Sim, as vacinas interrompem grande parte da transmissão da covid-19

Dados recentes demonstram que a imunização não somente protege os indivíduos vacinados, como também reduz a chance de transmitirem o vírus a outras pessoas.

Por Tara Haelle
Publicado 29 de abr. de 2021, 12:00 BRT
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A enfermeira Priscilla Policar aplica vacina da Moderna contra a covid-19 em Shirley Trojman no Hospital Humber River em Toronto, Canadá, em 23 de março de 2021.

Foto de Cole Burston, Getty Images

As vacinas contra a covid-19 proporcionaram a oportunidade de retardar a propagação do vírus. Agora os cientistas estão estudando a eficácia das vacinas na contenção da transmissão. Novos dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) revelam que infecções por covid-19 podem ocorrer em vacinados, mas parecem ser excepcionalmente raras.

Em 14 de abril, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças receberam relatos de que cerca de 5,8 mil pessoas vacinadas com as duas doses foram infectadas pela covid-19. Quase metade dessas infecções (45%) ocorreram em pessoas com idades acima de 60 anos. Sete por cento das pessoas com infecções que quebraram a barreira da vacina — infecções que ocorrem após a imunização completa — foram internadas e 1% morreu.

Com mais de 85 milhões de pessoas totalmente vacinadas contra a covid-19 nos Estados Unidos, o CDC vem expandindo com cautela as diretrizes sobre o que é seguro fazer após ser totalmente vacinado. A expansão tem sido gradual, à medida que os especialistas aguardam dados não apenas sobre a eficácia das vacinas contra a covid-19 na prevenção da doença, mas também sobre a possibilidade de infecção — assintomática — em indivíduos totalmente vacinados e transmissão involuntária do vírus a outras pessoas.

A distinção é importante porque muitas pessoas não percebem que as vacinas evitam principalmente a doença, mas não necessariamente o contágio, o que significa que nem todas as vacinas impedem que pessoas totalmente vacinadas transmitam o patógeno a outras pessoas.

“O objetivo maior do desenvolvimento de vacinas sempre foi impedir infecções, mas é algo extremamente difícil de conseguir”, afirma Jason Kindrachuk, professor assistente de virologia da Universidade de Manitoba em Winnipeg, Canadá. Esse objetivo é denominado imunidade esterilizante, que significa uma proteção total contra doenças, mas também a prevenção da entrada inicial de micróbios nas células, explica ele.

Quatro meses depois que a Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) autorizou as primeiras vacinas contra a covid-19, o CDC obteve dados suficientes para sugerir que as vacinas reduzem substancialmente o contágio — e, portanto, reduzem a possibilidade de uma pessoa vacinada contaminar outras pessoas.

Mecanismo de proteção das vacinas

O mecanismo de ação das vacinas é simular uma infecção no corpo humano a fim de enganar o sistema imunológico, fazendo com que desenvolva uma defesa contra um micro-organismo — e depois lembre o que fazer se voltar a encontrar o mesmo patógeno, explica Juliet Morrison, professora assistente de microbiologia da Universidade da Califórnia em Riverside.

Após qualquer infecção, “glóbulos brancos se desenvolvem, especificamente linfócitos T e B, que se mantêm no organismo humano e se recordam da infecção inicial para que, no caso de uma nova contaminação, essas células de memória respondam se multiplicando imediatamente”, explica ela. Os linfócitos B produzem anticorpos que se ligam aos vírus circulantes e às células infectadas, enquanto os linfócitos T “basicamente abrem orifícios na célula infectada e bombeiam neles toxinas que informam à célula infectada para cometer suicídio”.

Uma vacina induz a mesma memória imunológica de uma infecção, portanto, se o vírus de fato aparecer, o sistema imunológico será ativado imediatamente e produzirá linfócitos T, linfócitos B e anticorpos.

“Isso permite a eliminação da infecção sem que o indivíduo perceba que adoeceu”, conta Morrison.

O fato, entretanto, é que o indivíduo realmente teve uma infecção, ou seja, o vírus invadiu as células e começou a se replicar. O sistema imune simplesmente combate tudo antes que o vírus ou o próprio sistema imune comece a danificar o tecido — o processo da doença, explica Kindrachuk.

Infecções assintomáticas ainda podem transmitir o vírus

Quando o vírus invade as células e começa a se replicar, mas não causa doenças, temos uma infecção assintomática. Com infecções pré-sintomáticas, por outro lado, uma pessoa começa a desenvolver sintomas e a probabilidade de transmitir o vírus fica maior nos dias anteriores à manifestação dos sintomas, observa Natalie Dean, professora assistente de bioestatística na Universidade da Flórida em Gainesville.

“Sabemos, a partir de dados de rastreamento de contatos não relacionados às vacinas, que aqueles que nunca chegam a desenvolver sintomas geralmente têm menor probabilidade de transmitir o vírus”, afirma Dean.

Morrison acrescenta que pessoas assintomáticas provavelmente apresentam uma excelente resposta imune inicial que reprime o ritmo de multiplicação do vírus, “mas não o suficiente para que a replicação viral seja completamente eliminada”, adverte ela. “É por isso que ainda podem transmitir o vírus, embora sem sintomas da doença”.

Essa hipótese é reforçada pelo fato de que a gravidade da covid-19 geralmente está relacionada com a quantidade total de vírus no corpo, o que é denominado carga viral, afirma Kindrachuk. Pesquisas preliminares demonstraram que pessoas com cargas virais mais baixas transmitem menos vírus, o que indica ainda que infecções assintomáticas são menos contagiosas do que as sintomáticas. Mas menos não significa ausência de contágio: pessoas com infecções assintomáticas ainda possuem, em seu sistema, vírus replicantes capazes de serem transmitidos a outras pessoas.

Quando as vacinas foram aprovadas, os especialistas ainda não sabiam se poderiam evitar totalmente as infecções ou se os vacinados poderiam desenvolver uma infecção assintomática — embora ainda transmissível.

Por que os estudos clínicos não rastrearam as infecções?

Os estudos clínicos que testaram vacinas da Moderna, Pfizer-BioNTech e Johnson & Johnson avaliaram a capacidade de cada vacina de prevenir doenças graves e não sua capacidade de conter a transmissão do vírus.

“Para ser franco, a transmissão não era a principal preocupação àquela altura dos testes”, conta Kindrachuk. “O objetivo era garantir que ninguém adoecesse.”

Com milhares de internações e mortes todos os dias, a prioridade máxima era avaliar se uma vacina evitava doenças graves e mortes. Embora os pesquisadores admitam que era importante avaliar se as vacinas evitam infecções assintomáticas, essa tarefa é muito complexa e dispendiosa, revela Dean. Assim, os pesquisadores rastrearam apenas infecções sintomáticas, o que os deixou sem saber se alguém que fora vacinado e não apresentou sintomas poderia ter uma infecção assintomática.

“Não se sabe se uma pessoa com o vírus ainda presente no organismo pode transmiti-lo”, afirma Dean.

Até mesmo uma pequena quantidade de vírus presente em alguém vacinado pode representar risco a outras pessoas.

“Não temos noção de qual é a dose infecciosa — a quantidade de vírus à qual é preciso ficar exposto para ser contaminado”, explica Kindrachuk. “Não se trata de uma carga viral recebida em um único momento, mas de um acúmulo entre minutos e horas.”

Dados preliminares aparentemente promissores

Embora os fabricantes de vacinas não tenham rastreado as infecções de todos os participantes de estudos de fase três, alguns dados foram coletados. A Moderna testou todos os participantes ao receberem a segunda dose e informou em dezembro que ocorreram menos infecções assintomáticas no grupo vacinado do que no grupo placebo após a primeira dose. A Johnson & Johnson também divulgou dados de quase 3 mil participantes do estudo de fase três que foram testados dois meses após a vacinação para verificar se possuíam anticorpos decorrentes de uma nova infecção desde a vacinação. Esses dados preliminares sugeriram uma redução de 74% nas infecções assintomáticas.

Essas descobertas indicam que as vacinas possuem a capacidade de prevenir infecções. Esse resultado foi seguido por três estudos preliminares — ainda não revisados por pares — que sugerem ainda mais boas notícias. Um deles concluiu que pessoas vacinadas com uma dose da vacina da Pfizer-BioNTech apresentavam cargas virais até 20 vezes mais baixas do que cargas virais de pessoas infectadas não vacinadas.

Dois outros estudos, da Clínica Mayo e do Reino Unido, incluíram mais de 85 mil profissionais de saúde testados rotineiramente que foram totalmente vacinados com a vacina da Pfizer-BioNTech. A vacina reduziu a infecção entre 85% e 89%. Todas essas evidências destacam a capacidade das três vacinas de prevenir a infecção na maioria dos vacinados.

Começa a surgir um consenso

Mais evidências foram obtidas em março por meio de uma série de estudos sobre vacinas de RNAm. Um deles, realizado com mais de 9,1 mil profissionais de saúde em Israel, concluiu que as infecções foram reduzidas em 75% após duas doses da vacina Pfizer-BioNTech. Outro revelou que a carga viral caiu quatro vezes entre aqueles que receberam uma dose e desenvolveram uma infecção.

Em uma triagem de infecções com mais de 39 mil pessoas na Clínica Mayo, os pacientes apresentaram um risco 72% menor de serem contaminados 10 dias após a primeira dose da vacina de RNAm e 80% menor após ambas as doses. O periódico New England Journal of Medicine publicou relatórios de pesquisas demonstrando uma redução nas infecções em profissionais de saúde totalmente vacinados no Centro Médico Southwestern da Universidade do Texas, no Centro Médico Hadassah da Universidade Hebraica de Jerusalém e na Universidade da Califórnia em Los Angeles e San Diego.

A evidência mais convincente, segundo Dean, é proveniente de um estudo do CDC realizado no início de abril com quase quatro mil profissionais de saúde, testados semanalmente durante três meses após receberem ambas as doses de qualquer uma das vacinas de RNAm. A vacinação completa reduziu a infecção — independentemente de haver sintomas — em 90%, e uma única dose reduziu a infecção em 80%.

Há uma ampla variedade de evidências, acrescenta Kindrachuk.

“Foi observada uma redução drástica da propagação no país, o que sugere que as vacinas estão protegendo contra doenças graves e também reduzindo a transmissão”, reitera ele.

De forma geral, as evidências demonstram que a vacinação completa com qualquer uma das vacinas de RNAm reduz ao menos pela metade o risco de infecção após uma dose e entre 75% e 90% após duas semanas a partir da segunda dose. Apesar da menor disponibilidade de pesquisas a respeito da vacina Johnson & Johnson, os dados dos estudos sugerem ser provável uma redução superior a 70% nas infecções. Com um alto índice de prevenção de infecções, as vacinas também acabam impedindo que a maioria das pessoas vacinadas transmita o vírus.

O surgimento das variantes

A preocupação do momento é se as variantes podem mudar esse cenário, afirma Kindrachuk. Diversos estudos na Inglaterra e em Israel com a vacina Pfizer-BioNTech foram realizados quando a variante B.1.1.7 era a predominante.

“Tudo indica que as vacinas resistam às variantes, mas também se comprovou que essas variantes geralmente são mais transmissíveis”, adverte Kindrachuk. Uma preocupação é que uma maior transmissibilidade implique a necessidade de uma dose viral menor para a contaminação, prossegue ele.

Como as vacinas não previnem 100% das infecções, é possível que pessoas vacinadas que desenvolvam uma infecção assintomática com essa variante sejam mais contagiosas do que seriam antes com a cepa predominante do início da pandemia.

Além disso, não há muitos dados sobre as vacinas da Moderna ou Johnson & Johnson contra infecções da B.1.1.7, e praticamente nenhum dado sobre infecções das outras duas variantes preocupantes: a B.1.351 da África do Sul e a P.1 do Brasil, ambas capazes de escapar de anticorpos contra outras variantes do vírus da covid-19.

Os cientistas também estão estudando como ocorre a replicação das variantes.

“Em caso de níveis maiores de replicação, pode haver mais dispersão viral e mais chance de transmissão”, conta Morrison.

Futuro ainda promissor, aparentemente

Apesar da incerteza representada pelas variantes, o panorama geral atual é tranquilizador, ressalva Dean.

“Essas vacinas realmente superaram as expectativas de muitas maneiras, e é extremamente valiosa sua capacidade de prevenção e transmissão da doença”, reitera ela. “Nada é garantido, mas acredito que seja perceptível a grande redução nos números e o valor que isso agrega, o que muda bastante minhas prioridades.

Mas isso não significa abandonar a cautela, adverte Morrison.

“Uma pessoa vacinada pode supor que está protegida contra casos graves da doença e muito provavelmente protegida contra infecções suficientemente para deixar de transmitir a doença, mas, com o surgimento dessas variantes e como estamos longe de alcançar a imunidade de rebanho, é preciso manter as medidas de proteção”, afirma Morrison.

Parece sensato interagir com outras pessoas vacinadas sem máscaras, mas ela também concorda com a recomendação do CDC de que vacinados podem visitar sem máscaras ou sem distanciamento social apenas pessoas não vacinadas com baixo risco que residem na mesma casa. Como as infecções diárias ainda persistem, essa limitação reduz ainda mais a probabilidade de vacinados contraírem e transmitirem a doença a partir de uma casa em que seus moradores não foram vacinados.

“A preocupação maior é com o contato com não vacinados”, acrescenta ela. “Ainda que o potencial de contrair a doença a partir deles seja baixo, não é nulo.” Da mesma forma, uma pessoa vacinada infectada tem probabilidade menor — mas não zero — de contaminar outras pessoas que não foram vacinadas, que tenham doenças pré-existentes ou que tomem medicamentos que debilitem seu sistema imune.

Quanto mais vacinação, menor o risco de infecção de todos, explica Dean.

“Ainda há um alto índice de transmissão em minha comunidade”, lamenta Dean. “Está começando a ser percebido o efeito das vacinas sobre as populações, mas cada vacinado aumenta a sensação de segurança sobre reencontros sociais.”

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