Pessoas que já tiveram covid-19 devem ser vacinadas, alertam cientistas

Vacinas aumentam as respostas imunes naturais e possuem um ótimo histórico de prevenção de doenças graves e fatais.

Por Jillian Kramer
Publicado 6 de ago. de 2021, 12:00 BRT
A enfermeira Darryl Hana aplica a vacina da Pfizer contra a covid-19 em Concepcion Witron, no ...

A enfermeira Darryl Hana aplica a vacina da Pfizer contra a covid-19 em Concepcion Witron, no Centro de Atividades e Bem-Estar Providence Wilmington, na Califórnia. Até mesmo uma única dose de uma vacina de RNAm, como a da Pfizer, pode aumentar a imunidade de pessoas que já contraíram essa doença fatal.

Foto de Mario Tama, Getty

Enquanto os Estados Unidos estão às voltas com o andamento conturbado da campanha de vacinação, um aumento alarmante de casos de coronavírus em todo o país trouxe à tona uma questão latente: pessoas que já tiveram covid-19 precisam ser vacinadas?

A imunidade natural é um instrumento poderoso contra certas doenças, como a varicela e o sarampo. Sobreviver a uma infecção natural de sarampo pode produzir níveis de imunidade comparáveis — ou, em alguns casos, superiores — àqueles obtidos por meio da vacina, afirma Ruth Karron, pediatra e professora da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, em Baltimore.

Mas, primeiramente, o paciente precisa sobreviver.

Ainda não está totalmente claro se a imunidade obtida após contrair a covid-19 é tão poderosa quanto a proteção de uma vacina. Evidências mostram que as vacinas disponíveis criam defesas cruciais contra formas graves da doença e evitam a morte — mesmo nas variantes mais contagiosas, como a Delta. E pesquisas indicam que uma única dose de uma vacina de RNAm, como as produzidas pela Moderna ou Pfizer-BioNTech, aumenta a imunidade de pessoas que já tiveram a doença.

“Eu recomendo a todos que não foram vacinados que o façam o quanto antes”, declara Allison Greaney, pesquisadora do Centro de Pesquisas do Câncer Fred Hutchinson, em Seattle, acrescentando que as vacinas “oferecem ótima proteção contra um vírus extremamente perigoso”.

Anticorpos mais robustos

Greaney, que é estudante de pós-graduação, liderou uma equipe de pesquisa no Fred Hutchinson, cujo estudo recente publicado sugeriu que as vacinas apresentam vantagens superiores em relação à imunidade natural das pessoas. A equipe analisou anticorpos de pessoas que se recuperaram da covid-19 e de pessoas que receberam duas doses da vacina de RNAm da Moderna durante os estudos de fase um da empresa.

Os pesquisadores descobriram que ambos os grupos produziram anticorpos que tinham como alvo o domínio de ligação ao receptor, ou RBD, na sigla em inglês. Como o próprio nome sugere, esse componente do vírus Sars-Cov-2 o ajuda a aderir às células humanas e conseguir acessá-las, causando a infecção. Se os anticorpos conseguirem aderir ao RBD, é possível neutralizar o vírus.

A pesquisa revelou que a maior parte dos anticorpos de pacientes recuperados da covid-19 aderiram a uma parte do RBD que inclui uma área chamada E484 — uma porção do vírus que sofreu mutação e gerou algumas variantes. Por outro lado, anticorpos de pessoas vacinadas aderem de forma mais ampla ao longo de todo o domínio, permitindo-lhes atingir áreas que ainda estão presentes em algumas variantes, incluindo a Beta, Gama e Delta.

O Sars-Cov-2 tem muito trabalho para mascarar seu RBD, utilizando truques moleculares para que os anticorpos não o localizem, por ser a parte mais vulnerável do vírus, explica Amy Hartman, professora associada de doenças infecciosas e microbiologia da Universidade de Pittsburgh. Contudo as vacinas de RNAm são elaboradas para enviar anticorpos potentes diretamente para o RBD. E novas descobertas sugerem que a imunidade obtida através das vacinas de RNAm “em muitos casos parece ser mais potente do que a imunidade natural”, afirma Greaney.

Pesquisadores já sabiam que as vacinas contra a covid-19 “eram confiáveis quanto à indução da produção de anticorpos”, em níveis tão altos ou até maiores do que aqueles de pessoas que se recuperaram de casos graves de coronavírus, diz Karron, que não participou do estudo. O trabalho da equipe do Fred Hutchinson mostra que a vacinação “fornece anticorpos melhores, e em maior número”, ela acrescenta. “É uma questão de quantidade e qualidade.”

Então, qual é a razão do debate?

Outra pesquisa, no entanto, defende que a imunidade natural à covid-19 pode ser potente. Uma equipe de pesquisadores avaliou 254 pessoas durante oito meses após se recuperarem da covid-19, e descobriu que elas apresentavam “respostas imunes amplas e duradouras”. De acordo com o estudo, publicado no mês de julho, o mesmo foi observado em pacientes que apresentaram apenas sintomas leves da doença.

Cientistas sabem que outras doenças podem conferir uma imunidade natural duradoura. Uma pessoa provavelmente terá imunidade contra a catapora, doença que provoca coceira e pode ser fatal, durante a vida inteira, mesmo após uma única infecção. Para obter a mesma imunidade duradoura através de uma vacina, essa mesma pessoa precisaria de duas doses, administradas em intervalos de anos.

Porém, antes que as vacinas contra a catapora fossem desenvolvidas, cerca de 10 mil crianças e adultos norte-americanos eram hospitalizados a cada ano , com sintomas que incluíam infecções pulmonares e sanguíneas.

Em relação ao Sars-Cov-2, “não posso argumentar que a vacinação seja melhor que a imunidade natural ou vice-versa, com base no que realmente conheço sobre esse vírus específico”, afirma Charlotte Cunningham-Rundles, professora David S. Gottesman de Imunologia na Escola de Medicina Mount Sinai.

Mas ela logo complementa: “Acho que não foram coletados dados suficientes para afirmar que pessoas que contraíram o vírus não precisam da vacina.”

Karron também observa que um dos “grandes mistérios” em relação ao Sars-Cov-2 é por que algumas pessoas apresentam sintomas leves ou são assintomáticas, enquanto outras sofrem infecções graves. Da mesma maneira, cientistas ainda estão trabalhando para entender quando e por que certas pessoas desenvolverão respostas imunes mais fortes do que outras.

Hartman usa como exemplo estudos que mostraram que alguns pacientes recuperados conseguem desenvolver defesas eficazes contra a covid-19, ao passo que  os níveis de anticorpos caíram rapidamente em outros pacientes infectados. Cientistas ainda estão coletando dados para tentar responder a essa e outras perguntas importantes, como o tempo de duração da imunidade obtida através de vacinas ou de infecções naturais.

Com a vacinação, a maioria das pessoas possui uma garantia quase certa de adquirir uma resposta imune forte — inclusive as que já contraíram a covid-19. Vários estudos mostraram que mesmo uma única dose de uma vacina de RNAm aumenta os níveis de anticorpos em pacientes recuperados, proporcionando-lhes o mesmo pico de imunidade que duas doses proporcionam a pessoas que não tiveram a doença.

Atualmente, mais de 97% das pessoas hospitalizadas em decorrência da covid-19 nos Estados Unidos não foram vacinadas. E embora uma pequena porcentagem de pessoas vacinadas tenha sido infectada com o vírus, esses casos são extremamente leves. Na última segunda-feira, a senadora norte-americana Lindsey Graham, que foi vacinada em dezembro, anunciou que tinha testado positivo para covid-19 depois de apresentar sintomas leves. “Estou muito feliz por ter recebido a vacina”, declarou em um comunicado a republicana da Carolina do Sul, “porque sem ela, tenho certeza de que não estaria me sentindo tão bem. Meus sintomas teriam sido muito piores.”

Relatórios dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) apontam que, das mortes causadas pela covid-19 entre 14 de dezembro de 2020 e 19 de julho de 2021, apenas 0,0018% eram pessoas vacinadas. Isso é uma comprovação da eficácia das vacinas, segundo especialistas.

“Somos um pouco modestos em relação a muitos patógenos”, diz Karron. Para algumas doenças, como HIV ou malária, “evita-se a infecção a qualquer custo”, ela continua. “Mas para diversos patógenos — especialmente patógenos respiratórios, como a covid-19 — nossos objetivos são um pouco mais modestos. Queremos evitar mortes e formas graves da doença.”

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