Meteoro interestelar pode ter colidido com a Terra

Se confirmada, a bola de fogo que ziguezagueou em nossa atmosfera em 2014 terá sido nada menos que o segundo visitante conhecido de fora do sistema solar.

Por Nadia Drake
Publicado 25 de abr. de 2019, 23:17 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
O asteroide 'Oumuamua, de formato estranho, visto em ilustração, foi a primeira rocha espacial a ter ...
O asteroide 'Oumuamua, de formato estranho, visto em ilustração, foi a primeira rocha espacial a ter confirmada sua origem em outro sistema solar. Agora, os astrônomos suspeitam que uma bola de fogo que atravessou nossa atmosfera em 2014 seja o segundo visitante interestelar já registrado.
Foto de Esa, Hubble, NASA, Eso, M. Kornmesser

Às vezes, uma jornada de mil anos-luz termina em chamas. Alguns minutos após as 3h da manhã de 9 de janeiro de 2014, uma bola de fogo incendiava os céus nas proximidades da costa nordeste da Papua Nova Guiné; tratava-se de um meteoro que se desintegrava na atmosfera terrestre, como tantos outros meteoros.

Porém, de acordo com uma nova pesquisa, esse visitante matutino foi mais do que uma simples rocha espacial encerrando sua viagem com uma "entrada triunfal".Tratava-se de um invasor interestelar, um visitante lançado ao cosmo a partir das entranhas de outro sistema solar.

Se confirmado, o meteoro terá sido nada menos que o segundo objeto do tipo já visto pelos humanos. O primeiro, uma rocha espacial de formato bizarro que agora chamamos de ’Oumuamua, atravessou o nosso sistema solar em 2017 e, agora, se encaminha para voltar às estrelas. Por outro lado, o meteoro de 2014 encerrou sua jornada aqui, o que possivelmente o torna a primeira rocha conhecida de fora do sistema solar a atravessar a atmosfera da Terra.

“Fiquei bastante surpreso. Não esperava. Achava que não veríamos nada”, diz Avi Loeb, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, que descreve a descoberta num artigo enviado ao periódico Astrophysical Journal Letters. “Mas, em retrospecto, como em qualquer descoberta, você pensa: bom, claro. Como é que eu pude ser tão bobo de não ter previsto isso?"

Proveniência alienígena

Loeb e o estudante de Harvard Amir Siraj reconheceram o violento meteoro num  catálogo compilado pelo Centro de Estudos de Objetos Próximos à Terra. Mantido pelo Laboratório de Propulsão à Jato da NASA, o catálogo contém registros dos horários, datas, locais e velocidades dos meteoros entrantes.

101 | Chuva de Meteoros
Entenda como ocorre um dos fenômenos celestes mais apreciados, em que é possível observar as chamadas "estrelas cadentes".

No início deste ano, ao vasculhar os registros desse catálogo sobre bolas de fogo meteoríticas chamadas bólides, Siraj observou uma delas com velocidade anormalmente alta. Viajando a praticamente 60 km por segundo em relação aos movimentos do Sol e da Terra, ela se movia rápido demais para estar presa à gravidade da nossa estrela-mãe. Suspeitando terem reconhecido mais um objeto interestelar, Siraj e Loeb utilizaram as informações do catálogo para traçar a órbita do excêntrico meteoro.

“Conhecemos o movimento da Terra [e] fazemos as devidas correções em relação à gravidade da Terra, gravidade do sol, gravidade de todos os planetas", diz Loeb. Usando essas informações, os detetives cósmicos puderam, assim, traçar o caminho provável do meteoro.

No fim das contas, calcularam que esse meteoro do Pacífico Sul não teria contado com auxílio de velocidade por meio de manobra com a gravidade dos outros planetas do nosso sistema solar, um truque que a NASA sempre usa para enviar espaçonaves para além da Terra. Eles também descobriram que o meteoro vinha numa órbita hiperbólica livre, o que significa que ele definitivamente não teve origem dentro do nosso sistema solar. Na verdade, a equipe suspeita que ele veio das entranhas de outro sistema estelar, talvez de uma população envelhecida dentro da Via Láctea conhecida como estrelas do disco espesso.

“Penso ser razoável concluir que esse mesmo objeto de impacto de alta velocidade tenha se originado na população de objetos interestelares", afirma Kat Volk, da Universidade do Arizona, que estuda a forma como os objetos se misturam, atravessam e dão voltas em nosso sistema solar. “Acredito que os objetos interestelares são bastante comuns — tanto a partir das considerações teóricas quanto das implicações do 'Oumuamua — de modo que penso que a origem interestelar é a explicação mais simples para esse bólide".

Bola de praia bem pesada

Com diâmetro de talvez centenas de quilômetros e comportamento um tanto incomum, o asteroide interestelar inicial ‘Oumuamua deu início a um estudo de acompanhamento e até foi objeto de especulação, inclusive de Loeb, quanto a uma possível origem artificial. Mas não é o caso dessa rocha espacial recém identificada.

Com mais ou menos 1 metro de diâmetro e pesando na casa dos 500 kg, o meteoro não era mais que uma fração do tamanho do ‘Oumuamua. Isso significa que ele não era nem grande o suficiente para sobreviver à jornada pela atmosfera terrestre. Por ter se desintegrado por completo nos céus ao norte da Ilha Manus, agora é tarde demais para estudar esse objeto e tentar determinar sua composição.

Contudo, diz Loeb, esses objetos são provavelmente numerosos, existindo talvez 60 sextilhões de rochas de tamanho similar lançadas por uma única estrela. Se os astrônomos pudessem encontrar outro visitante com destino à Terra antes que ele atingisse a nossa atmosfera, poderiam obter conhecimentos científicos ainda mais valiosos ao assistir o ígneo fim desse corpo celeste.

“Se identificássemos algo assim em tempo real”, diz Loeb, “poderíamos coletar um espectro e compreender a composição” à medida em que ele pegasse fogo na atmosfera da Terra.

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