No Vietnã, os ratos são um alimento popular — saiba por quê
Os roedores são uma comum e lucrativa fonte de proteína na Ásia tropical.
Rato ou morcego?
O chef balança as carcaças cruas e ensanguentadas diante do meu rosto, como se fossem algo tentador. Normalmente, eu diria não aos dois, mas, a julgar pela festa de Ano Novo nessa cidade às margens do Rio Mekong, um pouco de aventura culinária parecia apropriado.
Minha decisão demorou no máximo dois segundos — o rato. Eu sabia, pela nossa criação em ambiente rural, que aquele animal não era nenhuma praga de metrô e, por isso, o rato de alguma forma me parecia mais palatável. Não posso falar do morcego, mas, depois de cortado e frito e colocado numa cesta com palitos de mussarela, o nosso roedor comemorativo estava até bem saboroso.
Muita gente da Ásia tropical concordaria. Os ratos são uma popular fonte de proteína nessa parte do mundo, particularmente entre as comunidades rurais vietnamitas tanto ao norte quanto ao sul — embora também seja possível encontrar esses roedores no cardápio em algumas áreas urbanas, inclusive na cidade de Ho Chi Minh.
Na realidade, no Delta do Mekong, a carne de roedor chega a preços mais altos que o frango, diz Grant Singleton, cientista que estuda gestão ecológica de roedores no Instituto Internacional de Pesquisa do Arroz, nas Filipinas. Só o Delta do Mekong produz até 3,6 mil toneladas de ratos vivos ao ano, no valor aproximado de US$2 milhões.
Se isso te surpreende, talvez você esteja pensando no rato-marrom urbano ou no rato-preto em cima de um prato. Existem, na verdade, dezenas de espécies de ratos, das quais os vietnamitas comem principalmente duas: o rato-de-arrozal, que pesa até 220 gramas, e o rato-gigante, que pode crescer a até 900 gramas.
A notoriedade dos ratos urbanos atribuiu um estigma desnecessário ao consumo de roedores em geral, observa Robert Corrigan, biólogo de roedores urbanos da RMC Pest Management Consulting em Westchester, Nova York.
Ao menos 89 espécies de roedores são consumidas no mundo, da Ásia à África, América do Sul e Estados Unidos, onde os esquilos já são um produto comum há muito tempo.
“Foge ao conhecimento do leigo que o tecido muscular de praticamente todos os mamíferos contém essencialmente as mesmas proteínas, seja o bife de vaca ou as pernas do rato", afirma Corrigan.
Tem gosto de... coelho?
Para a nossa matéria sobre ratos na National Geographic, o fotógrafo Ian Teh acompanhou um caçador de ratos veterano, o "Sr. Thy", em busca de animais nas plantações de Quang Ninh, uma província na região nordeste do Vietnã.
A captura de ratos é uma fonte vital de renda extra para os fazendeiros vietnamitas, que prendem os ratos vivos em gaiolas de arame ou bambu e os exportam para pequenos centros de processamento, onde a carne é, em seguida, vendida aos mercados locais.
Thy realiza uma atividade sazonal de caça aos roedores, que ele vende ou leva para casa, para o jantar da família. Nas áreas rurais do Vietnã, o rato costuma ser consumido com cerveja ou whisky de arroz, afirma Singleton.
As técnicas de preparo do rato variam, conforme descobriu Teh. Ele já viu matarem ratos em água fervente, enquanto Singleton só viu os ratos serem abatidos por meio de um golpe forte na cabeça.
Em seguida, as carcaças são defumadas e depois fritas ou grelhadas; ou cozidas no vapor ou fervidas. Dizem que os ratos cozidos no vapor têm um gosto mais forte, sendo um consenso que os ratos maiores são melhores de comer.
“Os estrangeiros que experimentam a carne de roedores dizem que ela se parece com a carne de frango, mas é uma carne escura com um gosto mais forte que a do frango. Comparo o gosto com a do coelho”, diz Singleton.
Em suas viagens, Teh ouviu que os ratos são nutritivos, principalmente para grávidas; Singleton confirma que a carne tem alto valor proteico e baixo nível de gordura.
Preparo cuidadoso
Embora a maioria dos ratos selvagens do Vietnã seja saudável e com poucos parasitas, existem algumas preocupações sanitárias no tratamento dos animais antes de enviá-los à cozinha.
Esses mamíferos são portadores de mais de 60 doenças que podem afetar os humanos. Nos locais onde os ratos são pragas de plantação, principalmente nos arrozais vietnamitas, os fazendeiros colocam veneno de rato, anticoagulantes de ação lenta que demoram até cinco dias para matar as vítimas.
O medo de ingerir veneno de rato é o motivo de muitos vietnamitas preferirem comprar ratos vivos em mercados locais, podendo assim identificar por si mesmos se o animal parece saudável. Na maioria dos casos, cozinhar bem a carne é a melhor forma de evitar infecções transmitidas pelos ratos, afirma Singleton.
Há sempre, claro, a opção de escolher o morcego.