Variantes ‘americanas’ do coronavírus deixam os Estados Unidos em alerta

Fabricantes de vacinas já planejam doses de reforço contra as novas variantes do novo coronavírus, enquanto pesquisadores estudam o risco real representado por elas.

Por Sarah Elizabeth Richards
Publicado 15 de mar. de 2021, 07:00 BRT
variants

Doses da vacina da Moderna contra a covid-19 em local de vacinação no centro-sul de Los Angeles em 16 de fevereiro de 2021. Com o surgimento de mutações do vírus Sars-CoV-2, fabricantes de vacinas buscam doses de reforço eficazes contra as novas variantes.

Foto de Apu Gomes, AFP via Getty Images

Os picos dramáticos nas taxas de infecção de covid-19 durante o ano passado geralmente estiveram associados a aglomerações ou à falta de uso de máscaras. Mas especialistas em doenças infecciosas estão cada vez mais convencidos de que houve mais um fator de influência: o próprio coronavírus sofreu mutações e se tornou mais transmissível.

Um conjunto cada vez maior de evidências de sequenciamento genético revela que as cepas atualmente em circulação parecem biologicamente distintas daquelas observadas no início da pandemia. Embora muitas das alterações que o vírus sofreu sejam totalmente benignas, algumas cepas parecem ser mais contagiosas e outras são mais eficientes em se esquivar dos anticorpos, parte fundamental do sistema de defesa do organismo.

Curiosamente, todas as alterações mais problemáticas envolvem a proteína de espícula do vírus e estão surgindo de forma independente nos continentes, talvez devido a um fenômeno denominado evolução convergente.

O temor é que algumas dessas chamadas “variantes preocupantes” — incluindo aquelas recém-identificadas nos Estados Unidos — possam reduzir a eficácia de nosso arsenal de vacinas porque pessoas que foram vacinadas ou que desenvolveram imunidade por meio de infecção natural ainda podem estar vulneráveis a essas variantes — uma vulnerabilidade negligenciada pelas recomendações dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (“CDC”, na sigla em inglês) divulgadas nesta semana, declarando que os vacinados poderiam se reunir em segurança em ambientes fechados com outros vacinados.

“A opinião pública está nitidamente propensa ao relaxamento das medidas de proteção, mas com a alta taxa de infecções atuais nos Estados Unidos e o aumento das variantes preocupantes, é possível que haja um arrependimento”, afirma Stuart C. Ray, professor de doenças infecciosas da Faculdade de Medicina Johns Hopkins, em Baltimore.

Em resposta a esse cenário, fabricantes de vacinas correm com as pesquisas para produzir doses de reforço específicas contra as variantes. Ao mesmo tempo, o governo Biden prometeu disponibilizar vacinas a todos os adultos nos Estados Unidos até o final de maio.

Segundo especialistas, quanto mais rápido o novo coronavírus for controlado, menos chances ele terá de se transformar em versões mais letais e transmissíveis que poderiam gerar outra onda mortal.

Variantes autóctones dos Estados Unidos

Nos últimos meses, as autoridades de saúde estiveram concentradas em variantes potencialmente perigosas originadas em outros países. Em dezembro, foi veiculada a notícia de que uma variante denominada B.1.1.7 circulava no Reino Unido. Em seguida, foi relatada a variante B.1.351 que surgiu na África do Sul e que não responde tão bem a vacinas. Há outra variante inquietante denominada P.1 no Brasil que, segundo novas pesquisas, poderia reinfectar sobreviventes de covid-19.

Todas essas três variantes já chegaram aos Estados Unidos. De acordo com a última contagem do CDC, há mais de três mil casos documentados da variante do Reino Unido, 81 casos da cepa sul-africana e 15 da brasileira no país.

Agora, autoridades de saúde tentam avaliar a ameaça de diversas variedades autóctones, incluindo as originárias da Califórnia e da cidade de Nova York. Anthony Fauci, especialista em doenças infecciosas, disse a Margaret Brennan, âncora do programa de televisão Face the Nation, que estava preocupado com a disseminação recentemente documentada da variante B.1.526, detectada pela primeira vez em Manhattan no mês passado, devido a seu risco de superar a proteção de anticorpos conferida pelas vacinas, bem como outros tratamentos contra a covid-19.

A variante de Nova York representa um quarto dos genomas do novo coronavírus coletados e sequenciados na região de Nova York em fevereiro, de acordo com a pesquisa de uma equipe do Instituto de Tecnologia da Califórnia, ainda não revisada por pares. Em outro estudo preliminar, pesquisadores da Universidade de Colúmbia escreveram: “houve uma disparada alarmante dessa nova variante em nossa população de pacientes nas últimas semanas”.

Na Califórnia, funcionários do Centro Médico Cedars-Sinai, em Los Angeles, relataram a presença de outra variante possivelmente mais contagiosa denominada CAL.20C, identificada pela primeira vez em julho de 2020, mas encontrada novamente no sul da Califórnia apenas em outubro. Dentre as sequências virais coletadas em todo o estado, essa variante representou 35% dos casos de covid-19 em janeiro.

No entanto Adam Lauring, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Michigan, reitera que não é preciso muita apreensão até que mais informações sejam divulgadas. Como o monitoramento genético ainda é limitado nos Estados Unidos, cientistas estão perdendo dados importantes que podem contextualizar as variantes. No Reino Unido, pesquisadores analisaram prontuários hospitalares e dados de rastreamento de contatos, além de relatórios de sequenciamento genético antes de sugerir em fevereiro que a variante B.1.1.7 causa uma forma mais grave da doença.

Nos Estados Unidos, “os estudos são limitados e ainda faltam muitas informações”, afirma Lauring. “É difícil distinguir o que é preocupante e o que não é relevante.”

O mistério das mutações

O que está claro é que as variantes virais estão acumulando mutações mais rápido do que no início da pandemia e se tornando mais contagiosas, afirma Ray, professor da Faculdade de Medicina Johns Hopkins que estuda a evolução de vírus de RNA.

E o que intriga muitos cientistas é que as linhagens das variantes britânicas, brasileiras e sul-africanas contêm mutações que alteram as características biológicas da proteína de espícula, a parte do vírus que invade a célula humana e adoece as pessoas. “Todas sofreram alterações três vezes diferentes em três continentes distintos, com uma diferença de meses entre elas”, observa Ray. Mutações análogas também foram encontradas nas variantes de Nova York e da Califórnia.

Embora essas mudanças possam parecer aleatórias, Paul Bieniasz, virologista da Universidade Rockefeller em Nova York, sugere que há forças maiores em ação. “É evidente que há uma evolução convergente em andamento”, destaca Bieniasz, em referência a um princípio evolutivo no qual a evolução de organismos independentes os faz adquirir características semelhantes devido a ambientes ou pressões semelhantes.

O número de infectados foi tanto que o vírus teve trilhões de oportunidades para sofrer mutações, replicar e evoluir. Mutações que permitam ao vírus infectar mais pessoas, ou evitar anticorpos são mais bem-sucedidas e mais difíceis de combater. É por isso que faz sentido que todas as variantes preocupantes até o momento apresentem alterações justamente na proteína de espícula, segundo Bieniasz.

Em um estudo assustadoramente presciente publicado em outubro, sua equipe desenvolveu um modelo que demonstra que o novo coronavírus é capaz de sofrer uma mutação na proteína de espícula apenas o suficiente para se esquivar dos anticorpos protetores que deveriam aderir a ele e impedir a invasão das células pelo vírus.

Bieniasz teme que tais variantes do Sars-CoV-2 possam dificultar seu reconhecimento pelos anticorpos induzidos pelas vacinas atuais. Ou essas novas cepas poderiam reinfectar pessoas que já se recuperaram de uma cepa diferente do novo coronavírus e prolongar a pandemia.

Mas há boas notícias também. Apesar da capacidade das variantes de ultrapassar algumas de nossas defesas, a maioria das pessoas possui dezenas de tipos de anticorpos que ainda são capazes de oferecer proteção. As mutações identificadas até o momento se esquivam de apenas alguns dos anticorpos.

“Isso significa que boas vacinas ainda são eficazes contra elas. Mas ainda não está claro se terão o mesmo nível de eficácia”, afirma Bieniasz.

Rastreamento mais eficiente

Por enquanto, o governo dos Estados Unidos prometeu quase US$ 200 milhões para aumentar a capacidade de sequenciamento de vírus do país para rastrear o surgimento de novas cepas. Em um relatório oficial apresentado à Casa Branca, empresas de sequenciamento genético e laboratórios públicos e privados solicitaram ao governo Biden uma “implantação rápida de monitoramento genômico em escala nacional” e a definição de uma meta de sequenciamento de 5% das amostras positivas.

Os avanços nessa empreitada não dependem de capacidade técnica ou de perspicácia, observa Christopher Mason, professor associado de genômica computacional da Faculdade de Medicina Weill Cornell, na cidade de Nova York. “É uma questão de logística e de financiamento.”

O Google, a Fundação Rockefeller e sete instituições acadêmicas nos Estados Unidos e na Europa também lançaram o banco de dados Global.health para coleta de dados, incluindo históricos de viagens de pacientes ou início de sintomas, a fim de oferecer um panorama mais detalhado da transmissão global das variantes.

No entanto a obtenção de mais dados de sequenciamento fornece apenas indícios do comportamento do novo coronavírus. “É necessário mais sequenciamento, mas deve haver um direcionamento inteligente para identificar o vírus e as causas de suas alterações e mutações”, acrescenta Rick Bright, vice-presidente sênior de prevenção e resposta à pandemia da Fundação Rockefeller. “Precisamos de representatividade geográfica — não apenas na cidade de Nova York, mas também em áreas rurais.”

Isso forneceria um retrato do vírus entre pessoas vacinadas ou em certas comunidades vulneráveis; por exemplo, um estudo concluiu que a variante CAL.20C representava mais da metade dos casos da comunidade predominantemente latina do distrito de Mission em São Francisco em janeiro — um aumento em relação a apenas 16% dos casos em novembro. Essa é uma informação valiosa a ser utilizada pelas autoridades de saúde pública para localizar e conter a propagação.

“Seria possível nos anteciparmos um pouco sobre o comportamento do vírus em vez de sempre sermos surpreendidos por ele”, acrescenta Bright, ex-diretor da Autoridade de Pesquisa e Desenvolvimento Biomédico Avançado.

Esse sistema aprimorado poderia até servir de alerta precoce de surtos de doenças futuras e ataques biológicos, afirma Andrew Weber, membro sênior do Conselho de Riscos Estratégicos e ex-secretário assistente do programa de defesa nuclear, química e biológica do Departamento de Defesa dos Estados Unidos.

“Se houver um programa de vigilância em andamento, será possível detectar ameaças como antraz e ebola”, observa ele. “É importante reduzir o tempo de identificação e ter medidas defensivas médicas para uma resposta imediata e eficaz”.

Por ora, entretanto, a prioridade é reduzir a taxa de mutação vacinando as pessoas e controlando a disseminação da covid-19, conta Ray. Caso contrário, o vírus terá chance de desenvolver estratégias de maior resistência. “Nesse caso”, conclui ele, “teremos um problema ainda maior para resolver”.

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