Marte pode ter tido rios por mais tempo do que se imaginava

Novas análises das características do Planeta Vermelho embaralham o que se conhece sobre a água que teria jorrado em sua superfície.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 8 de abr. de 2019, 07:40 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O rover Mars 2020 da NASA está programado para pousar na cratera Jezero, uma depressão com ...
O rover Mars 2020 da NASA está programado para pousar na cratera Jezero, uma depressão com largura aproximada de 45 quilômetros que já abrigou um lago. Esta imagem composta, capturada usando dois instrumentos do Satélite de Reconhecimento de Marte da NASA, ilustra o antigo delta do rio de Jezero, onde os pesquisadores estão animados para procurar sinais de vida microbiana primitiva.
Foto de NASA, JPL, Jhuapl, Msss, Brown University

A superfície de Marte moderno é uma lembrança ressequida da água. O pouco que resta do líquido revigorante goteja de veios sazonais salgados, esvai-se em bolsões na forma de lagos subterrâneos ou permanece congelado em mantos de gelo.

Ainda assim, as rochas cor de ferrugem do planeta registram um fluxo passado de água; vales profundos esculpiram uma paisagem pontuada com fundos de lagos secos, leques aluviais e cascalhos roliços em rios. Embora os cientistas tenham acreditado por muito tempo que o período de calor e umidade do planeta tenha sido relativamente breve, estudo publicado na revista científica Science Advances insinua que esses rios podem ter existido por muito mais tempo do que se pensava.

Segundo a nova análise, esses antigos canais são mais largos que os atuais canais análogos da Terra. E tem mais: a água corria em meio a essas robustas formações por todo o planeta entre 3,4 e 2 bilhões de anos atrás. É bem recente na história hídrica de Marte, uma época em que muitos cientistas acreditavam que o planeta vermelho já estivesse secando.

“A história climática tradicional de Marte é que o planeta era quente e úmido e agora é frio e seco. Contudo, as evidências sugerem que a evolução climática de Marte seja mais complexa do que isso,” afirma por e-mail Kathryn Steakley, do Centro de Modelagem Climática de Marte da NASA, que não participou do estudo.

A menção de água em Marte inevitavelmente acaba empolgando, já que, onde existiu água, ainda poderia existir vida como a conhecemos. Entretanto não comece a sonhar com nomes para fósseis de marcianos ainda. Restam inúmeras perguntas sobre o que se passou durante esse longo período do passado de Marte e como seria possível o abastecimento dos rios nas condições dessa mudança.

“Agora ficou ainda mais difícil desvendar o que fez Marte antigo ser quente e úmido — o que já era um grande enigma”, afirma Edwin Kite, autor do estudo, cientista planetário da Universidade de Chicago.

Rios correndo, lagos débeis

Embora a atual atmosfera de Marte seja escassa demais para aprisionar algum calor do Sol, muitos cientistas concordam que uma versão mais espessa dela provavelmente já cobriu o planeta vermelho e possibilitou que fosse mais úmido. Mesmo nessa época, Marte não era um refúgio tropical. O Sol antigo era de 25 a 30% mais fraco do que hoje, o que significa que muito menos radiação solar aquecia o terreno rochoso de Marte.

“Parece que tudo sempre está prestes a permitir a existência de uma corrente de água na superfície,” afirma Alan Howard, do Instituto de Ciências Planetárias em Tucson, Arizona, que não participou do estudo.

Alguns fatores podem ajudar a decifrar a charada do líquido. Na Terra, nosso turbulento núcleo externo estimula um campo magnético protetor que impede que nossa atmosfera relativamente espessa seja extirpada pelo vento solar. É provável que o mesmo tenha ocorrido nos primórdios de Marte. E talvez a mistura de gases fosse diferente da existente na atmosfera atual de Marte. Por exemplo, alguns especialistas sugerem que vulcões em erupção já bombearam gases de efeito estufa aos céus marcianos.

Como quer que tenha terminado, esse período quente e úmido não durou. A atmosfera primitiva parece ter erodido e, com ela, esvaíram-se muitos dos rios e lagos marcianos. Kite e seus colegas pensaram inicialmente que, após esse período, uma vez que restaram rios praticamente só em altitudes menores, as águas que corriam também foram reduzidas a um gotejamento.

“Era uma hipótese”, afirma Kite. “E estávamos errados”.

Seguindo o fluxo

Com a ajuda da incrível resolução dos instrumentos na órbita de Marte, como o Experimento Científico de Imagens em Alta Resolução (HiRISE), os pesquisadores analisaram as dimensões de mais de 200 leitos de rios antigos. Com base nos tamanhos de canais, na dimensão da sinuosidade e nas idades relativas do terreno ao redor, a equipe encontrou o que parece ser um período tardio e curiosamente persistente de escoamento de líquido.

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    O que movia esse fluxo em uma época tão inusitada permanece incerto. Alguns pesquisadores, como Kite e sua equipe, estão investigando se nuvens de gelo de água poderiam se desenvolver em pressões atmosféricas baixas. Essas nuvens ainda existem acima de Marte hoje e, se fossem mais espessas, poderiam aprisionar calor suficiente para derreter neve e gelo. Ou talvez as datas de formação de rios estejam erradas, o que significaria que os canais se formaram em uma época mais remota em que uma atmosfera mais espessa aquecia regiões marcianas de gelo denso.

    Kite admite que, sem estimativas melhores da profundidade dos canais ou da dimensão dos sedimentos de canais, é difícil afirmar com precisão quanta água já passou por eles. A largura só revela parte das informações, concorda Howard, observando que essa medida pode inflar discretamente as estimativas, uma vez que o fluxo de qualquer rio pode não se estender por todo o canal.

    Ainda assim, em vista das informações disponíveis, “considero bem realistas a premissa básica e as conclusões a que chegaram (que há escoamentos relativamente robustos)”, conta Howard.

    Logo, os cientistas poderão obter ainda mais indícios: o rover Mars 2020 está marcado para pousar na cratera Jezero, que contém um desses deltas de rios tardios, observa Kite. Esse rover poderá tirar fotografias dos sedimentos, o que ajudaria os cientistas a determinarem quanta água passou pela cratera. No entanto a única solução definitiva, embora pouco realista, seria enviar uma nave a bilhões de anos atrás para verificar a superfície inconstante do planeta vermelho.

    Com uma risada, Howard afirma: “isso eliminaria toda polêmica e a necessidade de tentar desvendar o enigma a partir das poucas evidências que temos no momento. Mas a ciência seria bem menos interessante.”

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