Universo parece estar se expandindo mais rápido do que o esperado

Novas evidências aprofundam o mistério em torno da constante de Hubble, um dos números mais importantes na cosmologia.

Por Michael Greshko
Publicado 2 de mai. de 2019, 23:17 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
A quase 200 mil anos-luz da Terra, a Grande Nuvem de Magalhães —  uma galáxia ...
A quase 200 mil anos-luz da Terra, a Grande Nuvem de Magalhães — uma galáxia satélite da Via Láctea — se move em torno da nossa galáxia. A gravidade da Via Láctea discretamente atrai suas nuvens de gás, elas colidem e formam novas estrelas, assim, a Grande Nuvem de Magalhães ganha cores caleidoscópicas.
Foto de NASA, ESA. Acknowledgement: Josh Lake

Novas evidências sugerem que o universo está se expandindo mais rápido hoje do que em sua fase inicial, uma diferença que deu início a uma busca pelas forças cósmicas possivelmente envolvidas. Se confirmado, o percentual de mudança, 9% mais rápido do que se havia previsto, nos obrigaria a reconsiderar um aspecto fundamental do cosmo.

O resultado, anunciado em um novo relatório publicado no periódico Astrophysical Journal, é o que há de mais recente na longa controvérsia em relação à constante de Hubble, uma importante medida do ritmo de expansão e da idade do universo.

Nos últimos anos, diversos estudos demonstraram que as medições da constante de Hubble a partir do fundo cósmico de micro-ondas, o discreto brilho remanescente dos primórdios do universo, não estão de acordo com estimativas de estrelas mais jovens e distantes, como as da nossa Via Láctea, mesmo depois de levar em consideração outras forças cósmicas misteriosas, como a energia escura, que acelera a expansão do universo.

“[O universo] está excedendo todas as nossas expectativas quanto à sua expansão e isso é muito intrigante,” conta o autor principal do estudo Adam Riess, astrônomo da Johns Hopkins University e um dos coganhadores do Prêmio Nobel de física de 2011 por sua contribuição na descoberta da energia escura.

Algumas pessoas alegaram que a discrepância é produto de dados incompletos ou de erros que passaram despercebidos e estão influenciando os resultados sistematicamente. No entanto, com base nas últimas medições de nossa vizinhança cósmica realizadas pelo Telescópio Espacial Hubble, Riess e seus colegas afirmam que a discrepância não é apenas real, como também está maior do que nunca.

No novo estudo, a equipe de Riess determina a constante de Hubble como 74,03 quilômetros por segundo por megaparsec, com uma margem de erro de 1,42 para mais ou para menos. Isso não coincide com as melhores estimativas do Planck, um telescópio da Agência Espacial Europeia que, até o momento, realizou as melhores medições do fundo cósmico de micro-ondas. Os dados do Planck estipulam a constante de Hubble em cerca de 67,4 quilômetros por segundo por megaparsec, com uma margem de erro de 0,5 para mais ou para menos. Em termos estatísticos, a diferença entre esses dois resultados é de aproximadamente 4,4 sigma ou uma chance de 1 em 100 mil de que a discrepância seja um mero acaso.

“Fazendo uma analogia, seria como observar uma criança de 2 anos de idade e sua altura para tentar descobrir quanto ela medirá quando crescer. Dessa forma, poderíamos de fato esperar ela crescer e, então, medir sua altura,” conta Riess. “Se ela exceder muito a estimativa [extrapolação], teremos um verdadeiro mistério em nossas mãos. Algo não está correto em nosso entendimento de como essa pessoa cresce”.

Matemática do universo

O cálculo da constante de Hubble e, consequentemente, da taxa de expansão do universo com base nos movimentos das estrelas requer dois tipos de dados: a distância de uma estrela e a velocidade com que ela se afasta de nós.

Para medir a velocidade relativa de uma estrela, os astrônomos procuram mudanças na luz emitida por ela. Para medir a distância, os astrônomos usam uma variedade de ferramentas, de geometria básica a observações cuidadosas das cefeidas, que são estrelas variáveis. Essas estrelas regularmente brilham em uma intensidade maior ou menor, e o ritmo desses pulsos está intimamente relacionado ao brilho estelar geral: quanto mais brilhante é a estrela, mais lentamente ela pulsa.

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    Em fevereiro de 1997, os astronautas a bordo da espaçonave Discovery tiraram essa foto do Telescópio Espacial Hubble (HST) depois de se separarem do telescópio em órbita.
    Foto de NASA

    Os astrônomos podem usar essa relação como uma régua. Ao medir a taxa de pulso de uma cefeida, é possível descobrir a luminosidade da estrela e, comparando o brilho absoluto com o que vemos, conseguimos inferir a que distância a estrela está de nós. As cefeidas também podem ser combinadas com observações de determinados tipos de explosões estelares para medir distâncias cada vez mais profundas no cosmo.

    Os astrônomos vêm trabalhando há anos para montar essa “graduação da distância cósmica,” e constantemente se dedicam a calibrá-la de forma ainda mais precisa. Para esse estudo, a equipe de Riess utilizou o Telescópio Espacial Hubble para observar 70 cefeidas na Grande Nuvem de Magalhães, uma das galáxias satélites que orbita a Via Láctea e que possui um formato irregular. Os novos dados permitem que os cientistas estimem, com mais precisão, a distância entre a Terra e objetos na Grande Nuvem de Magalhães que, por sua vez, permite que eles estimem a constante de Hubble de forma mais precisa.

    Acertando os registros

    Se o universo realmente está se expandindo mais rápido do que pensávamos, então algum tipo de física nova teria que ser responsável pela energia que está faltando. Seria a energia escura mais enigmática e mais potente do que pensávamos? Seria a matéria escura mais complexa do que imaginávamos? Haveria algum outro tipo de partícula invisível no cosmo, como um “neutrino estéril”, que interage com outros tipos de matéria apenas via gravidade?

    E se nossas contas cósmicas estiverem mesmo erradas, talvez devêssemos chamar um contador externo, e pode ser que apareça um em breve. Em 2017, os cientistas detectaram ondas gravitacionais, ondulações no espaço-tempo propriamente dito, e a luz resultante da colisão de duas estrelas de nêutrons. A medição histórica permitiu que os astrônomos obtivessem uma estimativa independente da constante de Hubble. Até agora, esse valor está exatamente entre os valores do Planck e os obtidos a partir da graduação da distância cósmica.

    Entretanto a eficácia da utilização de tais eventos como “sirenes padrão” para medir a expansão do universo depende do número de eventos envolvendo estrelas de nêutrons que os detectores de ondas gravitacionais, como o LIGO, conseguem captar. Até o momento, os astrônomos confirmaram apenas um, mas na manhã de 25 de abril, o LIGO pode ter detectado outro. Dito isso, localizar as origens das ondas no céu provou ser um trabalho complexo, o que está complicando as demais medidas realizadas com telescópios.

    Enquanto isso, Riess e astrônomos do mundo todo continuam se esforçando para deixar suas medições da constante de Hubble ainda mais precisas, na esperança de que até mesmo uma pequena discrepância possa revelar uma enorme pista sobre o funcionamento do universo.

    “Até mesmo 9% é importante quando se tem uma incerteza de 1 ou 2%,” afirma Riess. “Temos a sensação de que o universo ainda está nos ensinando”.

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