Origem de misteriosa radiação no espaço é finalmente descoberta
Há muito tempo pesquisado, este achado pode dar início a uma nova forma de estudar o cosmos.
Um flash de luz detectado cerca de 1,5km do Polo Sul possivelmente soluciona um mistério cósmico de mais de cem anos – e tem o potencial de abrir um novo campo na astronomia envolvendo partículas subatômicas fantasmas chamadas de neutrinos.
No início do século 20, o físico Victor Hess descobriu que a Terra é constantemente bombardeada por partículas de energia vindas do espaço, o que chamamos hoje de raios cósmicos. Desde então, cientistas procuram pelos aceleradores astrofísicos responsáveis por lançar as mais energéticas dessas partículas no cosmos.
Entretanto, a maioria dos raios cósmicos tem carga elétrica, e seus caminhos são flexionados pelos campos magnéticos espalhados pelo espaço, tornando-os difíceis de serem rastreados. É por isso que agora a procura se voltou para os neutrinos, partículas sem carga e praticamente sem massa que podem ser rastreadas até sua fonte.
Liderando as buscas está o IceCube Neutrino Observatory, na Antártida, que junto com outros, já rastreou um punhado de neutrinos até uma galáxia muito, muito distante. A descoberta abre uma nova era na astronomia, onde outras partículas que não os fótons podem ser usadas para estudar o cosmos.
“É empolgante, sem dúvidas, finalmente ter descoberto o acelerador cósmico,” diz Francis Halzen, da Universidade de Wisconsin-Madison, cientista líder no IceCube. Os resultados foram revelados nesta semana em três artigos na Science e Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
Você consegue saltar?
Anteriormente, os cientistas haviam descoberto neutrinos vindos do Sol e de restos de supernovas próximas, mas nenhuma dessas fontes é forte o suficiente para lançar partículas tão energéticas na direção da Terra.
Neutrinos não interagem de forma significativa com outros tipos de matéria, o que dificulta detectá-los. Trilhões de neutrinos solares estão atravessando você nesse momento. IceCube, que ocupa um quilômetro cúbico de gelo abaixo da estação Amundsen-Scott South Pole, utiliza 5.160 sensores de luz projetados para detectar pequenos flashes de luz produzidos quando neutrinos cruzando a Terra interagem com os núcleos atômicos no gelo.
Desde 2013, vários neutrinos extremamente energéticos (alguns foram nomeados em homenagem a personagens da Vila Sésamo) atravessaram o gelo polar e foram registrados pelos sensores no IceCube. Porém, foram muito difíceis de serem ligados a um único objeto celeste, dando aos cientistas algumas dicas de onde suas fontes estão.
Foi um bom dia
Até que, em 22 de setembro de 2017, um único neutrino viajando a praticamente a velocidade da luz atravessou a Terra e passou pelos detectores do IceCube. Tinha aproximadamente 290 TeV de energia – quase 50 vezes mais potente que os feixes de prótons no Grande Colisor de Hádrons. O impacto provocou um alerta notificando os astrônomos caçadores de neutrinos que a perseguição estava começando.
Quando os cientistas rastrearam o caminho do neutrino, chegaram a um ponto no espaço próximo a constelação de Orion, local onde simultaneamente vários telescópios registraram um grande clarão.
Escondido naquele pedaço do céu, um objeto grande e distante chamado blazar despertou e começou a emitir partículas pelo espaço. Isso incluiu uma grande quantidade de raios gama, que foram detectados pelo telescópio Fermi Gamma-Ray.
Os raios gama vieram de uma galáxia gigante chamada TXS 0506+056, onde há um buraco negro colossal. Enquanto engole tudo ao seu redor, o buraco negro produz partículas extremamente energéticas que por acaso estão exatamente na direção da Terra.
“Blazars são umas das fontes mais poderosas de energia no universo,” diz Maria Petropoulou, da Universidade de Princeton. TXS 0506+056 está entre os blazars mais brilhantes no céu de raios gama, o que é notável pois está a cerca de quatro bilhões de anos-luz, e é o principal candidato para produzir raios cósmicos tão fortes.
“Faz sentido – não pode ser um blazar tímido,” diz Paolo Padovani, do European Southern Observatory. “Se você vai ver neutrinos, tem que ser de uma fera muito, muito potente, caso contrário não os veria”.
Nos dias e semanas após as detecções do IceCube e de Fermi, várias equipes correram para estudar o blazar. Mais de uma dúzia de colaborações o analisaram de praticamente todas as formas possíveis, incluindo rádio, ótico, raios x e raios gama, e parecia que de fato, um clarão de raios gama surgiu de TXS 0506+056 e produziu o neutrino de setembro.
“Se Fermi não o tivesse detectado em ação, teria sido apenas mais um neutrino para nós, e para eles, apenas mais um clarão do blazar,” disse Halzen.
Mas o trabalho ainda não tinha acabado.
Dá uma olhada
Alguns cientistas olharam algumas das observações que Fermi fez de TXS 0506+056 e descobriu que o mesmo objeto produziu clarões durante um período de cinco meses no final de 2014. Quando a equipe do IceCube analisou dados de neutrinos de praticamente dez anos, encontraram que mais de uma dúzia de neutrinos colidiu com o gelo polar durante esses meses.
“É algo bem distante das nossas expectativas – 19 em um período de 150 dias, é de pirar,” diz Halzen.
Agora, duas linhas independentes de evidências sugerem que TXS 0506+056 é o responsável por atirar os neutrinos em direção a Terra, o que significa que os cientistas descobriram pelo menos uma fonte dessas partículas.
Últimas palavras
A descoberta “é muito impressionante e um passo na direção de encontrar a origem dos raios cósmicos, um dos maiores quebra-cabeças astrofísicos,” diz Kathryn Zurek, do Lawrence Berkeley National Laboratory.
Mas ela e outros afirmam que ainda há muito o que descobrir.
“Na minha opinião, os resultados sugerem uma associação, mas não são conclusivos ainda,” diz Petropoulou. “É possível, por exemplo, que outras fontes na mesma região possam ter contribuído para o neutrino detectado por IceCube. Apesar disso, esses resultados nos aproxima de descobrir as origens dos neutrinos”.
Os cientistas também concordam que não é provável que os blazars sejam a fonte de todos os raios cósmicos, de forma que a caçada de outras fontes dessas partículas continua.
“Existe uma variedade de fontes astrofísicas que poderiam contribuir para o fluxo de neutrinos do IceCube, diz Petropoulou, “como galáxias em formação, supernovas interagindo, explosões de raios gama de baixa luminosidade, galáxias de rádio nos centros de aglomerados, entre outros”.