Parte de antigo supercontinente descoberta sob a Nova Zelândia

O fragmento oculto, datado de 1,3 bilhão de anos, está ajudando os cientistas a reconstituir a história da Zelândia, o misterioso “continente perdido”.

As maravilhas geológicas da Nova Zelândia, incluindo o Parque Nacional Fiordland mostrado na imagem, é apenas uma fração da Zelândia, o misterioso oitavo continente. Uma parte recém-descoberta do antigo supercontinente oculto sob a costa leste da Nova Zelândia poderia ajudar a decifrar o passado complexo da Zelândia.

Foto de Photograph Westend61 GmbH, Alamy Stock Photo
Por Maya Wei-Haas
Publicado 27 de jul. de 2021, 07:00 BRT

No auge do calor de verão da Califórnia em 2018, Rose Turnbull confinou-se em um porão frio e sem janelas para examinar grãos de areia fina. Turnbull, geóloga radicada na Nova Zelândia, estava no laboratório de um colega da Universidade Estadual da Califórnia, em Northridge, tentando encontrar minúsculos cristais de zircônio, que esperava que ajudassem a desvendar os segredos da Zelândia, o misterioso oitavo continente, também conhecido por seu nome em maori Te Riu-a-Māui.

A tarefa requer experiência e um pouco de trabalho manual — ou melhor, trabalho nasal. Turnbull faz uma demonstração pela plataforma Zoom, passando a pinça fechada pelo lado de fora do nariz para aderir um pouco de óleo, o que evita que os grãos se espalhem pela sala quando puxados.

Os cristais são provenientes de rochas coletadas em ilhas da Nova Zelândia, que estão entre as poucas extensões dos cerca de cinco milhões de quilômetros quadrados da Zelândia que se projetam acima do mar. Reconhecida recentemente por cientistas, a Zelândia é o continente mais submerso, mais delgado e mais jovem já encontrado. Turnbull, que trabalha no GNS Science, grupo de pesquisa e consultoria na Nova Zelândia, e seus colegas procuravam saber mais sobre os processos que originaram essa massa de terra incomum.

O que descobriram os surpreendeu: oculto sob o lado oriental da Ilha Stewart e da Ilha Sul da Nova Zelândia, permanece um pedaço de um supercontinente de um bilhão de anos. A descoberta sugere que a Zelândia pode não ser tão recente quanto se acreditava, o que pode reforçar a teoria de que representa um continente.

“Continentes são como icebergs”, afirma Keith Klepeis, autor do estudo, geólogo estrutural da Universidade de Vermont. “O que é visto na superfície não é a extensão total de um continente todo.”

A descoberta, descrita no periódico Geology, pode ajudar a desvendar um enigma que há muito deixa os cientistas perplexos. A maioria dos continentes contém um núcleo de rocha denominado cráton, uma espécie de núcleo geológico de no mínimo um bilhão de anos que atua como uma base estável sobre a qual são formados os continentes. Até hoje, entretanto, a crosta continental mais antiga encontrada na Zelândia havia sido datada de cerca de 500 milhões de anos atrás — relativamente jovem em termos geológicos. Afinal, se a Zelândia é de fato um continente, por que parecia não ter um cráton?

O fragmento recém-descoberto de rocha antiga pode ser uma das evidências que faltavam para a Zelândia. A descoberta “era o último requisito para essa definição”, conta Turnbull. “Estamos sobre um continente.”

O estudo também aborda o panorama mais amplo da origem da Zelândia (e de qualquer crosta continental), afirma Joshua Schwartz, autor do estudo, geólogo especializado em granitos da Universidade Estadual da Califórnia, em Northridge.

“A camada superior da Terra denominada crosta é uma camada fina onde está presente a vida”, explica ele. A crosta continental é onde vivemos, cultivamos a terra, extraímos água e minerais e muito mais. “Basicamente, toda a vida é formada sobre a crosta.”

Em busca do continente perdido

Cientistas estão em busca da Zelândia há décadas, mas defini-la como um continente se revelou uma tarefa árdua. “O problema da geologia é que não existe uma definição simples e exata de continente”, observa Schwartz.

Um dos principais elementos é a composição das rochas: o fundo do mar em torno da Nova Zelândia não é formado por rochas ricas em ferro e magnésio que compõem a maior parte da crosta oceânica. Pelo contrário, as rochas são ricas em sílica, assim como o granito, mais comumente encontrada na crosta continental. As rochas se estendem por uma área enorme que também é significativamente mais espessa e elevada em comparação com a crosta oceânica mais comum que as circunda.

Uma equipe de cientistas liderada por Nick Mortimer, do GNS Science da Nova Zelândia, explicou essas e outras questões ao argumentar de forma convincente que a Zelândia deveria ser considerada um continente em 2017. No entanto Mortimer e sua equipe destacaram uma excentricidade: a ausência de qualquer cráton evidente.

“É incomum”, comenta Klepeis. A crosta continental é mais flutuante do que a crosta oceânica, por isso, geralmente resiste aos processos que reciclam as rochas superficiais de volta ao manto terrestre. O núcleo cratônico estável dessas rochas forma uma base a partir da qual os continentes podem expandir ao longo do tempo, à medida que o avanço lento das placas tectônicas faz com que arcos insulares e outras massas de terra se acumulem ao longo de suas bordas.

Por exemplo, explica Schwartz, de férias com a família no estado do Novo México, Estados Unidos: “estou logo ao sul do cráton de Wyoming”. Esta zona de rochas, algumas das quais datadas de mais de 3 bilhões de anos, é um dos vários crátons que compõem o interior estável da América do Norte. As rochas de Santa Fé sob os pés de Schwartz, entretanto, juntaram-se ao continente mais recentemente, quando uma série de ilhas colidiram com a antiga costa.

Até hoje, parecia que a crosta mais antiga da Zelândia havia se formado há cerca de 500 milhões de anos, quando o continente constituía a borda do supercontinente Gondwana. A Zelândia possui indícios de rochas mais antigas, incluindo fragmentos do manto tão antigos quanto 2,7 bilhões de anos, mas uma crosta ainda mais antiga não foi encontrada.

O novo estudo se concentra em 169 amostras da Ilha Stewart e da Ilha Sul da Nova Zelândia, algumas coletadas por Turnbull e sua equipe durante diversas expedições à região, outras provenientes do catálogo de rochas do país, de modo que os pontos de coleta estão totalmente distribuídos entre as duas ilhas ao sul.

De volta ao laboratório, as rochas foram trituradas e os grãos, separados por densidade e magnetismo até que permanecesse apenas areia fina composta principalmente por cristais de zircônio. Em seguida, Turnbull selecionou milhares de cristais de zircônio, transferindo-os para lâminas de microscópio, posteriormente recobertas por epóxi e polidas antes que a análise química pudesse finalmente começar.

“É um processo completo”, conta Turnbull.

História nos cristais

Com os novos dados, surgiu uma história inusitada. Os pesquisadores empregaram um método no qual desenvolveram modelos para determinar a idade não apenas do zircônio, mas também da rocha originária que derreteu para formá-lo. As idades registradas revelaram que uma faixa de zircônio ao longo da borda leste das duas ilhas ao sul se originou de rochas abaixo da superfície datadas de 1,3 bilhão de anos atrás.

Naquela época, todas as massas de terra do mundo se dirigiam a uma colisão lenta que acabaria por formar o supercontinente denominado Rodínia. Esse esmagamento global e sua divisão posterior provavelmente causaram o aparecimento de bolsões de magma que se tornariam a placa de rocha antiga atualmente oculta nas profundezas da Nova Zelândia, sugere a equipe — o fragmento cratônico sobre o qual a Zelândia posteriormente se formou.

O zircônio também parece conservar marcas da separação entre a Zelândia e seu supercontinente de origem.

Isso ocorre porque os cristais apresentam pequenas quantidades de um isótopo de oxigênio denominado O-18. Essa característica química é rara em zircônios incrustados em granito, como verificou a equipe. Para que essas rochas se formem, “uma infinidade de circunstâncias diferentes precisa ocorrer”, afirma Juliana Troch, geoquímica especializada na geração de magmas do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsoniano, em Washington, D.C.

Um ingrediente importante é o calor, que facilita a gravação das marcas características de O-18 a partir da água infiltrada na rocha circundante. Segundo a equipe, uma coluna de manto ardente sob Rodínia pode ter enfraquecido trechos de sua crosta, provocando uma ruptura há cerca de 750 milhões de anos e deixando marcas de O-18 na rocha originária do zircônio.

Os cristais propriamente ditos — e as rochas que os envolvem — formaram-se apenas entre 500 e 100 milhões de anos atrás, quando explosões de vulcanismo derreteram parcialmente esses blocos da crosta oculta de Rodínia. As bolhas de magma subiram lentamente, cristalizando-se em granitos cravejados de zircônio. Deslocamentos tectônicos acabaram trazendo essas minúsculas cápsulas do tempo à superfície, onde Turnbull e sua equipe as coletaram por acaso.

“É algo clássico na ciência”, conta Turnbull. “O que é descoberto não é necessariamente o que tentávamos descobrir.”

Continente na infância

Curiosamente, embora a descoberta insinue que a crosta da Zelândia seja muito mais antiga do que se acreditava, ainda é consideravelmente mais jovem do que os demais continentes. Todos os grandes continentes atuais — ÁfricaEuropaÁsiaAustráliaAmérica do NorteAmérica do SulAntártida — possuem rochas com mais de 3 bilhões de anos. Atualmente, não existe limite específico de idade que defina continentes e crátons, mas seus históricos geralmente longos são prova da estabilidade esperada dessas formas geográficas, explica Schwartz.

Talvez a Zelândia seja apenas um jovem continente. “É um processo de criação de um continente em torno do fragmento central de Rodínia”, afirma ele. Turnbull concorda, acrescentando: “é como o nascimento de um cráton”.

Mais estudos são necessários, entretanto, para entender as origens da Zelândia. As conclusões do estudo resultam de vestígios do que está abaixo da superfície e não dos fragmentos acessíveis de Rodínia, por isso, ainda há alguma incerteza sobre os processos exatos que produziram as composições químicas curiosas encontradas pela equipe, afirma Alex McCoy-West, geoquímico da Universidade James Cook, na Austrália.

“Seria incrível se de fato fosse encontrada uma prova concreta”, prossegue ele.

Ainda assim, o estudo parece ser promissor para compreender melhor o movimento dos continentes da Terra à medida que avançam pelo planeta, juntando-se periodicamente em supercontinentes e depois voltando a se separar.

“Esse estudo destaca que ainda é possível desvendar trechos da história antiga a partir de rochas muito mais jovens”, observa Jack Mulder, geólogo da Universidade de Queensland, que não integrou a equipe do estudo.

E ainda há muito a ser encontrado dentro dos limites da Zelândia, acrescenta Turnbull. “Isso só estimula mais expedições para explorar.”

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