Lua de Júpiter é objeto mais vulcânico do sistema solar

Novo e minucioso relatório sobre Io mostra que o satélite explosivo é ainda mais peculiar do que se pensava.

Por Robin George Andrews
Publicado 25 de jul. de 2019, 20:45 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Uma pluma vulcânica irrompe na superfície de Io, a terceira maior lua de Júpiter e o ...
Uma pluma vulcânica irrompe na superfície de Io, a terceira maior lua de Júpiter e o corpo celeste mais ativo em termos geológicos do sistema solar, em um retrato feito pela sonda espacial Galileu.
Foto de NASA, JPL, Dlr

Há aproximadamente 40 anos, a sonda espacial Voyager 1 passou por uma das luas grandes de Júpiter e revelou algo surpreendente: a lua rochosa, chamada Io, é uma campeã vulcânica, apresentando os primeiros vulcões em erupção de que se tem registro fora da Terra. Algumas de suas centenas de crateras tempestuosas são muito mais extensas do que nossas maiores cidades. As poderosas erupções de Io podem produzir plumas de proporções épicas, por vezes alcançando altitudes de quase 500 quilômetros.

Agora, os cientistas que analisam imagens obtidas ao longo de cinco anos no alto de um vulcão do Havaí estão lançando o atlas mais detalhado já feito sobre essa lua incomum. O estudo, publicado recentemente no periódico The Astronomical Journal, nos lembra do quanto avançamos desde que a Voyager forneceu as primeiras imagens desfocadas de plumas no Io.

A pesquisa também confirma que Io é ainda mais peculiar e mais difícil de explicar do que se pensava. Os vulcões não parecem estar em locais lógicos, as erupções mais brilhantes parecem estar predominantemente confinadas a apenas um hemisfério e Loki Patera (uma depressão de quase 21 mil quilômetros quadrados preenchida com lava) teima em escapar de todas as regras.

Embora os novos dados estejam repletos desses e de outros mistérios, eles também são uma “dádiva à comunidade científica planetária”, afirma Ashley Davies, coautor do estudo, vulcanólogo do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA. Afinal de contas, as erupções em Io, profusas, porém primitivas em termos geoquímicos, são semelhantes às que existiram anteriormente na Terra, então analisar Io é uma forma de entender erupções volumosas ocorridas aqui aproximadamente nos últimos 500 milhões de anos.

“É uma janela para o passado da Terra”, conta Davies.

Seguindo o fluxo

Ao contrário dos picos e chaminés vulcânicos da Terra, o vulcanismo de Io não é alimentado pelo calor aprisionado restante de sua formação ou pelo decaimento de compostos radiativos presentes naturalmente em suas rochas. Muito pelo contrário, ele resulta de suas estranhas excentricidades orbitais.

Io é uma das quatro luas galileanas de Júpiter, como são chamadas, juntamente com Europa, Ganimedes e Calisto. Essas luas maiores, descobertas por Galileu Galilei em 1610, são todas visíveis da Terra com o auxílio de um pequeno telescópio. Entretanto, para cada órbita de Io ao redor do gigante gasoso, Europa dá duas voltas e Ganimedes dá quatro voltas em torno de Júpiter. Esse padrão de ressonância orbital faz com que a órbita de Io seja forçada a ser mais elíptica do que seria normalmente e as atrações gravitacionais resultantes entre as luas fazem a superfície sólida de IO subir e descer até 100 metros aproximadamente.

Aliado à atração gravitacional de Júpiter, esse balé orbital gera uma enorme quantidade de calor por atrito dentro de Io que acaba por produzir muito magma, como previsto por um estudo de 1979 mesmo antes de serem observadas plumas vulcânicas em sua superfície.

Devido a seu curioso vulcanismo, Io é um mundo de extremos excêntricos. Sua atmosfera efêmera e instável é demasiadamente delgada para aprisionar calor, então a temperatura média na superfície de Io é de -130°C. Por outro lado, alguns de seus fluxos de lavas podem alcançar quase 1650°C, mais quente do que todos os registros já feitos na Terra hoje.

Embora Io tenha cerca de 4,5 bilhões de anos, sua abundante produção de lava significa que sua superfície não passa de alguns milhões de anos, acrescenta Alfred McEwen, geólogo planetário da Universidade do Arizona. Geralmente, seus vulcões assumem o formato de caldeirões rebaixados na crosta, conhecidos como pateras. Ora os vulcões mantêm seus fluxos de lavas confinados, ora os expelem e, outras vezes ainda, explosões lançam materiais para o alto.

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O deus da trapaça

Com tanta complexidade vulcânica a desvendar, Katherine de Kleer, líder do estudo e cientista planetária do Instituto de Tecnologia da Califórnia, recorreu aos observatórios Keck e Gemini no topo do Mauna Kea no Havaí, na tentativa de observar a mudança comportamental de Io nos mínimos detalhes ao longo do tempo. Devido à alta procura por esses telescópios, ela conseguiu ver Io algumas vezes por apenas 20 minutos cada vez, mas essas observações ao longo de cinco anos lhe permitiram acumular um considerável conjunto de dados.

Como sempre, Loki Patera roubou a cena. O vulcão mais persistentemente poderoso de Io, Loki Patera responde pela impressionante fatia de 10% da produção de todo o calor da lua. A combinação dos dados anteriores com as novas observações parece indicar que ocorrem um aumento e redução no brilho do vulcão a cada 460 ou 480 dias, o que de Kleer afirma acompanhar com repetidas variações na órbita elíptica de Io.

São necessários mais dados para confirmar esse padrão e, no momento, é difícil saber se vulcões menos poderosos de Io também seguem um ciclo semelhante. McEwen afirma que essa possibilidade é plausível, já que o brilho das plumas no polo sul da lua de gelo Encélado também varia em função de sua órbita ao redor de Saturno.

Mas sempre que alguém publica um estudo afirmando que acredita ter entendido o que se passa em Loki Patera, seu comportamento posterior contradiz o estudo, adverte de Kleer.

Há pouco mais de um ano, uma equipe liderada por Julie Rathbun, cientista sênior do Instituto de Ciências Planetárias, utilizou o aparente ciclo de aumento e redução no brilho de Loki Patera para prever que a próxima erupção começaria em maio de 2018 e acertou o resultado. Em seguida, previram que ocorreria uma erupção em setembro desse ano e, em vez disso, foram surpreendidos por uma colossal atividade no início de julho que, contra todas as expectativas, acabou alguns dias depois.

“Precisamos parar de batizar formações geológicas em homenagem ao deus da trapaça!”, brinca Rathbun.

Acredita-se que o aumento e a redução no brilho de Loki Patera poderiam ser efetivamente influenciados pela regeneração do lago de lava. Quando resfriadas partes do lago de lava da região, elas afundam abaixo da superfície, o que poderia desencadear o padrão de onda gradual e extenso observado na superfície. Infelizmente, é bastante difícil obter respostas satisfatórias comparando Loki com os lagos de lava modernos da Terra, pois o patera é grande demais para os parâmetros terrestres, impossibilitando uma simples extrapolação da escala, explica Davies.

Perguntas que não querem calar

Ao que parece, os dados também confirmam outro mistério de Io: erupções brilhantes predominam no hemisfério posterior de Io, o lado de trás do satélite em relação ao movimento de sua órbita ao redor de Júpiter. Ninguém consegue explicar essa propensão vulcânica no momento, o que de Kleer considera “totalmente enigmático no momento”.

Além disso, os próprios vulcões não parecem estar situados onde os modelos afirmam que deveriam estar. Dependendo da localização no interior de Io aquecida pelas marés, os modelos preveem que deveria haver mais vulcões próximos aos polos ou à sua linha do Equador. Entretanto as observações indicam que as localizações reais dos vulcões de Io não são condizentes com nenhum modelo de aquecimento maior.

Também há muita discussão sobre o aspecto da ardente subsuperfície. Os sobrevoos da sonda espacial Galileu na década de 1990 e início da década de 2000 forneceram alguns indícios, e alguns especialistas sugerem que um gigantesco oceano subterrâneo de magma se esconda abaixo da superfície. Contudo também é possível que Io tenha simplesmente bolsões de magma em vez de um oceano gigante ou até mesmo uma camada esponjosa repleta de fluidos.

Io também apresenta erupções “explosivas” tão intensas das quais uma única rajada é basicamente capaz de dobrar o brilho de Io. Apesar de três delas terem sido avistadas em um curto período de duas semanas em 2013, de Kleer não observou nada que se assemelhasse a elas nos cinco anos seguintes. “Isso é estranho. Onde estarão?”, indaga ela.

Novas perspectivas

Embora possa parecer que o novo estudo suscite mais perguntas do que respostas, o estudo destaca as diversas maneiras pelas quais uma maior compreensão sobre Io poderia ajudar a decifrar mistérios na Terra e em outros corpos ativos geologicamente.

“A história da vulcanologia é o despertar da curiosidade científica a partir de antigos depósitos minerais. Então são observadas as erupções e se passa a entender”, afirma McEwen. Fazendo um paralelo, analisar as erupções em Io poderia ajudar a entender a história de erupções antigas aqui na Terra, como as Armadilhas Siberianas, onde prolongadas e furiosas erupções provavelmente causaram a pior extinção em massa da história da Terra.

Compreender os efeitos da fonte de calor de Io pode ajudar a explicar as profundezas de corpos celestes com a presença de água como o Encélado. Lá, um atrito semelhante provocado pelas marés pode ter ajudado a criar um oceano líquido com influências geotérmicas embaixo da plataforma de gelo do satélite – e que poderia abrigar a vida.

“Io mudou muito nossa perspectiva sobre o futuro de toda exploração e sobre o que se pode esperar”, afirma Linda Morabito, que foi a primeira a avistar o vulcanismo de Io ao trabalhar no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA em 1979. Não é nenhuma surpresa que McEwen e seus colegas esperam enviar muito em breve uma sonda espacial ao redor de Io — o desfecho perfeito para complementar com imagens em close-up as observações pioneiras feitas em solo no novo estudo sobre o farol do sistema solar.

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