Ferramentas de 700 mil anos apontam para misterioso ancestral humano

Alguém matou um rinoceronte nas Filipinas centenas de milhares de anos antes do surgimento dos seres humanos – mas quem?

Por Michael Greshko
Publicado 7 de mai. de 2018, 11:15 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
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Pesquisadores encontraram um sítio arqueológico de 700 mil anos na ilha de Luzon, nas Filipinas, onde hominídeos desconhecidos mataram um rinoceronte. Para evitar danos aos ossos, a equipe fez a escavação usando palitos de bambu.
Foto de Thomas Ingicco

Ferramentas de pedras encontradas nas Filipinas precedem a chegada dos seres humanos às ilhas em aproximadamente 600 mil anos – mas os pesquisadores não estão certos sobre quem as fez.

Os impressionantes artefatos, revelados na quarta-feira pela revista Nature, foram abandonados numa planície alagada na ilha de Luzon ao lado da carcaça do rinoceronte. Os primitivos fabricantes das ferramentas estavam claramente procurando por uma refeição. Dois dos ossos dos membros estavam esmagados, como se alguém tivesse tentado pegar o tutano para comer. Marcas de cortes deixadas pelas lâminas de pedra cruzam as costelas e o tornozelo do rinoceronte, um sinal claro de que alguém usou as ferramentas para tirar a carne da carcaça.

Mas a idade dos vestígios os torna especialmente significativos: os ossos entalhados têm provavelmente entre 631 mil e 777 mil anos, com a melhor estimativa dos pesquisadores chegando em cerca de 709 mil anos de idade. A pesquisa – parcialmente patrocinada pela National Geographic Society – leva a ocupação das Filipinas para uma época anterior a origem da nossa espécie, Homo Sapiens. A evidência mais próxima de hominídeos nas Filipinas vem da Caverna de Callao em Luzon – um osso do pé de 67 mil anos de idade.

“Foi uma surpresa encontrar um povo tão antigo nas Filipinas”, diz o autor do estudo Thomas Ingicco, arqueólogo do Museu de História Natural da França. Enquanto os pesquisadores não descobrem qual primo arcaico dos humanos matou o rinoceronte, a descoberta irá causar um alvoroço entre os estudiosos da história humana no Pacífico Sul – principalmente aqueles que pesquisam como os primeiros hominídeos conseguiram chegar nas Filipinas.

“Acho que é espetacular,” diz Michael Petraglia, paleoantropólogo do Insituto Max Planck para a Ciência da História Humana, que não estava envolvido nos estudos. “Embora haja alegações de hominídeos primitivos em lugares como as Filipinas, não havia nenhuma evidência até agora.”

Datando com convicção

Várias das ilhas habitáveis no Pacífico Sul são rodeadas por mar aberto, logo, sempre supôs-se  que os antigos humanos não chegariam até elas ao menos que soubessem como velejar.

Mas, como diz o ditado, a vida sempre dá um jeito. Em 2004, pesquisadores revelaram o Homo floresiensis, que viveu na isolada ilha de Flores por centenas de milhares de anos. Em 2016, pesquisadores também encontraram ferramentas de pedra em Sulawesi, uma ilha ao norte de Flores. Como foi noticiado pela National Geographic na época, as ferramentas de Sulawesi datam de pelo menos 118 mil anos atrás, ou seja, 60 mil anos antes que os humanos modernos surgissem.

“É realmente muito, muito emocionante – está ficando cada vez mais claro que os primeiros hominídeos eram capazes de fazer grandes travessias marítimas”, diz Adam Brumm, paleoantropólogo da Universidade de Griffith, que estuda o H. floresiensis.

Em busca de locais parecidos, Ingicco e o biólogo holandês John de Vos foram para Kalinga, um lugar ao norte de Luzon com a reputação de ter ossos primitivos. Pesquisadores têm encontrado ossos de animais e ferramentas lá desde os anos 50, mas esses vestígios não puderam ser datados. Para provar que hominídeos viveram em Kalinga, de Vos e Ingicco precisaram encontrar artefatos ainda enterrados.

Em 2014, a equipe escavou uma área de teste em Kalinga de cerca de 2 metros. Quase que imediatamente, os pesquisadores encontraram ossos que pertenciam a rinocerontes há muito extintos. Logo eles recuperaram um esqueleto inteiro, assim como as ferramentas deixadas por seus caçadores.

Para ter uma noção da idade do sítio arqueológico, o time mediu os sedimentos e o dente do rinoceronte para saber o quanto de radiação absorveram naturalmente ao longo do tempo. Além disso, mediram a quantidade natural de urânio em um dos dentes, pois o decaimento radioativo o transforma em tório. Na lama ao redor dos ossos do rinoceronte, também foi encontrada uma partícula de vidro derretido proveniente do impacto de um asteroide há cerca de 781 mil anos.

“Hoje em dia, é necessário testar vários métodos para acertar as datas, já que houve muitas datas no passado que provaram ser não confiáveis”, diz o coautor do estudo Gerrit van der Bergh, sedimentólogo da Universidade Wollongong.

Os suspeitos atípicos

A lista dos possíveis ferramenteiros inclui os Denisova, uma linhagem de hominídeos conhecida pelo DNA de vários fósseis na Sibéria. Mas o candidato mais provável é o hominídeo Homo erectus, que definitivamente conseguiu chegar até o Sudeste Asiático. A ilha de Java, na Indonésia, tem fósseis de H.erectus com mais de 700 mil anos.

A equipe de Ingicco sugere que esses caçadores eram a versão de Luzon dos H. floresiensis, descendentes de uma população de H. erectus que chegou até Flores. Durante milênios, o H. erectus pode ter evoluído para viver em uma ilha sem predadores, encolhendo num processo chamado nanismo insular.

Em 2010, uma equipe liderada pelo arqueólogo da Universidade das Filipinas Diliman, Armand Mijares, encontrou o osso de pé da Caverna Callao, que possui medidas que se sobrepõem aos humanos modernos e ao H. floresiensis.  Seria o hominídeo de Luzon uma espécie de hobbit local, descendente de H. erectus náufragos, que chegaram centenas de milhares de anos antes? É cedo para dizer.

“Não temos informação de 600 mil anos na pré-história, [logo] seria um chute”, diz Petraglia.

Fugindo da tempestade?

Quem quer que fossem, os ancestrais dos ferramenteiros podem ter pegado uma das duas rotas de migração para as Filipinas, de acordo com a equipe de Ingicco: uma rota oeste-leste de Borneo ou Palawan, ou norte-sul da China e Taiwan. Mas ainda não se sabe como eles conseguiram cruzar o oceano.

É tentador pensar que esses primos distantes usassem barcos rudimentares: quando a notícia da Caverna de Callao saiu em 2010, alguns especialistas atribuíram sua presença a antigos velejadores. Mas a ideia ainda é considerada improvável. Rinocerontes e criaturas tipo elefantes também chegaram a Luzon, e obviamente não possuíam barcos.

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    Talvez grandes animais e os ancestrais dos caçadores chegaram a Luzon acidentalmente através de massas flutuantes de lama e plantas aquáticas, arrancadas das costas por grandes tempestades. Tsunamis também podem ter carregado alguns H.erectus para o mar. Ao se segurarem em escombros flutuantes, podem ter saltado inadvertidamente de ilha em ilha.

    “A dispersão pela água do H. erectus é acidental – não há destino, não há um roteiro”, diz Russell Ciochon, paleoantropólogo da Universidade de Iowa.

    Há também perguntas a serem feitas sobre o que aconteceu, quando e se os descendentes desses hominídeos primitivos fizeram contato com os primeiros homens modernos a chegarem em Luzon: “Nossa espécie entrou em contato cara a cara com essas criaturas? Qual foi a natureza desse contato?”, pergunta-se Brumm.

    Essa e outras perguntas ainda precisam ser respondidas, mas os pesquisadores dizem que o estudo da história humana em Luzon – e no Pacífico Sul como um todo – está apenas começando.

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