Pessoas vacinadas podem transmitir variante Delta mesmo sem sintomas, sugere estudo
Pesquisa revela que a nova variante, altamente disseminada, pode se desenvolver em pessoas vacinadas com a mesma capacidade que se desenvolve em pessoas que não foram imunizadas.
Profissional de saúde administra uma dose da vacina da Pfizer-BioNTech contra a covid-19 em um posto de vacinação na cidade de Lake Worth, na Flórida, no dia 13 de agosto de 2021.
Um estudo preliminar indicou que, no caso de uma infecção disruptiva, a variante Delta é capaz de se proliferar nas vias nasais de pessoas vacinadas na mesma proporção que se proliferaria se não estivessem vacinadas. O risco de transmissão também é igual ao de pessoas não vacinadas, o que significa que pessoas vacinadas podem transmitir o vírus e infectar outras.
Estudos anteriores realizados em hospitais na Índia, em Provincetown, uma pequena cidade do estado de Massachusetts, e na Finlândia também comprovam que, ao serem acometidos por infecções disruptivas da variante Delta, pacientes, vacinados ou não, podem apresentar níveis elevados do vírus circulando na cavidade nasal. O próximo passo foi observar a transmissibilidade do vírus por pessoas vacinadas. Muitos especialistas já acreditavam que havia essa possibilidade, mas, até a realização desse estudo, nenhum teste havia sido realizado em laboratório.
“Até onde sei, somos os primeiros a demonstrar proliferação do vírus retirado de amostras de pessoas infectadas que já haviam completado o ciclo de vacinação”, disse Kasen Riemersma, virologista da Universidade de Wisconsin e um dos autores do estudo.
“Em relação às outras variantes, a variante Delta está se manifestando com mais frequência em pessoas já vacinadas” porque é extremamente infecciosa e consegue burlar a resposta imunológica, afirma Ravindra Gupta, microbiologista da Universidade de Cambridge. O laboratório de Gupta foi um dos primeiros a registrar infecções pela variante Delta, com níveis elevados do vírus nas vias nasais, em profissionais da área da saúde já vacinados.
Se a descoberta do estudo de Wisconsin for confirmada, pessoas com infecções disruptivas — muitas das quais não apresentam sintomas de covid-19 — podem espalhar o vírus sem saber. “É uma descoberta alarmante”, explica Katarina Grande, supervisora de saúde pública e chefe da equipe de dados da covid-19 do condado de Madison & Dane, que liderou o estudo.
O que preocupa Eric Topol, fundador e diretor do Instituto de Pesquisa Translacional Scripps, é a possibilidade de indivíduos infectados com a variante Delta, e que já tenham completado o ciclo de vacinação contra a covid-19, transmitirem o vírus. Isso pode ocorrer a uma taxa mais alta nos dias que precedem os sintomas, ou mesmo na ausência de sintomas comparado aos casos que envolveram cepas anteriores. “É por isso que as máscaras e medidas preventivas são importantes, mesmo para as pessoas vacinadas”, afirma Topol.
Estudos como esses ressaltam que a transmissão da variante Delta pode ser muito maior do que o estimado, como salienta Ethan Berke, diretor de saúde pública do UnitedHealth Group. A pesquisa de Berke mostrou que testes frequentes com resultados rápidos, mesmo que preliminares, podem ser muito eficazes na redução da pandemia de covid-19. Berke não participou do estudo realizado em Wisconsin.
“Mesmo que o estudo tenha sido baseado em uma região específica, apresenta informações importantes sobre como as pessoas podem transmitir o vírus, estejam elas vacinadas ou não. Esse tipo de informação, especialmente quando testado e aprimorado, é bastante útil conforme as organizações desenvolvem políticas sobre a realização de testes, distanciamento social e vacinas”, afirma Berke.
Como saber se o vírus na amostra é infeccioso?
Para detectar a presença do vírus SARS-CoV-2, os cientistas adotaram uma medida chamada de limite de ciclo (CT, na sigla em inglês), que utiliza corantes para revelar a quantidade de RNA viral presente no nariz.
“O vírus SARS-CoV-2 infecta o nariz e as vias respiratórias superiores. É muito difícil obter altas taxas de anticorpos nessa área do corpo por longos períodos. O sistema imunológico não foi preparado para atingir altos níveis de anticorpos nesses locais”, diz Gupta.
Os valores de CT estão relacionados à carga viral, que é o número de partículas virais presentes no organismo. Quando a quantidade de vírus ultrapassa um certo limite, os pesquisadores acreditam que uma pessoa infectada transmita o SARS-CoV-2 e potencialmente infecte outras pessoas. O estudo realizado em Wisconsin analisou amostras da secreção nasal de 719 pessoas não vacinadas e vacinadas, todas com resultado positivo para covid-19, e constatou que 68% dos pacientes estudados tinham cargas virais muito altas. A alta carga viral é um sinal de que o vírus está se replicando, explica Gupta.
Para descobrir se as amostras continham a forma infecciosa do vírus, os pesquisadores de Wisconsin cultivaram o vírus de 55 amostras de pacientes (de pessoas vacinadas e não vacinadas com resultado positivo) em células especiais suscetíveis à infecção por SARS-CoV-2. A equipe de Katarina Grande detectou o vírus ativo em quase todos os pacientes: 88% dos indivíduos não vacinados e 95% dos vacinados.
“Colocamos as amostras nas células e as células morreram quando foram infectadas. Isso demonstra claramente a presença do vírus e que ele é infeccioso”, explica Riemersma.
Se as pessoas continuam produzindo muito vírus infeccioso após serem vacinadas, também podem transmiti-lo da mesma forma que pessoas que não foram imunizadas.
Uso de máscaras e vacinação são necessários para prevenir transmissão do vírus
“Temos uma verdadeira tempestade de coisas acontecendo: variantes superinfecciosas, população vulnerável, debates sobre o uso de máscaras”, diz Grande.
Mais de 93,8% dos Estados Unidos estão em risco elevado ou muito elevado de transmissão comunitária do SARS-CoV-2, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças do país (CDC, na sigla em inglês). O CDC determina que uma área é de alto risco quando o número de novos casos em um condado ultrapassa 100 a cada 100 mil habitantes ou quando mais de 10% dos testes de covid-19 foram positivos nos sete dias anteriores. Nessas áreas, o CDC recomenda o uso de máscara em ambientes públicos fechados para potencializar a proteção contra a variante Delta e evitar que ela seja transmitida a outras pessoas.
Embora as vacinas autorizadas previnam mortes e quadros graves de covid-19, elas oferecem proteção bem menor aos idosos, pessoas com sistema imunológico debilitado e pessoas com outras condições de saúde específicas.
“Precisamos de mais informações sobre a variante Delta para entender melhor como ela funciona e como pode ser transmitida. Em última análise, isso nos daria informações sobre como podemos nos proteger em casa, no trabalho e em nossas comunidades”, diz Berke. “Enquanto isso, medidas básicas de higiene, como o uso de máscaras, distanciamento social, testes regulares e vacinas, continuarão desempenhando um papel crucial na redução da transmissão e na prevenção de quadros graves e óbito.”