Em missão sem astronautas profissionais, SpaceX lança quatro civis ao espaço

A tripulação do Inspiration4 passará três dias na órbita da Terra a bordo da espaçonave autônoma Dragon. É a primeira vez que uma missão composta apenas por civis decola ao espaço.

Por Nadia Drake
Publicado 16 de set. de 2021, 07:00 BRT
Momento em que foguete decola

Um foguete Falcon 9 da SpaceX decola com a missão Inspiration4 no começo da noite no Centro Especial Kennedy, da Nasa, em 15 de setembro de 2021.

Foto de Screen Grab, Inspiration4

Pouco depois das 21h de ontem (15/07), a cápsula Crew Dragon, da SpaceX, foi lançada em direção à órbita terrestre do Centro Espacial Kennedy, da Nasa, carregando a primeira missão tripulada somente por civis da história da humanidade.

Nenhum dos quatro tripulantes da missão Inspiration4 é astronauta profissional. Nenhum tem experiência anterior em viagens espaciais. Três dos passageiros souberam que visitariam o espaço apenas este ano, quando anúncios-surpresas transformaram suas vidas em uma sequência de treinamentos e aparições à mídia.

Tripulação da Inspiration4 participa de voo de teste sem gravidade. Da direita para a esquerda: Hayley Arceneaux, Chris Sembroski, Jared Isaacman e Sian Proctor.

Foto de John Kraus, Inspiration4

Agora a Inspiration4 navega em direção à órbita terrestre, onde seus ocupantes devem disfrutar de três dias sem gravidade, fazer um pouco de ciência e arrecadar US$ 200 mi para o hospital especializado em pesquisas em pediatria St. Jude. A tripulação viaja em uma cápsula Dragon rebatizada de Resiliência, e o voo será completamente automatizado – o que facilita o trânsito de equipes novatas no espaço.

A cápsula Resiliência já havia transportado quatro astronautas da Nasa à Estação Espacial Internacional (EEI), mas, desta vez, em vez de se acoplar à estação, a nave voará a uma altitude de cerca de 580 km, 130 km a mais que a maior altitude alcançada pela EEI. A tripulação poderá observar a Terra por um domo de vidro especial, instalado pela SpaceX no lugar da antiga porta de acoplamento. Se tudo der certo, a Resiliência aterrissa na costa da Califórnia no próximo fim de semana.

O voo marca a primeira vez desde 2009 – quando a espaçonave Atlantis levou astronautas ao Telescópio Espacial Hubble para sua derradeira missão de reparo – que um voo orbital tripulado não visita a estação.

“Isso é fascinante porque é uma missão comercial em um veículo comercial. Ele não está a caminho de um destino, nenhum dos participantes são astronautas do governo ou foram astronautas do governo”, diz a analista da indústria Carissa Christensen, fundadora da BryceTech. “Realmente, é um fenômeno.”

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    O comandante da missão Inspiration4 Jared Isaacman sorri para multidão antes de se vestir para o voo espacial.

    Foto de Michael Seeley, National Geographic

    A pilota Sian Proctor acena para uma multidão antes de ser levada para se para o voo.

     

    Foto de Joe Raedle, Getty Images

    Os líderes da missão Inspiration4 dizem que ela define uma nova era na exploração espacial por humanos – o começo de uma época em que os portões do espaço estarão abertos para “passageiros ordinários”. A Netflix vai exibir um documentário com cenas da viagem. A revista Time colocou a tripulação na capa de uma edição especial sobre a nova era do espaço. O site Axios produziu um podcast com vários episódios que revelam os bastidores da missão. E várias empresas estão utilizando a Inspiration4 para promover seus produtos.

    O tema por trás de todas essas mensagens é que o voo está abrindo o caminho das estrelas para o resto da humanidade – mas será?

    Alguns especialistas da indústria afirmam que a barra para entrar nessa corrida espacial é tão alta quanto sempre foi – os donos das chaves do portão é que estão mudando, assim como os critérios para decidir quem entra. À medida que o espaço se torna mais comercializado, fortunas pessoais terão um papel ainda mais importante em determinar quem pode sair da Terra.

    O comandante da missão Inspiration4 é o bilionário Jared Isaacman, que fretou o veículo da SpaceX por uma quantia não divulgada. Ao lado dele estarão a médica do hospital St. Jude e sobrevivente de câncer infantil Hayley Arceneaux, a primeira pessoa com uma prótese a chegar ao espaço; o veterano da Força Aérea americana Chris Sembroski, cuja vaga foi definida por sorteio; e o vencedor de um concurso na internet Sian Proctor, uma geóloga que por pouco não se tornou membro da turma de astronautas da Nasa de 2009.

    “Muito disso está indo para as mãos dos milionários e bilionários do mundo, que podem ou participar, ou escolher quem levar nos voos que fretaram”, diz o historiador espacial Matt Shindell, do Museu Smithsonian do Ar e Espaço. “Eu acho que o verdadeiro teste será o que acontece depois.”

    Um novo tipo de bilhete para o espaço

    O comandante Isaacman, que tem 38 anos e uma queda por aventuras, fez fortuna com a Shift4 Payments, uma empresa de pagamentos fundada em 2005 que hoje gere mais de US$ 200 bi em vendas de varejo anualmente. Ele também é um piloto experimentado e co-fundador da Draken International – que treina pilotos militares e opera a maior frota privada de caças a jato do mundo.

    Um foguete Falcon 9 da SpaceX com a cápsula Crew Dragon Resiliência na histórica base de lançamento 39A do Centro Espacial Kennedy, da Nasa, em 15 de setembro de 2021.

     

    Foto de Michael Seeley, National Geographic

    Em outubro, Isaacman fretou o voo para quatro pessoas da SpaceX e disse ao Axios apenas que custaria menos de US$ 200 mi. Ele então anunciou que a missão seria também uma campanha de arrecadação de fundos para o hospital St. Jude, e que ele não voaria com amigos ou familiares. Os outros três assentos seriam preenchidos ao acaso.

    Isaacman batizou os outros lugares de Esperança, Generosidade e Prosperidade, se autonomeou para a vaga de Liderança e assumiu o posto de comandante da missão.

    Em janeiro, a equipe do St. Jude escolheu Arceneaux, uma antiga paciente que se tornou funcionária, para o assento Esperança. Quando tinha dez anos, Arceneaux foi diagnosticada com câncer ósseo e passou por uma cirurgia para trocar seu joelho esquerdo e implantar uma placa de titânio ao seu osso da coxa. Ela será a médica oficial da missão.

    Sembroski, um engenheiro de dados que trabalha para a Lockheed Martin, preencherá o lugar Generosidade – um prêmio dado praticamente por acaso. Depois de ver um anúncio sobre a missão, Sembroski se inscreveu em uma rifa para doar dinheiro ao St. Jude. Ele não ganhou o sorteio, mas o vencedor era seu amigo e lhe deu o bilhete.

    Proctor ficou com a última vaga, Prosperidade, depois de vencer uma promoção: quem abrisse uma loja com a Shift4 podia enviar um vídeo curto (quanto mais viral melhor) descrevendo por que queria ir para o espaço e o que levaria para a missão.

    Como a tripulação demonstra, a ideia de astronauta está mudando rapidamente, diz o historiador do espaço Jordan Bimm, da Universidade de Chicago. Historicamente, agências espaciais recrutam pilotos militares para o posto. Depois, passaram a utilizar cientistas e outros especialistas como novos recrutas. Agora, a elite bilionária pode comprar seus passeios para o espaço e distribuir passagens da maneira como quiserem.

    A médica oficial da missão, Hayley Arceneaux, participa de treinamento que simula a sensação de ser lançado ao espaço.

     

    Foto de John Kraus, Inspiration4

    Preparação para o voo

    Normalmente, tripulações de astronautas da Nasa são organizadas cuidadosamente, com gerentes de missão trabalhando para formar uma equipe perfeita para completar a missão. Depois, essas equipes passam anos treinando juntas.

    Inspiration4 seguiu um caminho diferente, com menos de um ano entre as conversas iniciais de Isaacman com a SpaceX, a escolha da tripulação e o lançamento. Por cerca de seis meses, o grupo treinou rigorosamente, com exercícios que incluíram uma simulação de voo de 30 horas e várias interfaces com a automação da Dragon para testar a saúde da espaçonave e prever eventuais erros fatais. Os passageiros também completaram treinamentos em centrífuga que simulam as forças G experimentadas no lançamento e no pouso, participaram de voos de teste em gravidade zero, voaram em caças a jato e até escalaram um acampamento em altitude no monte Rainier, no estado americano de Washington.

    Ao responder uma pergunta sobre por que a tripulação passou por esses exercícios, particularmente o voo de caças a jato em formação, se a missão é completamente automatizada, Isaacman tuitou: “Isso te mantém em foco, trabalha a gestão dos recursos de tripulação em um ambiente dinâmico.” Além disso, “as fotos são maneiras”.

    Apesar da exploração espacial muitas vezes ser retratada com glamour – e as imagens da tripulação do Inspiration4 não são exceção –, a experiência pode ser difícil, mesmo custando milhões de dólares. Viajar ao espaço é realmente sobre sofrimento, sacrifício e sobrevivência, diz Shindell – e ele está curioso para saber como a tripulação responderá à realidade de ser lançado em um foguete e passar três dias dividindo uma nave extremamente apertada.

    “Uma vez que você entra naquela cápsula e se compromete com a missão, você vai experimentar todas as forças G, todo o isolamento, a intimidade dos seus colegas e o terror de voltar atravessando a atmosfera cruzando os dedos durante todo o caminho”, diz Shindell.

    Bastante bagagem divide espaço com a tripulação – incluindo experimentos científicos para investigar como humanos se adaptam a voos espaciais física e mentalmente, lembranças pessoais e itens que serão leiloados como parte da arrecadação para o hospital St. Jude. A nave também carregará 30 kg de lúpulos do tipo citra e mosaic, “que serão usados para produzir uma cerveja de fora deste planeta.”

    Chris Sembroski, um dos tripulantes da Inspiration4, se prepara para voar em um simulador de voo no Space Camp, em Huntsville, estado americano do Alabama.

    Foto de John Kraus, Inspiration4

    “Novo espaço”

    O lançamento de hoje é o terceiro este ano a levar uma tripulação de passageiros civis ao espaço. Os outros dois voos, lançados em julho pela Virgin Galactic e pela Blue Origin, foram passeios sub-orbitais que renderam apenas alguns minutos sem gravidade.

    Mas nem mesmo este voo é o primeiro a levar clientes à órbita. Cidadãos privados têm voado para a EEI desde 2001 – alguns pagando até US$ 52 mi pela viagem. Em breve, mais clientes pagantes farão o trajeto até a estação a bordo tanto de cápsulas da SpaceX quanto de naves russas Soyuz.

    Considerando a expansão dos voos comerciais, é fácil ver por que alguns na indústria espacial estão falando de uma nova era. Outros alertam que seria um erro dizer que essas tripulações são ‘ordinárias’ ou de alguma forma representativas da humanidade como um todo. Isaacman é um de apenas 2.775 bilionários na Terra – uma porcentagem minúscula da população que pode fretar uma espaçonave.

    Até o processo de seleção para outros membros da tripulação foi definido por critérios duvidosos, ou pura sorte. Sembroski foi uma das 72 mil pessoas a comprarem a rifa – as chances de ser aprovado na seleção de astronautas da Nasa são maiores. E apesar da tripulação da Inspiration4 ser mais diversa que muitas outras, as próximas missões em direção à órbita serão formadas predominantemente por homens, seguindo um padrão antigo – mulheres são apenas 11% dos astronautas. Pessoas não brancas são ainda mais raras. (Proctor é apenas a quarta americana preta a viajar à órbita).

    Voo espacial é uma experiência rara, diz Brimm, e está muito nas mãos dos privilegiados. Se esses voos estão de fato inaugurando um novo capítulo na exploração além Terra, isso ficará evidente em breve.

    “A prova estará no padrão”, diz Brimm. “O que eu diria a todos que estão observando o espaço com curiosidade é: Não foque demais nesta missão. Veja a próxima, e a próxima, e a próxima.”

    É possível que um acidente possa levar a indústria aos joelhos antes que os voos espaciais privados realmente decolem. Se há algo que aprendemos nos 60 anos de voos espaciais tripulados, é que foguetes são perigosos. Acidentes são inevitáveis.

    Mas isso também se aplica a muitos esportes de aventura, e clientes continuam pagando para subir o monte Everest – um feito tão perigoso quanto, se não mais, que voar até a órbita terrestre.

    “Quanto risco estamos de fato dispostos a assumir, antes que esses riscos realmente se tornem visíveis?”, se pergunta Shindell. “Não é uma questão de se um erro vai acontecer, mas quando vai acontecer e como ele afetará o ecossistema do voo espacial comercial.”

    Mesmo que o espaço se torne acessível a todos, não é claro como a humanidade se beneficiará de milhares de pessoas chegando à órbita. Colonizar a Lua ou Marte está muito distante de passar alguns dias circulando a Terra. E apesar de muitos viajantes espaciais dizerem voltar com um novo apreço pela fragilidade do nosso planeta e um compromisso renovado de melhorar as condições de vida por aqui, críticos argumentam que queimar foguetes em direção ao espaço não é a maneira mais eficiente de inspirar mudanças no solo.

    “No fim do dia, qual será o valor de mandar mais gente ao espaço?”, se pergunta Shindell. “Eu acho que, na verdade, vamos precisar ter uma conversa cultural sobre isso, sobre o que estamos tentando construir.”

    Mesmo assim, Bimm, da Universidade de Chicago, diz que a Inspiration4 leva “pessoas muito inspiradoras ao espaço, e eu espero que elas se divirtam e voltem em segurança”.

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