O vulcão Vesúvio vaporizou suas vítimas? Entenda os fatos

Resíduos de ossos datados de 79 d.C. sugerem que a erupção ferveu as pessoas vivas. No entanto, alguns especialistas não estão convencidos de que apenas o calor causou as mortes.

Por Robin George Andrews
Publicado 22 de out. de 2018, 14:13 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 03:22 BRT
Pintado em meados dos anos 1800, "O último dia de Pompeia" ilustra o imaginário de um ...
Pintado em meados dos anos 1800, "O último dia de Pompeia" ilustra o imaginário de um artista sobre a erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C.
Foto de Karl Brullov / Alamy Stock Photo

A infame erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C. destruiu a paisagem ao redor e os residentes das metrópoles romanas que viviam à sombra do vulcão. Após pesadas cinzas causarem desmoronamentos fatais de construções em Pompeia, violentas correntes de lava foram lançadas abaixo e assolaram Pompeia, a cidade portuária vizinha de Herculano e diversos outros lugares.

Os acadêmicos não contestam a fúria vulcânica evidente naquele dia quase 2 mil anos atrás. Talvez pareça surpreendente, mas ainda existe uma considerável controvérsia sobre como morreu a maioria das vítimas.

(Veja também: O que realmente aconteceu com uma vítima sem cabeça em Pompeia que foi notícia em julho).

Recentemente, uma equipe de especialistas italianos refez a análise de algumas das mais horripilantes mortes de Herculano, em que, ao que parece, os crânios das pessoas teriam explodido. A hipótese consagrada dos pesquisadores era de que o calor extremo foi a principal causa da morte, fazendo com que os fluidos dos cérebros e tecidos moles das vítimas fervessem rapidamente e desaparecessem. Agora, esse conceito é confirmado por evidências apresentadas em um estudo no periódico PLOS ONE  publicado em setembro.

Contudo, há quem discorde da teoria. Elżbieta Jaskulska, osteoarqueóloga da Universidade de Varsóvia, que não participou do trabalho, afirma que a alegação do estudo “é contrária a tudo que conheço sobre danos térmicos ao corpo humano e ossadas”.

Morte no antigo paraíso

Fluxos piroclásticos são misturas de cinzas, borbulhas de lavas e gases venenosos formadas pela gravidade que podem chegar a temperaturas aproximadas de 700 graus Celsius e movimentarem-se a velocidades aproximadas de 80 quilômetros por hora. Nuvens piroclásticas são praticamente a mesma coisa, mas possuem proporcionalmente mais gás.

Esses esqueletos de uma criança e um jovem adulto foram desenterrados de uma camada de cinzas em Herculano.
Foto de Cortesia, Pierpaolo Petrone

O Vesúvio expeliu tanto fluxos quanto nuvens durante a fatídica erupção e ambos poderiam ter matado as pessoas por diferentes formas terríveis. Detritos lançados podem ter atingido e matado as pessoas, além de que inalar cinzas demais ou respirar gás vulcânico pode causar asfixia. As temperaturas extremamente elevadas também podem ter fritado instantaneamente uma pessoa até a morte.

Pier Paolo Petrone, paleobiólogo da Universidade Hospital Federico II de Nápoles, passou décadas pesquisando as vítimas da catástrofe de 79 d.C. Diversos estudos em que ele fez contribuições, como um estudo de 2001 na revista científica Nature e outro no PLOS ONE em 2010, apresentaram evidências sugerindo que as cinzas e gases não foram as principais causas das mortes na região, como outros estudos concluíram. Em vez disso, Petrone defendeu que foi o próprio calor que matou a maior parte das pessoas, permitindo a elas uma morte rápida e indolor.

A diferença fundamental está no que o calor fez aos corpos das pessoas em Pompeia e em Herculano. Situada a pouco mais de 9 quilômetros de distância do vulcão, Pompeia foi atingida inicialmente por detritos vulcânicos que caíram, fazendo desabar as casas e sufocando quem estava dentro delas. Em seguida, a cidade foi atingida por uma nuvem piroclástica especialmente gasosa, responsável pela maior parte das mortes

Arqueólogos descobriram que os corpos das vítimas de Pompeia permaneceram intactos em sua maior parte. Com base nos danos ósseos e na fusão de vários metais, Petrone e seus colegas presumem que muitas pessoas foram mortas repentinamente pelo choque térmico extremo ao contato com uma nuvem piroclástica a temperaturas de até 300 graus Celsius.

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    Em Herculano e na cidade vizinha de Oplontis, ocorreu algo ainda mais perturbador. Esses dois povoados se localizavam alguns quilômetros mais perto da chaminé do Vesúvio e os pesquisadores encontraram ali vítimas com o DNA completamente degradado, com fraturas ósseas induzidas pelo calor e o que parecem ser crânios explodidos. A equipe de Petrone deduziu que essas vítimas foram atingidas por nuvens piroclásticas mais quentes, entre 500 e 600 graus Celsius, fervendo instantaneamente seus fluidos corporais, inclusive os fluidos de seus cérebros.

    Aumentando a temperatura

    O novo estudo do PLOS ONE, liderado por Petrone, traz novas evidências a essa hipótese pavorosa. Pesquisadores indicam um resíduo avermelhado escuro encontrado nos ossos de diversas vítimas em Herculano. A análise química revelou que ele é rico em ferro e óxidos de ferro, muito provavelmente oriundo do sangue e fluidos corporais das vítimas.

    Esses compostos ricos em ferro poderiam ter se formado com a decomposição da hemoglobina presente nos glóbulos vermelhos das vítimas. Petrone sugere que o calor extremo certamente poderia fazer isso, o que também teria rachado os ossos e, afirma ele, “vaporizado completamente os tecidos moles dos cadáveres das vítimas em menos de 10 minutos, fazendo os crânios explodirem”.

    Além disso, muitas das vítimas de Pompeia foram encontradas em posições totalmente contorcidas, indicando que seus músculos contraíram bem rapidamente com a exposição ao calor acentuado. Algumas pessoas em Herculano parecem apresentar contração muscular em alguns membros, porém não em outros. Segundo o novo estudo, isso confirma a ideia de que o calor extremo pode ter destruído certos músculos mais rapidamente do que eles puderam contrair.

    Jaskulska conta que algumas provas periciais independentes confirmam a ideia de que a destruição dos glóbulos pode causar esse tipo de mancha óssea. No entanto, como revelam seus comentários no estudo original, ela não está convencida de que o caso esteja encerrado.

    Segundo Jaskulska, a destruição dos glóbulos vermelhos pode acontecer sem a vaporização da pele, músculos ou gordura e não está claro se a vaporização de tecidos moles sequer ocorreu em Herculano.

    Os modernos fornos crematórios funerários oferecem uma obscura visão sobre a aniquilação do corpo humano, alcançando temperaturas de até 1000 graus Celsius, comparáveis às temperaturas experimentadas pelas vítimas em Herculano.

    “Nessas condições, os tecidos moles não são vaporizados”, afirma Jaskulska. “São simplesmente queimados.”

    Corrida pela sobrevivência

    Ela ainda levanta outras questões em relação ao novo estudo, inclusive uma sugestão de que as extremidades inferiores do corpo desapareceram mais rápido do que as extremidades superiores, o que lhe pareceu estranho, já que há muito mais tecidos moles para vaporizar nas pernas do que nos braços. Jaskulska ainda esperava que, se esses tecidos tivessem desaparecido em função do calor repentino, os danos nos ossos seriam muito mais intensos do que parecem ser.

    Quanto aos crânios, ela nem está certa de que eles possam explodir. As cremações mostram, ao que tudo indica, que os crânios são fraturados com o calor, mas não explodem violentamente, muito menos lançam fragmentos. Jaskulska sugere ser perfeitamente plausível que os crânios fragmentados em Herculano tenham sido simplesmente esmagados.

    “Qualquer arqueólogo dirá”, conta ela, “que o peso de sedimentos pesados faz ruir até crânios não danificados”.

    Jaskulska não está alegando que o dano térmico não tenha ocorrido ou que não tenha sido letal. Ela está apenas dizendo que não há prova concreta ainda de que tenha sido a principal causa da morte em Herculano. Mesmo se de fato ocorreu a decomposição da hemoglobina causada pelo calor, as nuvens piroclásticas podem ter causado os danos depois que as pessoas já tinham morrido de asfixia ou outras causas.

    Analogias modernas podem trazer algum esclarecimento ao debate. Janine Krippner, vulcanóloga da Universidade Concord em Atenas, na Virgínia Ocidental, destaca que nuvens e fluxos piroclásticos ainda acontecem nos dias de hoje e nem sempre são garantia de uma morte rápida e indolor. O resultado depende da velocidade, temperatura e do teor de cinzas e gases das correntes, entre outros aspectos. Se forem diluídas o suficiente, você pode até sobreviver ao trauma severo causado pelo calor.

    Ainda assim, para evitar acabar como as vítimas do Vesúvio, o conselho de Krippner é simples: “Se visualizar uma nuvem cinza vindo na sua direção, corra.”

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