Variante Lambda está se espalhando rapidamente pela América do Sul

Mutações dessa variante do novo coronavírus ajudam a driblar o sistema imunológico. Pesquisadores trabalham para descobrir se ela é mais perigosa ou transmissível que a Delta.

Por Sanjay Mishra
Publicado 19 de jul. de 2021, 15:28 BRT
Lambda Variant

Profissionais de saúde viajam para as Ilhas de Uros, na cidade de Puno, no Peru, para imunizar os cidadãos da região do lago Titicaca com a vacina contra a covid-19, em 7 de julho de 2021.

Foto de Carlos Mamani, AFP via Getty Images

Uma variante do novo coronavírus conhecida como Lambda, que passou despercebida nos últimos nove meses, agora é responsável por quase todas as novas infecções no Peru.

A Lambda (também conhecida como C.37) foi detectada pela primeira vez no Peru em agosto de 2020 e se espalhou para 29 países, principalmente na América Latina. Desde 20 de janeiro de 2021, 668 infecções pela variante Lambda foram notificadas nos Estados Unidos. No Peru, a variante Lambda é atualmente responsável por mais de 90% dos novos casos de covid-19, representando um grande aumento em comparação a menos de 0,5% em dezembro. O país teve o maior índice de mortalidade do mundo em decorrência da covid-19 – a doença matou cerca de 0,54% da população.

A variante Lambda provavelmente foi responsável pelo aumento do número de infecções durante a segunda onda que ocorreu entre o final de março e abril, segundo informado pelo ministro da saúde do Peru, Óscar Ugarte, em entrevista coletiva. No vizinho Chile, onde a principal vacina aplicada é a CoronaVac produzida na China, a variante Lambda é responsável por 31% dos casos sequenciados nos últimos 60 dias. O número de casos está em alta mesmo com 58,6% da população do Chile tendo sido totalmente vacinada e 10% tendo recebido uma dose. Essa vacina possui uma eficácia menor, o que pode ser um dos motivos do aumento do número de infecções. Um estudo da Universidade do Chile constatou que uma única dose da vacina CoronaVac apresentou apenas 3% de eficácia, mas após aplicação de ambas as doses, a eficácia aumentou para 56,5%.

“É intrigante o fato de o Chile estar com taxas de infecção tão altas, e provavelmente há diversos fatores envolvidos. Devido à alta cobertura vacinal, as restrições foram flexibilizadas de maneira precipitada, o que pode ter levado a um aumento no número de casos”, disse Pablo Tsukayama, microbiologista da Universidad Peruana Cayetano Heredia em Lima, no Peru. Tsukayama foi o primeiro cientista a identificar a variante Lambda depois de sequenciar rotineiramente as amostras enviadas entre janeiro e março de 2021. “Mas também é possível que as principais variantes em circulação, a Gama e a Lambda, tenham algumas propriedades de evasão da resposta imune que podem fazer com que as vacinas ofereçam menor proteção.”

A possibilidade da variante Lambda conseguir driblar o sistema imunológico levou a Organização Mundial da Saúde a designá-la como Variante de Interesse (VOI, na sigla em inglês) em 14 de junho. A OMS classifica um vírus como VOI quando ocorrem alterações genéticas significativas no vírus que podem afetar sua transmissibilidade, a gravidade da doença, a evasão da resposta imune, o diagnóstico ou o tratamento; e também quando a transmissão ocorre de forma acelerada em uma comunidade.

Embora a América Latina some apenas 8% da população mundial, representa mais de 20% dos casos globais do novo coronavírus e 32% das mortes por covid-19 em todo o mundo. Apesar da região ainda registrar mais da metade das mortes notificadas globalmente, apenas um em cada 10 latino-americanos foi totalmente vacinado. Em países como Honduras e Guatemala, o número é inferior a 1%.

“Acho que estamos prestes a presenciar mais uma situação crítica nas próximas semanas na América Latina”, disse Alfonso Rodriguez-Morales, epidemiologista e vice-presidente da Associação Colombiana de Doenças Infecciosas. Isso ocorre porque em alguns países as campanhas de vacinação ainda não imunizaram totalmente mais de 5 a 10% de suas populações “e essa situação é bastante crítica”.

Por que é tão difícil detectar as variantes? 

A variante Lambda não foi detectada por diversos meses porque era frequentemente confundida com a Gama — a variante identificada pela primeira vez no Brasil e também conhecida como P.1.

Devido aos recursos limitados, o Instituto Nacional de Saúde do Peru utiliza um método rápido e mais acessível que se baseia nas mudanças no gene ORF1ab do vírus. Esse método não consegue distinguir as variantes Beta e Gama da Lambda. Diferenciar a variante Lambda de outras requer sequenciamento genético, um processo caro e demorado.

“Temos uma capacidade local muito limitada para realizar a vigilância genômica, portanto, estimar a prevalência total da variante Lambda é difícil. O motivo de uma variante se tornar dominante é difícil de prever. Portanto é importante ampliar a capacidade de sequenciamento em todos os lugares do mundo, não apenas nos Estados Unidos e na Europa”, afirma Tsukayama.

O que mudou na variante Lambda?

A variante Lambda é bastante incomum devido à forma como sua proteína de espícula é alterada em comparação com outras variantes. Ela possui mutações em 14 posições, incluindo em um longo trecho de sete aminoácidos que apresentou deleção de uma região da proteína de espícula denominada domínio N-terminal ou NTD. Além disso, a variante Lambda também apresenta mutações no gene ORF1ab que são encontradas em outras variantes preocupantes: a Alfa, a Beta e a Gama.

O gene ORF1ab codifica uma proteína grande, partes dela ajudam o novo coronavírus a se replicar e suprimir a resposta imunológica humana. Devido à sua importância, os cientistas já estão desenvolvendo terapias antivirais que têm como alvo as proteínas ORF1ab.

Os sete aminoácidos que apresentaram deleção do NTD pertencem a uma região de NTD maior em que a espícula é atacada por diversos anticorpos potentes do organismo. Diversas variantes, incluindo a Alfa, a Beta e a Gama também abrigam mutações nessa região, sugerindo que essa área é importante para a evolução do vírus. “O NTD não é essencial para realizar funções importantes do vírus e, portanto, o vírus pode facilmente sofrer mutações e ainda permanecer viável, de modo a escapar da resposta dos anticorpos existentes”, explica Shee-Mei Lok, cientista de doenças infecciosas da Universidade Nacional de Singapura.

Os anticorpos anti-NTD produzidos naturalmente no organismo podem bloquear a entrada de outros vírus na célula, mesmo depois de terem se ligado ao receptor ECA2 na superfície da célula, motivo pelo qual os desenvolvedores de vacinas estão se concentrando nele.

Entre outras mutações da variante Lambda está uma única na localização 452, que também sofre mutação em outras variantes altamente transmissíveis: Delta, Delta Plus, Epsilon e Kappa. Embora a mutação L452Q da variante Lambda nunca tenha sido observada antes em uma variante, os cientistas preveem que as mutações na posição 452 aumentam a capacidade do Sars-CoV-2 de infectar uma célula.

A posição 452 ocorre na parte da proteína de espícula que interage diretamente com a proteína receptora ECA2 encontrada no pulmão e em outras células humanas, e essa interação permite que ela invada o organismo. “A posição 452 é reconhecida por diversos anticorpos neutralizantes. Mutações nessa região podem resultar em uma ligação reduzida e, portanto, determinadas vacinas oferecem menos proteção para algumas pessoas, aquelas com respostas imunes mais fracas”, segundo Michael Diamond, imunologista da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington.

Em um estudo ainda não revisado por pares, Nathaniel Landau, microbiologista da Faculdade de Medicina Grossman da Universidade de Nova York, demonstrou que um vírus semelhante à variante Lambda, produzido em laboratório, era duas vezes mais contagioso do que a variante Sars-CoV-2 inicial, resultante apenas da mutação L452Q. Outras mutações encontradas na Lambda não tiveram efeito significativo na transmissibilidade. Outro estudo ainda não revisado por pares também confirma que a variante Lambda é provavelmente mais infecciosa do que a Gama e a Alfa.

O que sabemos sobre as vacinas com relação à variante Lambda?

“Acreditamos que, pelo menos com relação às vacinas de RNAm — Moderna e Pfizer, essas vacinas oferecerão alta proteção contra a variante Lambda, da mesma forma que protegem contra a Delta. Mesmo que alguns dos anticorpos não atuem mais contra as variantes, o fato de atacarem o vírus é suficiente para o combaterem de forma bem-sucedida”, garante Landau, que liderou um dos estudos.

Outro estudo, também não revisado por pares, mostra que a variante Lambda consegue evadir os anticorpos neutralizantes produzidos pela vacina CoronaVac — desenvolvida na China e aprovada pela OMS — mas o autor principal do estudo, Ricardo Soto Rifo, virologista do Instituto de Ciências Biomédicas de Santiago, no Chile, esclarece que, “ainda não temos evidências para afirmar que a variante Lambda é mais transmissível, que é responsável pela evasão da resposta imune criada pela vacina, que é responsável por casos mais graves da doença ou se é responsável pelas mortes”.

A imunização com duas doses de CoronaVac, vacina de vírus inativado que está disponível em muitos países latino-americanos, é considerada menos eficaz do que as vacinas de RNAm, mas ainda é eficaz na proteção contra casos graves da doença e morte.

Apesar de haver um certo ceticismo em relação à eficácia da CoronaVac contra novas variantes, todos devem se imunizar com qualquer vacina autorizada disponível em sua região, salienta Herbert Virgin, imunologista e membro da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos e diretor científico da Vir Biotechnology. “Se as pessoas não se vacinarem… o vírus vai evoluir”, acrescenta Virgin.

Embora se preocupar com uma nova variante como a Lambda que está se disseminando em um país distante possa parecer exagero, é importante que todos fiquem atentos e sigam as medidas de precaução. “A variante Lambda não é mais assustadora do que a Delta. A questão é que ambas são vírus altamente transmissíveis. Mas ao tomar a vacina, provavelmente o organismo estará protegido”, aconselha Landau. “E a taxa de infecção por todas as variantes do vírus vai cair nas regiões onde as pessoas estão se vacinando”.

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