Cientistas dizem que doses de reforço contra covid-19 ainda não são necessárias

A vacina da Pfizer contra covid-19 gera uma resposta imunológica duradoura em pessoas que receberam as duas doses e protege contra quadros mais graves da doença e óbitos.

Por Amy McKeever
Publicado 21 de jul. de 2021, 17:00 BRT
Elvin Toro, ex-médico do exército dos Estados Unidos, organiza suas seringas antes de aplicar a próxima ...

Elvin Toro, ex-médico do exército dos Estados Unidos, organiza suas seringas antes de aplicar a próxima dose em um aluno do internato de Central Falls High School, em Central Falls, Rhode Island.

Foto de Joseph Prezios, AFP via Getty Images

As últimas semanas têm sido intensas para as pessoas que já completaram o ciclo de vacinação nos Estados Unidos. A questão é: serão necessárias doses de reforço da vacina contra covid-19? As dúvidas se intensificam com o surgimento de variantes mais contagiosas.

No dia 8 de julho, a Pfizer e a BioNTech anunciaram que buscariam obter uma autorização de emergência para doses de reforço da vacina contra covid-19, tendo como argumento os dados que mostram que a eficácia da vacina diminui com o tempo e que “[uma dose de reforço] pode ser necessária dentro de seis a 12 meses após a segunda dose da vacina”. Depois desse anúncio, representantes da Pfizer se reuniram com autoridades dos Estados Unidos para discutir a autorização emergencial de uma terceira dose de sua vacina contra covid-19.

Porém, as solicitações da Pfizer foram rejeitadas pelos órgãos reguladores dos Estados Unidos. Em declaração conjunta, a Agência de Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) e os Centros para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) afirmaram que as pessoas que já tomaram as duas doses da vacina “não precisam de uma dose de reforço agora”, enfatizando que as vacinas continuam altamente eficazes contra casos graves da doença ou óbito.

Um porta-voz do Departamento de Saúde dos Estados Unidos disse à National Geographic que a resposta às alegações da Pfizer leva em consideração os dados de laboratórios, de testes clínicos e de empresas farmacêuticas, como a Pfizer. “Agradecemos as informações que eles compartilharam. As autoridades continuarão trabalhando em um processo cientificamente rigoroso para deliberar sobre a necessidade de uma dose de reforço, bem como o período apropriado para ser aplicada ou quais grupos deveriam tomar”.

Na verdade, ao contrário dos estudos apresentados pela Pfizer, há novos dados laboratoriais que sugerem que a vacina oferece uma proteção que pode durar anos. Então, o que exatamente está acontecendo? Veja o que alguns dados mostram sobre a duração da imunidade entre pessoas que já tomaram as duas doses da vacina contra covid-19 e o que os cientistas querem saber antes de recomendarem a administração de outra dose.

Anticorpos não são tudo

Primeiro, vamos a uma breve introdução sobre a resposta imunológica do organismo humano. Ela normalmente age em duas fases: a imunidade inata é a primeira linha de defesa. Ela gera uma resposta imunológica geral e imediata, que pode destruir substâncias estranhas ou germes presentes no organismo. Depois disso, o sistema imunológico adaptativo — que tem como alvo bactérias e vírus específicos — entra em ação para produzir anticorpos para a proteção contra o patógeno a curto e longo prazo.

A produção de anticorpos ocorre com a ajuda de células T e células B, dois tipos de células brancas do sangue. Conforme explica E. John Wherry, diretor do Instituto de Imunologia da Universidade da Pensilvânia, as células T “são uma espécie de orquestradoras dessas respostas imunológicas complexas”. As células T nutrem as células B, que amadurecem, se transformam em células plasmáticas e têm uma missão, como explica Wherry: “produzir anticorpos”.

Mas estudos mostraram que os níveis de anticorpos neutralizantes gerados pelas vacinas contra covid-19 se enfraquecem com o tempo. No comunicado publicado na semana passada, a Pfizer disse que uma terceira dose de sua vacina provocaria uma resposta de anticorpos de cinco a dez vezes maior do que com apenas duas doses. A Pfizer ainda não divulgou seus dados, mas um porta-voz disse à National Geographic que a empresa já está elaborando a publicação.

Wherry diz que a presença de anticorpos neutralizantes é extremamente importante, mas não resolvem tudo.

Jane O'Halloran, professora assistente de medicina da Escola de Medicina da Universidade de Washington, em St. Louis, Missouri, concorda com a afirmação de seu colega. Ela acrescenta que o declínio nos níveis de anticorpos já é esperado pelos cientistas. “Se um organismo tivesse altos níveis de anticorpos para todos os patógenos que encontrasse, o sangue ficaria parecendo uma lama”, diz a professora.

Portanto, não se trata da quantidade de anticorpos. O que importa é a qualidade: o organismo deve apresentar as ferramentas para produzir rapidamente os anticorpos quando necessário e os anticorpos devem cumprir bem o seu papel.

Campos de treinamento do sistema imunológico

O'Halloran participou de um grupo de pesquisa que investiga se as vacinas estão realmente preparando o organismo para enfrentar a covid-19 em longo prazo. Na pesquisa, o grupo coletou amostras de nódulos linfáticos — que contêm células B e T — de 14 adultos saudáveis que tomaram a vacina da Pfizer.

Quando os glóbulos brancos B e T respondem a uma doença e interagem uns com os outros, eles criam algo conhecido como centros germinativos, que funcionam como uma espécie de treinamento para o sistema imunológico. Os centros germinativos podem ser encontrados em nódulos linfáticos e são onde as células plasmáticas aprendem a produzir anticorpos que serão mais eficazes no combate a um patógeno.

Os centros germinativos também produzem células de memória, que podem permanecer por mais tempo e ajudar o organismo a montar uma resposta imunológica caso encontre o vírus ou a bactéria novamente. Ao contrário dos anticorpos, as células de memória não podem “ver” um vírus até que ele infecte as células de alguma parte do corpo. Mas a partir do momento em que as células do organismo são infectadas, as células de memória entram em ação e eliminam a infecção.

O estudo realizado por O'Halloran e sua equipe da Escola de Medicina da Universidade de Washington foi publicado no final de junho, na revista científica Nature. O estudo revela que os centros germinativos ficam em fase de formação nos organismos dos participantes por até 15 semanas após a vacinação. Embora isso possa parecer pouco tempo, O'Halloran afirma que esses centros germinativos “estão produzindo essas células de memória de longa duração, que são necessárias para oferecer imunidade por mais tempo”. O autor principal do estudo, Ali Ellebedy, disse ao diretor do National Institutes of Health, Francis Collins, que a resposta do centro germinativo é robusta e que pode durar anos.

“Com isso, podemos supor que o organismo esteja reagindo da forma esperada”, diz O'Halloran. Wherry, que não participou do estudo, concorda: “com esses resultados, podemos ter certeza de que os centros germinativos produzem as células de memória de longa duração através das vacinas”, diz o cientista.

Mas o conjunto de dados oferecidos pelo estudo é insuficiente, especialmente quando comparado aos estudos que mediram os níveis de anticorpos após a vacinação. Isso porque estudos como esse são muito mais difíceis e seus resultados levam mais tempo para ficar prontos — o que significa que menos pesquisadores foram capazes de realizá-los.

“Às vezes, os aspectos mais fáceis de mensuração dos anticorpos não são os que fornecem as informações mais relevantes sobre o que está acontecendo no organismo”, diz O'Halloran.

O'Halloran afirma ainda que o estudo trata apenas da durabilidade da vacina produzida pela Pfizer. Alguns vão além do escopo do estudo e dizem que a vacina da Moderna pode ter durabilidade semelhante à da Pfizer por também ser produzida com tecnologia de RNAm. Mas, segundo O'Halloran, para fazer afirmações desse tipo, tanto em relação à vacina da Moderna quanto para a vacina da Johnson & Johnson, é necessário estudar como está sendo o desempenho delas no mundo real.

Os dados do mundo real são tranquilizadores

Outro argumento apresentado pela Pfizer sobre as doses de reforço se baseia em dados reais de Israel, e mostravam que a eficácia de sua vacina diminuiu seis meses após a aplicação da segunda dose. No dia 5 de julho, o Ministério da Saúde de Israel disse que observou um “declínio acentuado”, de 64%, na eficácia da vacina em evitar infecções e casos sintomáticos causados pela covid-19.

Os dados também indicam que a proteção oferecida pela vacina está reduzindo entre os pacientes imunocomprometidos. Por isso, Israel já começou a administrar uma terceira dose para pacientes transplantados.

Wherry diz que o drástico declínio na eficácia da vacina em Israel pode ser atribuído, em parte, ao robusto programa de testes de covid-19 do país. “Em Israel, todo mundo passa pelo teste de covid-19 o tempo todo. Eles estão contabilizando até mesmo infecções assintomáticas”, afirma o cientista.

Ele acrescenta que os dados de Israel apontam, na verdade, para uma eficácia de 93% da vacina na prevenção de doenças graves e hospitalização. Isso sugere que, embora as vacinas possam não estar mais produzindo altos níveis de anticorpos para proteger as pessoas contra a infecção, a resposta de memória de longo prazo ainda está em ação evitando que a infecção se espalhe.

Dados de saúde pública em outros lugares parecem confirmar isso: No início do mês de julho, a diretora do CDC, Rochelle Walensky, disse que mais de 99% das mortes causadas por covid-19 em junho, nos Estados Unidos, foram entre pessoas não vacinadas. O'Halloran diz que esse é o principal objetivo da vacinação.

“Em nenhum momento foi dito que as vacinas previnem 100% das infecções”, diz O'Halloran. “O mais importante é o impacto da vacina sobre a taxa de casos graves e de óbito”.

Em última instância, as vacinas da Pfizer, da Moderna e da Johnson & Johnson demonstraram ser eficazes contra a variante Delta e outras variantes preocupantes. Claro, isso pode mudar: podem surgir novas variantes que superem a proteção das vacinas atuais. Mas O'Halloran ressalta que doses de reforço realmente não são a melhor maneira de lidar com a ameaça de novas variantes.

“Em vez de aprimorar o potencial benefício incremental que eventualmente conseguiríamos obter aplicando uma dose de reforço em um determinado grupo — sendo que há um outro grupo de pessoas que sequer foram vacinadas —, a melhor maneira de combater a covid-19 é vacinando a todos”, diz a professora.

O que os dados não mostram

Enquanto os dados existentes garantem que as vacinas oferecem proteção e que doses de reforço não são necessárias, cientistas e órgãos reguladores de saúde apontam para a necessidade de mais estudos acadêmicos para esclarecer como o sistema imunológico está respondendo às vacinas contra covid-19.

“Acho que veremos, nos próximos seis meses ou mais, diversos estudos falando sobre como esses e outros componentes da resposta imunológica se comportam em pessoas saudáveis e em grupos vulneráveis”, diz Wherry. “Só precisamos de mais informações sobre as diversas camadas da resposta imunológica à vacinação”.

Também é importante ficarmos atentos aos dados de saúde pública, especialmente no que diz respeito à taxa de hospitalizações e mortes entre pessoas vacinadas. Para Wherry, o melhor seria que os estados fossem capazes de identificar quando os infectados foram vacinados pela primeira vez. Isso ajudaria a identificar quando a imunidade começa a diminuir.

O porta-voz do Departamento de Saúde dos Estados Unidos disse que os órgãos reguladores também estão monitorando todos esses novos dados. “A administração está preparada para doses de reforço se e quando a ciência demonstrar que elas são necessárias, e qualquer recomendação do CDC ou da FDA viria após seu processo de revisão completo”.

Ao mesmo tempo, Wherry diz que não custa nada estar preparado para o momento em que os reforços se mostrarem necessários. “No momento, quem tiver completado o ciclo de vacinação tem pouquíssimas chances de desenvolver um quadro grave de coronavírus nos Estados Unidos”.

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