Mina de 11 mil anos no interior de caverna submersa surpreende arqueólogos no México

Preservado como uma cápsula do tempo nas profundezas de um sistema de cavernas mexicanas, local antigo oferece raro vislumbre sobre vidas e hábitos de alguns dos primeiros residentes das Américas.

Por Maya Wei-Haas
Publicado 8 de jul. de 2020, 17:00 BRT, Atualizado 5 de nov. de 2020, 01:56 BRT

Um mergulhador examina pedras empilhadas por antigos mineiros que extraíam o pigmento ocre de La Mina, nas profundezas de uma caverna em Yucatán, México, entre 10 mil e 12 mil anos atrás. O aumento do nível do mar inundou a caverna, preservando as evidências de mineração por milhares de anos.

Foto de CINDAQ.ORG

NA PRIMAVERA de 2017, uma dupla de mergulhadores se espremeu por uma passagem estreita inexplorada em uma caverna subaquática na península de Yucatán, no México. Após nadar por mais de 800 metros através do sistema de cavernas contornando estalactites e estalagmites, finalmente chegaram à entrada que media apenas 71 centímetros de diâmetro.

“Era o portal para outra câmara inteira”, lembra um dos mergulhadores, Sam Meacham, diretor do Centro de Pesquisa do Sistema Aquífero de Quintana Roo (CINDAQ).

Na câmara após a estreita passagem, havia uma cena antiga preservada em detalhes impressionantes: um local de mineração de pigmentos ocres-vermelhos de 11 mil anos de idade, repleto de ferramentas e áreas para fogueiras. A mina, descrita em um novo estudo publicado no periódico Science Advances, é um dos poucos sítios arqueológicos a revelar de onde e como os antigos humanos extraíam os pigmentos de cores vibrantes que foram utilizados em uma série de aplicações em todo o mundo, tais como rituais funerários, pinturas rupestres e até como protetor solar.

“Faz muito tempo que eu queria saber quais eram os diferentes meios de extração de pigmentos minerais que as pessoas utilizavam no passado”, afirma a autora do estudo Brandi MacDonald, arqueóloga da Universidade de Missouri e especialista em pigmentos ocres. “Mas fiquei impressionada em poder encontrá-los em um estado de conservação tão bom.”

A descoberta também oferece um raro vislumbre sobre a vida de alguns dos residentes pioneiros das Américas, que viveram em Yucatán milhares de anos antes da ascensão do antigo estado maia. Dentre esses primeiros habitantes estava uma menina que os arqueólogos chamaram de Naia, que provavelmente morreu em outra caverna há cerca de 13 mil anos, perto da mina recém-encontrada. Ao menos nove outros indivíduos primitivos foram identificados no emaranhado sistema de cavernas no subsolo de Quintana Roo cujos restos mortais foram preservados por milhares de anos após a inundação de cavernas devido à elevação do nível do mar há cerca de 8 mil anos.

Mas o que faziam no fundo desse submundo sombrio ainda é assunto de debate entre os cientistas. Estariam enterrando seus mortos? Buscando fontes de água doce?

“Afinal, por qual motivo desciam lá?”, indaga Roberto Junco, diretor da divisão de Arqueologia Subaquática do Instituto Nacional de Antropologia e História (INAH), órgão regulador de arqueologia no México. “Agora temos evidências bastante convincentes de ao menos uma das razões: para a mineração de ocre”.

Aventurando-se na escuridão

A descoberta da mina ocorreu por acaso, quando os alunos de um curso de levantamento espeleológico liderado por Fred Devos, mergulhador de cavernas do CINDAQ, avistaram um túnel anteriormente despercebido ao mergulhar no sistema de cavernas Sagitário. Devos e Meacham retornaram logo depois para explorar. Após um longo mergulho e se espremerem através da passagem estreita, os mergulhadores ficaram surpresos com o que encontraram.

O local é como uma cápsula do tempo da atividade humana: o chão da câmara está repleto de fossos e, espalhados por ele, estão espeleotemas quebrados — estalagmites ou estalactites — utilizados como martelos improvisados. Havia rochas queimadas e carvão vegetal restante das fogueiras que outrora iluminaram a caverna, além de pilhas de pedras ordenadas, conhecidas como moledros, que marcavam o caminho dos mineiros.

“Fred e eu imediatamente começamos a apontar para todas essas relíquias”, conta Meacham. “Não eram naturais e não há nada que poderia tê-las feito além de humanos.”

Devos procurou Eduard Reinhardt, geoarqueólogo da Universidade McMaster para conversar sobre o local. Apesar do ceticismo inicial de Reinhardt, ele foi ao México no ano seguinte para mergulhar no trecho da caverna com os artefatos, mais tarde batizado de La Mina (“a mina”). “O local é fenomenal”, afirma Reinhard.

Além disso, a mineração não se ateve a uma caverna apenas.

Durante os mergulhos anteriores, “percebemos disposições incomuns e pouco naturais de objetos”, como rochas empilhadas e espeleotemas ordenados no chão da caverna, afirma Meacham. No entanto, com tantos mergulhadores nas cavernas de Yucatán, nunca se soube ao certo se essas excentricidades eram provenientes de atividades antigas ou modernas, conta Reinhardt.

Agora, diante de um exemplo tão intocado de uma mina antiga de ocre, a equipe pôde confirmar que também se tratavam de operações de mineração ao menos duas outras suspeitas desses sítios arqueológicos em cavernas submersas a cerca de 32 quilômetros ao sul de La Mina, em Quintana Roo. As três minas foram utilizadas entre 10 mil e 12 mil anos atrás, segundo a datação por radiocarbono.

“Não se trata de algo pontual”, afirma Reinhardt. “Havia um programa ativo de exploração, mineração e extração de ocre. Sem dúvida serão encontrados mais locais.”

Conexões coloridas

Aliando-se a outros cientistas e mergulhadores, a equipe de pesquisa começou a documentar a antiga atividade de mineração dentro dos locais identificados. Em 100 mergulhos, totalizando mais de 600 horas embaixo d’água, a equipe coletou amostras e fez vídeos, além de tirar dezenas de milhares de fotos para construir um modelo tridimensional do sítio arqueológico de La Mina. A análise mostra um retrato pitoresco de expedições bastante planejadas no subsolo por gerações de experientes conhecedores do local há cerca de 2 mil anos.

O carvão encontrado ao redor das minas é proveniente de madeiras com alto teor de resina e provavelmente foi selecionado por sua chama clara e duradoura, segundo a análise de Barry Rock, autor do estudo, da Universidade de New Hampshire. O local também parece preservar o processo de raciocínio dos antigos mineiros ao escavar materiais, observa Reinhardt: os mineiros seguiam as camadas de depósito mineral até o esgotamento do ocre. Depois se desviavam lateralmente para escavar outro fosso. “Eles compreendiam (...) alguns princípios geológicos básicos não codificados oficialmente ou formalizados até meados dos anos 1600”, conta ele.

Os próprios pigmentos eram de excelente qualidade, acrescenta MacDonald, com poucas impurezas e uma granulação bastante fina, o que implica que o pigmento impregna facilmente seus tons fortes em tudo o que toca. “Colore com extrema facilidade”, afirma ela.

Mas o que exatamente as pessoas faziam com essa abundância de pigmentos? O ocre é um material rico em ferro que os humanos ao redor do mundo utilizam há centenas de milhares de anos. Os pigmentos eram utilizados em uma mistura pastosa de conchas de abalone de cor forte na África do Sul há cerca de 100 mil anos. Também destacaram o formato das mãos retratadas em paredes de cavernas em Chauvet, na França, há cerca de 30 mil anos. E ainda foram encontrados recobrindo uma mulher sepultada em uma caverna no norte da Espanha há cerca de 19 mil anos.

Existem também usos práticos do ocre, que pode servir de repelente de mosquitos ou protetor solar. Pode ainda ter formado a base para substâncias adesivas na fabricação de ferramentas. Ainda hoje, alguns indígenas africanos e aborígenes australianos utilizam esses pigmentos de cores fortes para fins práticos e ritualísticos.

Contudo não se sabe ao certo qual era o objetivo final dos exploradores de ocre das cavernas de Yucatán. “No momento, simplesmente não sabemos”, conta MacDonald.

O que faziam lá?

Alguns cientistas encontraram indícios nas próprias minas que podem sugerir um lado ritual ou espiritual da descoberta. Os locais de mineração estão situados no fundo de sistemas subterrâneos, longe do alcance da luz, afirma Holley Moyes, da Universidade da Califórnia em Merced, especialista no uso ritual de cavernas maias, que não participou do projeto. Em quase todos os sítios arqueológicos já encontrados dos primórdios da história da humanidade, conta ela, os usos dessa chamada “zona escura” se restringem a finalidades rituais.

“Cavernas são vistas como todo tipo de bem e mal; provavelmente são consideradas um traço natural bastante sagrado”, explica Moyes. Vistas como sendo entradas para o submundo e fontes de água sagrada, as cavernas são locais especialmente espirituais para os maias, que construíram suas vilas e cidades em Yucatán milhares de anos depois que a mina foi abandonada. O ocre também era sagrado para os maias e outras culturas mesoamericanas, como os astecas, e destacava-se na arte e em rituais. “Há algo especial nessa cor vermelha”, afirma ela.

Parte do desafio de entender os costumes antigos decorre da dissociação moderna entre o espiritual e o prático, afirma James Brady, especialista em arqueologia espeleológica da Universidade Estadual da Califórnia, em Los Angeles, que não participou da equipe do estudo. Atualmente, para muitas pessoas, “a religião se restringe a uma hora no domingo de manhã”, explica ele. Mas provavelmente não era o que ocorria há milhares de anos atrás. “O fato de ser um local sagrado pode ser bastante relevante”, afirma ele sobre o ocre, “e também havia a grande jornada dentro da caverna especialmente para obter o ocre.”

Independentemente da intenção da extração, os pesquisadores estão entusiasmados com a descoberta. A impressionante preservação do local oferece um olhar sem precedentes sobre as atividades dos residentes precursores das Américas e pode contribuir para direcionar futuras pesquisas sobre o uso de cavernas.

“Estamos muito animados aqui no México por participar desse projeto”, afirma Junco, do INAH. “É um daqueles momentos decisivos em que há uma grande mudança de paradigma.”

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