Arqueólogos descobrem monumento misterioso que estava evidente
Novas descobertas levantam uma velha questão: por que duas superpotências antigas abandonaram abruptamente a diplomacia e partiram para a violência?
Escavações em Tikal, antiga metrópole maia ao norte da Guatemala, revelam novas informações sobre a relação entre duas grandes civilizações da Mesoamérica.
Para observadores — e nos mapas dos arqueólogos — parecia apenas mais uma colina em meio ao relevo irregular de Tikal, antiga cidade-estado maia nas planícies ao norte da Guatemala. Contudo, quando pesquisadores ampliaram uma imagem aérea feita com o equipamento de varredura a laser denominado LiDAR (“detecção e alcance de luz”, na sigla em inglês), visualizaram nitidamente o formato de uma estrutura artificial oculta sob séculos de acúmulo de terra e vegetação.
A construção — que se constatou ser uma pirâmide — fazia parte de um antigo bairro que incluía um enorme pátio delimitado por construções menores. Mas essas estruturas eram diferentes de quaisquer outras conhecidas em Tikal. Seu formato, orientação e outras características arquitetônicas eram distintas das normalmente encontradas em Teotihuacan, antiga superpotência próxima à atual Cidade do México, mais de 1,2 mil quilômetros a oeste de Tikal. Após uma análise mais profunda, o complexo parecia ser uma réplica com metade do tamanho de uma grandiosa praça em Teotihuacan conhecida como Cidadela, e inclui a Pirâmide da Serpente Emplumada com seis níveis.
“As semelhanças nos detalhes são impressionantes”, afirma Stephen Houston, arqueólogo da Universidade Brown, o primeiro a notar as características.
A nova descoberta de um grande monumento no centro de Tikal — um dos sítios arqueológicos mais escavados e estudados na Terra — destaca a extensão em que a tecnologia LiDAR está revolucionando a arqueologia na América Central, onde a mata densa geralmente inviabiliza imagens de satélite. E também levanta uma questão fascinante: o que um enclave da distante Teotihuacan fazia no centro de uma capital maia?
Teotihuacan possui um complexo de pirâmides conhecido como Cidadela. Arqueólogos que trabalham em Tikal encontraram o que parece ser uma réplica com a metade do tamanho do complexo.
No ano passado, guiado por imagens da tecnologia LiDAR, Edwin Román-Ramírez, diretor do Projeto Arqueológico do Sul de Tikal, iniciou uma série de escavações. Abrindo túneis através das ruínas, sua equipe encontrou construções e sepulturas, cerâmicas e armamento típico de Teotihuacan do início do século 4. Incluindo desde um incensário decorado com a imagem do deus da chuva de Teotihuacan a dardos feitos de obsidiana verde proveniente do centro do México, os artefatos sugerem que o local poderia ter sido um assentamento semiautônomo no centro de Tikal, ligado à distante capital imperial.
“Já sabíamos que os teotihuacanos tinham ao menos uma certa presença e influência em Tikal e nas regiões maias nas proximidades antes do ano 378”, conta Román-Ramírez. “Mas não se sabia se os maias estavam apenas reproduzindo aspectos do reino mais poderoso da região. Agora há evidências de que o relacionamento era muito mais profundo.”
Thomas Garrison, geógrafo da Universidade do Texas em Austin especializado no uso de tecnologia digital para pesquisas arqueológicas, afirma que as descobertas demonstram como, de certa forma, as antigas cidades das Américas podem não ter sido tão diferentes das cidades cosmopolitas da atualidade. “Havia uma mistura de culturas e pessoas com diferentes origens e idiomas convivendo e mantendo suas identidades.”
Monumento de pedra de Tikal celebra a chegada de líder militar conhecido como Nascido do Fogo em 378 — ano da conquista de Tikal pela poderosa dinastia de Teotihuacan.
A pesquisa é patrocinada pela Iniciativa Pacunam LiDAR, que fez descobertas incríveis em 2018, revelando uma vasta rede interligada de cidades antigas nas planícies maias, lar de milhões de pessoas a mais do que se acreditava anteriormente.
Román-Ramírez adverte que as descobertas não são uma prova definitiva de que os construtores do complexo eram de Teotihuacan. “Mas sugerem que, por mais de um século, pessoas no mínimo muito familiarizadas com a cultura e as tradições de Teotihuacan viveram lá em sua própria colônia, em um setor com identidade distinta, e seguiam a religião de Teotihuacan.” Está pendente uma análise de isótopos de ossos encontrados em uma câmara mortuária, que poderá fornecer mais detalhes e apontar onde o falecido viveu em diferentes épocas de sua vida.
Com base nos estilos de cerâmica encontrados nas ruínas, a equipe estima que as construções no local começaram ao menos 100 anos antes de 378, uma data importante na história maia. Segundo as inscrições maias, o rei de Teotihuacan enviou um general conhecido como Nascido do Fogo para destronar Jaguar Paw, o rei de Tikal, e nomeou seu filho como novo governante. Nascido do Fogo chegou a Tikal no dia 16 de janeiro de 378, o mesmo dia em que Pata Jaguar “entrou na água” – uma metáfora maia para a morte.
Após a conquista, Tikal floresceu por vários séculos, tomando e pacificando cidades-estado próximas e difundindo sua cultura e influência pelas planícies. A hegemonia de Tikal durante esse período foi bastante documentada, mas o que não se sabe é por que, após décadas de convívio pacífico, Teotihuacan se voltou contra sua antiga aliada.
Famosa por suas pirâmides imponentes, a poderosa Teotihuacan, no centro do México — outrora a maior cidade das Américas — espalhou seu domínio e influência por toda parte.
Escavações adicionais em Tikal podem revelar mais detalhes, mas uma descoberta recente em Teotihuacan sugere que algum tipo de choque cultural pode ter desencadeado a desavença fatídica. Uma equipe liderada por Nawa Sugiyama, arqueóloga da Universidade da Califórnia, em Riverside, descobriu um “bairro maia” em Teotihuacan que é semelhante ao posto avançado de Teotihuacan em Tikal. O complexo de construções luxuosas foi decorado com requintados murais maias, sugerindo que os moradores podem ter sido diplomatas da elite ou famílias nobres.
Mas pouco antes da conquista de Tikal em 378, os murais foram destruídos e enterrados. Esse fato, e também um fosso próximo repleto de esqueletos humanos despedaçados, sugerem uma mudança abrupta da diplomacia para a violência.
“O que houve de tão errado nessa relação a ponto de um grupo de moradores maias da elite acabar massacrado, seus palácios destruídos, todos os seus objetos removidos e posteriormente sua terra natal invadida e assumida por um rei ainda criança?”, indaga Francisco Estrada-Belli, arqueólogo da Universidade de Tulane. “Evidentemente, estamos desvendando alguns dos acontecimentos mais importantes da história dos maias e de Teotihuacan — e um dos grandes mistérios da América Central está um pouco mais perto de ser decifrado.”