratório de Shi, em parceria com pesquisadores da Pfizer, incluindo Dormitzer, utilizou uma técnica genética para desenvolver em laboratório duas versões do Sars-CoV-2, ambas idênticas, exceto pela presença ou ausência da mutação N501Y.

Em um estudo preliminar publicado em 7 de janeiro no servidor bioRxiv, a equipe de Shi e Dormitzer analisou a reação dos anticorpos de 20 participantes do estudo com a vacina da Pfizer-BioNTech aos dois tipos de vírus. Os anticorpos se ligaram tão bem à variante N501Y do vírus quanto à que não apresentava a mutação. “Ficamos muito felizes por constatar que os resultados não comprometem a vacina”, contou Shi.

Ainda assim, Shi admite de imediato uma limitação importante do estudo: as novas variantes não possuem mutações únicas. Por exemplo, a variante B.1.1.7 possui oito mutações diferentes que afetam sua proteína de espícula. Segundo Shi, nas próximas duas a três semanas, seu laboratório analisará diferentes combinações de mutações para testar adicionalmente a vacina da Pfizer-BioNTech.

A variante 501Y.V2 apresenta outra mutação preocupante: a E484K, que também afeta o domínio de ligação ao receptor da proteína de espícula. Em um estudo preliminar publicado no servidor bioRxiv, em 4 de janeiro, pesquisadores do Centro Fred Hutchinson de Pesquisa do Câncer em Seattle descobriram que essa mutação desempenha um papel superimportante na capacidade de ligação dos anticorpos à proteína de espícula do vírus.

Quando os vírus de modelos laboratoriais com a mutação E484K e mutações semelhantes foram comparados com anticorpos de pacientes recuperados de covid-19, os anticorpos de alguns pacientes se mostraram nitidamente menos eficazes ao se ligar aos vírus com a mutação. Mas vale destacar que as vacinas atualmente autorizadas ativam potentes respostas imunes e, no momento, não há evidências de que as variantes com a mutação E484K sejam completamente resistentes à imunidade induzida pela vacina.

Em uma série de publicações no TwitterJesse Bloom, autor principal do estudo preliminar, ressaltou que uma proteção reduzida é muito diferente de nenhuma proteção. “Devemos nos preocupar com a E484K e outras mutações? Sim! É por isso que há tantos pesquisadores se empenhando para estudá-las. Mas é preciso considerar o panorama geral”, escreveu ele. “Neutralização reduzida não significa ausência de imunidade, e será necessário um estudo criterioso para determinar suas implicações à proteção humana.”

E se as vacinas precisarem ser modificadas?

Os fabricantes de vacinas estão preparando as bases para uma rápida resposta caso uma futura variante do Sars-CoV-2 resista às vacinas existentes. Dormitzer, pesquisador da Pfizer, afirma que qualquer mudança nas vacinas necessitaria de observações clínicas sólidas da transmissão de uma nova variante entre pessoas já imunizadas contra a covid-19.

Uma das vantagens das vacinas da Pfizer-BioNTech e da Moderna é a possibilidade de serem atualizadas rapidamente. Mas Dormitzer adverte que a pesquisa e a produção em laboratório são apenas duas etapas na longa e complexa jornada de uma vacina até ser aplicada no braço de alguém. Se uma vacina for atualizada, os órgãos reguladores dos governos precisarão verificar se ainda permanece segura e eficaz. Os pesquisadores alegam que as políticas que regulamentam as atualizações regulares de vacinas contra a gripe sazonal podem servir como base.

“Todos querem utilizar a gripe comum como modelo e concordo plenamente, a gripe comum é o nosso modelo”, afirma Dormitzer. Mas “é preciso adaptar as regulamentações — as regras básicas — utilizadas na gripe comum para esse novo vírus”.

É importante que os pesquisadores possam identificar o momento de surgimento de novas variantes. Todos os três especialistas entrevistados pela  National Geographic incentivaram governos em todo o mundo a expandir amplamente seu sequenciamento genômico do Sars-CoV-2 e informar os dados obtidos.

“É extremamente necessário o monitoramento rigoroso das sequências dos vírus nos pacientes”, afirma Shi. “São os olhos e ouvidos que servem de janela à nossa saúde pública.”

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